Na hotelaria, um dos gargalos mais persistentes é, sem dúvida, a escassez de mão de obra. Vários fatores podem ser apontados como causadores desse cenário, sendo a jornada de trabalho um dos principais. Agora, as redes hoteleiras se reinventam e reavaliam suas estratégias para reter esses profissionais.

Em conversa com a reportagem do Hotelier News, Lucila Quintino, CEO da HotelConsult, diz que, ao falar de retenção de mão de obra no Brasil e das possibilidades para reduzir o turnover, o cenário ganha certa complexidade, devido a diversos aspectos que competem aos gestores e decisores das redes hoteleiras.

Mão de obra - Lucila_Quintino

Lucila fala sobre falta de mão de obra

“O líder é a principal razão pela qual um profissional fica ou sai de um empreendimento. Ou seja, não basta apenas ter o talento para gerir pessoas. É preciso que o líder se preocupe com quem está abaixo dele, cada vez mais próximo da operação. Ele precisa gostar de pessoas e de treinar. É formação constante, estando ombro a ombro com os profissionais, resolvendo situações com calma e assertividade no momento em que elas acontecem”, explica.

“Além disso, nossa indústria não é conhecida por ter faixas salariais atrativas. Assim, pode-se pensar em outros benefícios, como revisões na escala de trabalho para propiciar maior qualidade de vida. Hoje, na hotelaria, folga vale ouro. Há algum tempo já se fala em escala 5×2. Não adianta exigirmos bom trabalho sem equilibrar toda a equação”, completa.

Além da jornada, Lucila aponta que os hotéis precisam rever as condições de trabalho de seus profissionais. “Estamos falando de reposição de uniforme, qualidade do tecido, além de equipamentos adequados, boas condições sanitárias, entre outros pontos, que são vitais para diminuir o turnover e reter mão de obra”, comenta.

Criando soluções

Em sua análise, Lucila diz que formação e treinamentos são extremamente necessários para reverter o problema de escassez de profissionais. “Não se trata apenas de contratar e colocar o profissional na operação. Capacitações e formação são o maior diferencial para garantir um bom serviço, além de ser um fator chave para reter profissionais, porque os colaboradores entendem que estão se desenvolvendo e evoluindo. E quando falamos em capacitação, também estamos falando em formação de líderes. Quando você capacita, fica menos dependente do mercado, daquela necessidade de integrar apenas profissionais com larga experiência”, conclui a executiva.

Complementando o raciocínio, Marcio Moraes, consultor de carreira da QI Profissional, enfatiza que atualmente poucas empresas investem para se manter em um patamar de atratividade para os profissionais. Segundo ele, uma imagem positiva faz com que muitos trabalhadores queiram estar naquela companhia, assim como os que já fazem parte do quadro de funcionários não desejam sair.

“Menos rotatividade, menos necessidade de busca de mão de obra no mercado. Assim, menor será o custo trabalhista, evitando os inúmeros e recorrentes processos de recrutamento e desligamento. É muito rentável investir na marca empregadora, porque quando o contratado é desligado precocemente, um novo processo se inicia, novos custos são gerados e aumenta o tempo para a equipe encontrar seu ponto de equilíbrio e produtividade”, explica.

Moraes diz que, para construir um ambiente de trabalho no qual os colaboradores queiram permanecer, é necessário que as empresas sejam transparentes sobre as possibilidades de crescimento individual. “Veja, há profissionais que somente percebem seu valor na empresa quando fazem o pedido de demissão. Muito tarde para haver reconhecimento. A companhia tem inúmeros momentos para mostrar ao colaborador que é a melhor alternativa para o seu crescimento ou até mesmo para aqueles que buscam estabilidade”, afirma.

Para ele, a retenção de mão de obra tem relação direta com a satisfação do colaborador. Por isso, é necessário valorizar o departamento de Recursos Humanos, colocando-o em uma posição estratégica, com o objetivo de desenvolver um ambiente de trabalho saudável para os funcionários.

Qual a melhor estratégia?

No bate-papo com o Hotelier News, Moraes aponta que programas de treinamento por si só não elevam a imagem dos empreendimentos. Isso acontece porque os hotéis não investem em elementos igualmente importantes, como plano de carreira, desenvolvimento individual, cesta de benefícios atraente, plano de cargos e salários, monitoramento do desempenho organizacional e, principalmente, em gestão de pessoas.

“O profissional está mais qualificado e agora, qual retorno para ele? Continuar no mesmo cargo? Manter-se tão somente empregado? Na mesma faixa salarial? Qual a compensação para esses profissionais que elevaram suas competências, normalmente com grandes esforços? Mesmo que o investimento financeiro seja totalmente da empresa, ainda assim, houve esforço dos colaboradores. E agora ele se vê de outra forma, podendo competir com outros colegas em processos de seleção para mais oportunidades”, analisa.

“Há necessidade também de compreender que nem todos têm interesse de assumir uma chefia, coordenação, gerência ou diretoria, gostam do que fazem e querem se manter dessa forma, são técnicos, especialistas. Qual o problema disso? Muitas empresas desconhecem a essência comportamental de seus colaboradores e desenvolvem programas de treinamento para todos e não para grupos específicos, respeitando a individualidade comportamental e técnica”, acrescenta.

Moraes analisa que o mapeamento de competências comportamentais é o primeiro passo para ter em mãos um mapa individualizado dos colaboradores. Com isso, será mais fácil inserir os profissionais na política da empresa. “Além dos salários, os profissionais querem saber como poderão se manter na empresa. Isso é busca pela valorização”, conclui.

Iniciativas

Recentemente, com uma estratégia de comunicação interna, a B&B Hotels Brasil conseguiu diminuir em mais de 40% os índices de turnover de funcionários. “Centralizamos a nossa comunicação interna pelo Instagram, por conta da facilidade de acesso que nossos colaboradores têm, e ainda realizamos lives educativas no perfil”, diz Flávia Lorenzetti, CEO da rede.

“Também aumentamos o vale-refeição em 70% e implementamos um plantão RH, no qual nossa coordenadoria fica disponível uma vez por semana para que os colaboradores possam tirar dúvidas. Reformamos nossas salas de descanso, criamos bibliotecas comunitárias, um clube do livro, entre outras iniciativas para elevar a qualidade de vida dos nossos funcionários”, completa.

Para ela, capacitar a mão de obra é fundamental. “Não há satisfação maior do que ver seu colaborador crescer por você. Para isso, oferecemos treinamento adequado, incentivos e plano de carreira para todos”, aponta.

Angela Landman, coordenadora de RH da Royal Palm Hotels & Resorts, diz que no período pós-pandemia, a escassez de mão de obra afetou o setor como um todo, e por isso foi necessário repensar as estratégias. “O que mais trabalhamos nos últimos anos foram as escalas, com escalas de 6×2 e 5×2. Hoje, 100% dos nossos funcionários têm um final de semana completo de folga, e isso tem ajudado muito”, afirma.

“Os colaboradores valorizam muito essa folga dupla, em todos os departamentos dos hotéis. Entender o colaborador e flexibilizar o trabalho é ótimo, porque há melhora na relação colaborador x empresa”, endossa Angela.

A executiva destacou ainda que outro ponto revisto foram os salários, que ficaram acima do estabelecido pelo sindicato. Ela diz que a ideia era trazer uma proposta diferente da remuneração base, para tornar a oferta mais atrativa. Além disso, a Royal Palm tem trabalhado com incentivos mensais, premiações, bonificações e estímulo à cultura da excelência, estreitando a relação entre os funcionários e a empresa.

“Estamos vendo, no setor como um todo, uma saída da caixa para reter esses talentos, com treinamentos, capacitações, oferecendo a esses profissionais as ferramentas e recursos necessários para se desenvolverem e realizar um trabalho de excelência. Não há melhoria de cenário se não olharmos essa questão de uma forma abrangente”, salienta Angela.

“Compreender principalmente que os colaboradores representam mais do que uma simples mão de obra, são indivíduos capazes de elevar a qualidade da empresa, colocando-a num patamar de excelência. Vamos refletir, com esse poder não há como negar, eles necessitam de investimentos e não tratados como custos”, finaliza Moraes.

(*) Crédito da capa: Unsplash 

(**) Crédito da foto: Bruno Churuska/Hotelier News