Diploma na mão, fluência em diferentes idiomas, pós-graduação e um currículo invejável. Parece o background perfeito para uma posição de relevância dentro de qualquer empresa, independentemente do setor. Então, vem o “problema”: mulher, mãe e esposa. Os atributos para além do profissional pesam tanto que operam como uma verdadeira âncora na remuneração de grande parte da população feminina em atividade no mercado de trabalho. Alcançar a equidade salarial, não apenas no Brasil, mas em nível global, é uma linha de chegada que parece uma miragem – quando parece estar perto, ela se desmancha no horizonte.

Dados do estudo Global Gender Gap Report 2021, produzido pelo Fórum Econômico Mundial e que analisa a disparidade salarial entre homens e mulheres de diferentes áreas de atuação, apontam que, se a estrada para paridade na remuneração seguir o ritmo letárgico dos últimos 15 anos, a equidade de renda entre gêneros levará nada menos que 135,6 anos anos para ser alcançada. Até lá, o que faremos?

Em 2021, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) informou que, em 2019, as mulheres receberam 77,7% do salário dos homens. Em cargos de liderança, como gerências e diretorias, a diferença é ainda maior – nesse grupo, as profissionais ganham 61,9% do rendimento de seus colegas do sexo masculino.

Ironicamente (ou não), apesar da disparidade, um número maior de mulheres no Brasil possui diploma de ensino superior. Na faixa-etária de 25 a 34 anos, 25,1% do público feminino concluíram a faculdade, contra 18,3% dos homens – diferença de 6,8 pontos percentuais, portanto. Contudo, nas instituições de graduação, menos da metade (46,8%) dos professores eram do sexo feminino. Ainda que pouco, o número melhorou nos últimos anos. Em 2013, eram 43,2% docentes nas universidades.

Mesmo mais escolarizadas, as mulheres têm menos inserção no mercado de trabalho e na vida pública. Cerca de 54,6% das mulheres de 25 a 49 anos com crianças de até três anos estavam empregadas em 2019, enquanto o percentual de homens na mesma condição é de 89,2%.

equidade salarial - denise almeida

Falta de dados é invisibilidade, diz Denise

Invisibilidade do problema

Nos setores de viagens e hospitalidade, pouco se fala no assunto. E tampouco estudos e pesquisas são levantados para fornecer um panorama crível para dar luz à questão. No início de fevereiro, a Phocuswire divulgou um levantamento da WiHTL que toca na ferida. Intitulado WiHTL Gender Pay Gap in Hospitality, Travel & Leisure Report – 20/2021 e produzido em parceria com a PwC, o levantamento é baseado em dados do segmento no Reino Unido, onde a pandemia impediu avanços na equidade salarial entre gêneros.

Na hotelaria, a falta de progresso foi sentida de forma mais aguda. A diferença salarial média subiu pela primeira vez em três anos, de 5,4% para 7,7%. Quando englobamos a disparidade também nos setores de turismo e lazer, o crescimento foi de 7,4% para 9%.

O relatório aponta que a média nas empresas dos segmentos é de 58% dos homens entre os 25% mais bem pagos da força de trabalho, frente a 54% de mulheres entre os 25% profissionais mais mal pagos.

Ainda que os números falem sobre um mercado distante do brasileiro, a principal diferença que pode ser apontada é que, ao menos, o Reino Unido têm dados claros sobre o tema. Professora do Mestrado e Graduação em Direito da Unichristus e docente da FGVLaw, Denise Almeida Andrade estuda o tema há 10 anos e, segundo ela, a invisibilidade do problema é onde começa a falta de solução. “A inexistência de dados é um sintoma da invisibilidade, pois tudo que está ligado ao feminino é relativizado. E esse hiato salarial não é uma exclusividade brasileira. Historicamente, não temos um país que tenha alcançado a equidade salarial”, salienta.

A legislação brasileira garante a igualdade salarial entre homens e mulheres na CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) desde 1943. O texto afirma que as remunerações devem ser iguais “sem distinção de sexo” em pelo menos quatro artigos. A desigualdade persiste, contudo. Prova disso é que o país aparece em 132º lugar no ranking do Fórum Econômico Mundial, em uma lista de 149 nações sobre equidade salarial para trabalho similar em 2018.

O tema voltou à mesa com a aprovação do Projeto de Lei 130/2011 pelo Senado em 2021, que prevê multas a empresas que pagarem remunerações diferentes para homens e mulheres que exerçam a mesma função. Mas, veja bem, o texto aguardava atenção do Poder Legislativo há 10 anos. Agora, depende da sanção da presidência da República.

“No Brasil, quanto mais alto o cargo, maior o paygap. Conforme a posição sobe, a disparidade aumenta. E não se trata apenas da desigualdade salarial. As mulheres também são as primeiras a perderem o emprego ou a migrar para o trabalho informal. Existe a falácia de que somos mais empreendedoras, mas por que?”, questiona Denise.

equidade salarial - laini

Aviva olha para o cargo em vez do gênero, diz Laini

Políticas salariais

Para minimizar as diferenças, empresas vêm adotando políticas salariais focadas em posições e cargos. Na Aviva, detentora dos destinos Rio Quente e Costa do Sauípe, o quadro de funcionários é bem dividido – 50% homens e 50% mulheres. Com o programa Diversidade e Inclusão, que conta com uma equipe multidisciplinar, a empresa norteia suas remunerações seguindo uma metodologia de cargos e salários baseado em pontuações.

“Olhamos para a posição e não para quem vai ocupar. Dentro deste contexto, observamos a abrangência do cargo, responsabilidades e atribuições necessárias, independentemente do profissional que vai ganhar aquele salário. Não existe diferença de gêneros, seja para um trabalho de garçom ou analista, por exemplo. É um fator que ajuda a criar essa equidade da organização”, explica Laini de Melo Silva, gerente geral de Experiência TH da Aviva.

No Zarpo, que possui 100% de seu time Comercial composto por mulheres, a política é semelhante. No quadro total de colaboradores da empresa, 62,2% são do sexo feminino. Entre cargos de liderança, o percentual é de 42%, com remunerações definidas por posições.

“O principal critério que levamos em consideração para a promoção dos colaboradores é o comprometimento em relação às equipes e ao Zarpo. Um dos nossos valores diz que ‘é sempre sobre as pessoas’. Assim, as metas e os KPIs de produtividade são definidos pela gestão de forma humanizada, levando sempre em consideração as particularidades de cada um”, revela Gabriela Santos, coordenadora de Recursos Humanos.

equidade salarial - gabriela santos

Comprometimento é destaque na Zarpo, pontua Gabriela

Dois pesos e duas medidas

Um dos grandes vilões da disparidade é, sem dúvidas, a maternidade. Com afazeres domésticos, licenças e maior demanda por parte dos filhos, a entrega e produtividade muitas vezes é afetada. E tais cargas femininas são desconsideradas nas tomadas de decisão das lideranças para subir um profissional de cargo.

“Especialmente no caso das mulheres, as licenças-maternidade não afetam de maneira nenhuma na decisão para a promoção. O que importa é quão longe a colaboradora quer chegar dentro da organização. E, com certeza, estaremos apoiando nesta jornada”, destaca Gabriela.

Com a chegada da pandemia, home office e homeschooling, a situação se agravou ainda mais. Em um verdadeiro malabarismo, profissionais se dividem entre mãe, professora e colaboradora. “Quando as escolas fecharam, para onde foram as crianças? Muitas ficaram aos cuidados das mães, tias e avós. Em via de regra, não existe uma estrutura de paternidade que viabilize o homem a assumir essas funções”, provoca Denise. “Tudo isso compõe o trabalho doméstico invisiabilizado, desvalorizado e que reflete diretamente no paygap.

Na Wyndham Hotels & Resorts, flexibilidade é lei para dar maior autonomia aos colaboradores. Por exemplo, a rede permite o home office uma vez por mês como forma de promover maior liberdade durante o expediente, o que inclui as demandas domésticas e dos filhos.

“As pessoas são diferentes e possuem necessidades distintas. Nosso foco está nos resultados, independentemente de qual horário o funcionário trabalha. Não temos a política do controle nesse aspecto. Uma empresa que preza pela diversidade tem que respeitar que o colaborador tem família e vida pessoal. E quando o profissional está feliz, ele produz mais. Não se trata de trabalhar menos com essa liberdade, mas estar mais contente e satisfeito”, declara Maria Carolina Pinheiro, vice-presidente de Desenvolvimento da Wyndham.

A flexibilidade de horários também ganhou espaço no Zarpo. Seguindo um modelo humanizado de gestão, a plataforma adotou o trabalho híbrido para os colaboradores com a chegada da pandemia. No caso das profissionais mães, é concedido um período de quatro meses de licença-maternidade, com possibilidade de emenda de férias.

Para subir algum profissional de cargo, a Aviva promove um processo de avaliação de desempenho, avaliação do gestor e feedback. Laini explica que todos os candidatos são analisados de acordo com a cultura da empresa, prática e performance medida por objetivos.

equidade salarial - maria carolina

Análises são baseadas em competências, diz Carolina

“A avaliação é mensurada de acordo com o que foi possível ser executado em determinado período. A produtividade está ligada ao tempo em que a pessoa estava ativa na empresa e a licença-maternidade, por exemplo, não pode ser vista como improdutividade”, acrescenta Laini. “Recentemente, uma de nossas colaboradoras nos agradeceu por ser promovida a analista sênior estando gestante. É algo natural para nós, mas sabemos que muitas empresas atuam de maneiras diferentes”.

Um exemplo vivo é a própria Laini. Há 16 anos na Aviva, a gerente foi promovida em suas duas gravidezes. “Mesmo quando se trabalha em uma empresa como a Aviva, a maternidade tem seu peso. Nos cobramos pelo tempo fora e tentamos conciliar tudo, mas não existe essa demanda dos pais, sejam eles presentes ou não”, diz.

O relatório global de ESG (Environmental, social and corporate governance) 2021 da Wyndham aponta que 30% dos cargos de liderança são ocupados por mulheres, 50% para níveis intermediários e 63% em demais funções. “Temos o compromisso de fazer análises baseadas em habilidade e competências, o que reflete na equidade salarial. Acho importante que mulheres busquem empresas compatíveis com seu perfil e valores”, afirma Maria Carolina.

Não vamos esquecer que a disparidade salarial é apenas uma das muitas faces do machismo estrutural que insiste em permear a sociedade. A desigualdade entre homens e mulheres é uma base forjada na estrutura social que valoriza mais o masculino, desencadeando uma série de outros problemas.

“Questões de gênero ainda não são entendidas como benéficas para o coletivo. São conjuntos de incompatibilidades que fazem o paygap não ser um problema a ser analisado isoladamente. Ele é só mais uma desigualdade da sociedade que persiste em olhar para o masculino com superioridade”, finaliza Denise.

(*) Crédito da foto: iStock

(**) Crédito das fotos: Divulgação