A relação entre RMs (revenue managers) e gerentes gerais é um ponto crucial para alinhar a precificação estratégica com a realidade do dia a dia hoteleiro. Mas, na prática, não é exatamente assim que as coisas funcionam. Na maioria das vezes, os departamentos ainda são distantes e possuem pontos de vistas diferentes do ideal para cada empreendimento. Então, como solucionar essa questão?

Em entrevista à reportagem do Hotelier News, Henrique Campolina, especialista em topline e asset manager, diz que o gerente geral sempre foi a cabeça pensante dentro dos empreendimentos hoteleiros. Com o tempo, a função do posto cresceu. Com maior necessidade de prospecção de vendas, e-commerce, entre outros pontos, surgiu a figura dos RMs.

“Tivemos uma evolução da função do gerente e muitos não estavam preparados. Há 20 anos, havia uma atividade começando, e as pessoas que começaram a vir para a área eram oriundas de setores operacionais. Como um maestro de orquestra, o gerente rege tudo. O desgaste ou a possível situação de conflito é um pouco histórica, e acontece porque as duas áreas não cabiam ao gerente geral, porque é difícil se especializar em tantos departamentos. É preciso de suporte para que ele consiga reger o empreendimento de forma satisfatória”, explica.

Pontos de conflito

Campolina diz que os principais pontos de divergência entre RMs e gerentes vão existir quando a matemática não é aceita ou simplesmente não é feita. “Em alguns casos, ainda não há decisões tão matematicamente embasadas em relação ao que realmente acontece. Vemos poucas estatísticas ou estratégias que sejam baseadas em número. Sofremos com a falta de sistemas desenvolvidos e técnicas aplicadas no dia a dia dos hoteleiros”, pontua.

RMs - Henrique_Campolina

Campolina contextualiza relação entre RMs e gerentes

Ele destaca que a relação conflituosa acontece porque RMs e gerentes gerais normalmente tomam decisões que seguem caminhos opostos, e isso causa divergências sobre qual estratégia seguir. “O mais importante nisso é que a divergência será causada por embasamento teórico ou técnico a respeito da tomada de decisão, que pode vir pelo ponto de vista tanto do gerente, quanto do RM. Isso exige formação e nem todo mundo tem capacidade matemática para trabalhar. Não é brincar de subir preços, é tomar decisões baseadas em modelos matemáticos, em tendências de mercado e análise de concorrência”, analisa.

Outro ponto de conflito, na análise de Campolina, acontece porque além da questão técnica, faltam ferramentas aplicáveis ao desenvolvimento do negócio, resultando em estratégias pouco assertivas. “O próprio mercado não se profissionalizou a ponto de considerar o perfil dos RMs como fundamental no desenvolvimento de uma operação. Ainda existe certa precariedade e falta evolução”, complementa.

Para Gabriela Otto, presidente da HSMAI Brasil e Latam, CEO da GO Consultoria e professora da ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing), a relação entre RMs e gerentes gerais evoluiu muito nos últimos anos, mas ainda assim há pontos de discordância. Segundo a executiva, a maturidade dos RMs fez com que eles ampliassem sua visão holística do negócio, e a tecnologia deixou o “achismo de lado”, proporcionando um diálogo mais fluido.

“Mesmo com avanço imenso no respeito, autonomia e espaço que os RMs ganharam nos hotéis, negociações internas com os gerentes fazem parte da rotina. Dessa forma, os RMs possuem um foco claro na otimização de receita e maximização do lucro, enquanto os gerentes pensam de forma mais abrangente e têm prioridades adicionais como experiência do hóspede, reputação da marca e cultura organizacional”, endossa Gabriela.

No processo decisório, os RMs se baseiam em dados e análises, enquanto os gerentes consideram fatores qualitativos e estratégicos que vão além dos números. “Outros pontos em que esses profissionais podem discordar é na priorização do RM em reservas de alto valor, mesmo que impactem a experiência do hóspede. Um gerente não costuma ser tão pragmático assim e tem outras preocupações”, considera a presidente da entidade.

Complementando o raciocínio, Kethleen Glocckovsky, gerente de RM da Rede Pires de Hotéis, afirma que um gerente geral, após assumir o empreendimento, também precisa participar das decisões estratégicas, ressaltando que é muito comum encontrar profissionais muito focados na operação, esquecendo da parte estratégica e do resultado, o que acaba em uma tomada de decisão isolada por parte do RM.

“Os dois papéis são importantes para os hotéis. O gerente olha para operação, enquanto o RM tem uma visão estratégica do mercado, podendo auxiliar o gerente na entrega do melhor resultado. Um exemplo são as estratégias de overbooking aplicadas pelo RM. Muitas vezes o gerente geral pode ficar com medo ou discordar da decisão. Também temos a parte de comunicação, como a ação definida pelo RM informada ao gerente geral, que acaba não replicando para as demais equipes, gerando impacto no resultado geral”, acrescenta.

Mudança de cenário

Gabriela aponta que, para que haja uma mudança real nesse cenário, é preciso esforço de ambos, RMs e gerentes, para entender a importância da função de cada um dentro da operação hoteleira. “Comunicação transparente, alinhamento de objetivos macro, definição de responsabilidades claras e trabalho colaborativo em decisões são algumas das premissas principais para impulsionar essa convergência, que não é só o melhor caminho, mas o único”, diz.

Indo pelo mesmo caminho, Kathleen pontua que, com maior alinhamento entre os dois apartamentos, o gerente geral terá uma visão mais clara se aquela ação sugerida pelo RM realmente é algo aplicável à operação. “Muitas vezes o RM vai ter a visão da quantidade de apartamentos que o hotel possui para vender e vai calcular por quanto eles podem ser vendidos para entregar o melhor resultado. Já o gerente geral precisa saber se vendendo 100% do hotel o se seu quadro operacional e café da manhã irão suportar essa demanda”, completa.

Sobre os benefícios que os hotéis podem ganhar com essa eventual união, Campolina destaca que o principal ganho será a otimização. “Um bom RM é capaz de aumentar de cinco a 10 pontos de RevPar. Além disso, tem um lado de desenvolvimento do negócio, evolução do ativo, maior rentabilidade e estabilidade financeira. O hotel vende mais porque gera mais dinheiro. Nesse contexto, as operações ficarão mais sólidas e coerentes com as expectativas dos investidores”, conclui.

Gabriela afirma que além do aumento da rentabilidade, a assertividade na tomada de decisões e a melhoria do clima organizacional são alguns benefícios que também podem ser elencados. “A elevação do pensamento estratégico e análise de risco dos gestores dos hotéis, definitivamente, foi um legado importante durante a pandemia. Ou seja, já sabemos que é possível”, comenta.

Por fim, Kethleen reforça que o hotel que tem uma boa relação entre gerente geral e RM tende a ter resultados cada vez melhores, pois ambos tomarão decisões juntos e estarão sempre alinhados de como funciona o operacional e o estratégico. “Além disso, quando essa relação está alinhada, todas as equipes fluem muito melhor em comunicação”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Peter Kutuchian/Hotelier News

(**) Crédito da foto: Arquivo Pessoal