PEC das Praias divide opiniões e expõe gargalos no turismo
8 de julho de 2024Dividindo opiniões, a PEC das Praias está atualmente em discussão no Senado brasileiro, levantando questões sobre o futuro das áreas litorâneas do país. O projeto visa permitir a venda de terrenos de marinha já ocupados, uma medida que, segundo seus defensores, poderia impulsionar investimentos no setor turístico e gerar receitas significativas para o governo. No entanto, críticos argumentam que a privatização restringe o acesso público às praias e ameaçar comunidades tradicionais que dependem desses espaços para subsistência e identidade cultural.
Jeanine Pires, ex-diretora da CVC Corp e criadora do podcast Hub Turismo e Carreira, destaca os potenciais benefícios econômicos da PEC das Praias: “Os aspectos positivos incluem a segurança jurídica para investimentos e a estabilidade que isso proporciona às empresas interessadas. No entanto, minhas principais preocupações estão relacionadas à falta de planos diretores e de manejo ambiental nas áreas costeiras”.
A executiva ressalta que privatizar terrenos de marinha pode atrair investimentos significativos para o desenvolvimento de infraestrutura turística, o que é positivo para a economia local. Ainda assim, ela aponta que a gestão de acesso e a preservação cultural das comunidades caiçaras e tradicionais devem ser prioridades na legislação. “A privatização pode representar uma ameaça significativa para comunidades tradicionais e quilombolas que dependem dessas áreas para sua subsistência e identidade cultural. A especulação imobiliária tende a deslocar essas comunidades, exacerbando suas vulnerabilidades socioeconômicas”.
Por isso, Jeanine defende que a legislação deve incluir salvaguardas robustas para proteger as comunidades tradicionais e quilombolas que dependem dessas áreas para subsistência.
O contraponto do turismo sustentável
Por outro lado, Mariana Aldrigui, professora da USP (Universidade de São Paulo) e especialista em turismo sustentável, ressalta que a PEC das Praias pode superestimar o valor das áreas privatizadas, potencialmente desencorajando investimentos em projetos turísticos sustentáveis em várias regiões litorâneas do país. “O ponto é como essa comercialização afetará os preços dos terrenos, dos impostos e o quanto, mais uma vez, os ocupantes tradicionais serão convidados a se retirar. Nossas praias e os espaços beira-rios são fundamentais como áreas de lazer e fruição do tempo livre para todas as classes sociais. Há muitos espaços e oportunidades para estímulo ao turismo, e não me parece que esse seja o caminho ideal a ser seguido”.
“O desenvolvimento turístico é uma etapa dos projetos maiores de desenvolvimento urbano e de integração de desenvolvimento econômico. Pensar exclusivamente em desenvolvimento turístico é antigo e insustentável. As boas práticas já se acumulam em todo o mundo – projetos integrados ao ambiente, inclusivos, não massificados, e que permitam uma distribuição de público ao longo do tempo”, afirma Mariana.
A professora também critica a falta de inclusão do setor de turismo nas discussões sobre a PEC, sugerindo que especialistas e stakeholders deveriam ser consultados para garantir uma abordagem mais equilibrada e sustentável. “O ponto é, mais uma vez, o nível de conhecimento dos parlamentares e a qualidade do advocacy que é feito pelo turismo, sempre mais voltado aos problemas imediatos e sem apresentação de um projeto nacional de longo prazo”.
“Não temos representantes eleitos pelo setor, a cada mandato os legisladores são menos competentes (de alguns duvidamos até das capacidade de leitura e compreensão de texto), e com pouca disposição de debater assuntos que envolvam justiça social, enfrentamento da crise climática e desenvolvimento sustentável. Nós precisamos nos articular para pautar mais a discussão, para não dependermos das brigas dos grandes influenciadores para darem luz aos problemas que nos afetarão. O Congresso sempre será pautado pelos interesses empresarias, não devemos ser ingênuos, mas é prudente aprendermos a ocupar espaços de discussão e ampliarmos nossas proposições”, salienta Mariana.
Diante das divergências, as especialistas concordam sobre a necessidade de um diálogo ampliado e inclusivo entre governo, setor privado, comunidades locais e sociedade civil. Ambas enfatizam que políticas devem ser desenvolvidas não apenas para fomentar o crescimento econômico imediato, mas também para promover práticas sustentáveis que garantam a proteção dos recursos naturais e culturais das regiões costeiras do Brasil.
(*) Crédito da foto: Divulgação/SINHORES