Com a volta dos eventos no pós-pandemia, muitos hotéis estão apostando em espaços mistos, adotando estratégias para atrair tanto o lazer, quanto o corporativo, visando garantir bons resultados ao longo de todo o ano. E isso gera um questionamento importante: qual o cenário para o futuro? Os dias dos empreendimentos de perfil único estão contados?

A reportagem do Hotelier News conversou com alguns nomes do setor para entender melhor esse panorama. Ricardo Nielsen, diretor Comercial da Slaviero Hotéis, pontua que a pandemia acendeu um grande alerta para o setor hoteleiro neste sentido. “Isso foi um grande divisor de águas, porque o setor sempre teve a segmentação muito bem definida, com empreendimentos especializados ou em lazer ou no corporativo. Hoje, já não está mais tão clara”, explica.

“Existem demandas que podem ser aproveitadas em momentos específicos. Mas se não há o conhecimento de como fazer isso corretamente, os hotéis não conseguirão atender nem um nem outro segmento. Na Slaviero, a primeira movimentação que enxergamos foi de que existe essa possibilidade de atender bem às demandas dos dois públicos, e isso gerou receitas incrementais”, complementa.

O executivo destaca que cada hotel tem seu core business, mas quando se consegue trabalhar, de uma forma estruturada, a mudança de estratégia para uma abordagem mais mista acontece naturalmente. Nielsen afirma, inclusive, que a comunicação precisa funcionar de maneira ainda mais efetiva quando os hotéis escolhem trabalhar com os dois perfis de público.

“É preciso ter um branding diferente, e na Slaviero isso vem acontecendo. Temos trabalhado diversas frentes neste sentido e o melhor é que, quando há o entendimento dessas possibilidades, conseguimos prever o que vai acontecer em cada abertura que realizamos”, comenta.

Aproveitando as oportunidades

Para Nielsen, é importante que os hotéis aprendam a “surfar a onda” dos dois segmentos. “Em termos de rede, tivemos que ir atrás, aprender as particularidades do lazer e do corporativo, entender como potencializar as reservas com as OTAs, nosso site e motor de reservas. Além disso, nossas bandeiras têm liberdade para trabalhar um branding diferente, adaptado a cada mercado”, ressalta.

Segundo ele, a rede também tem trabalhado com dados por meio de departamentos estruturados para entender as necessidades do cliente, e de um CRM para ajudar na segmentação do público. “Para mim, os hotéis mistos são uma tendência que veio para ficar. Era difícil, durante a pandemia, entender se isso ia permanecer, mas presenciamos essa retomada e os números mostram avanços consideráveis. As empresas continuam fazendo eventos, o lazer regional continua forte, e temos investido muito nisso”, conclui.

Complementando o raciocínio do colega, Henrique Vendramin, gerente geral do Brut by Slaviero Hotéis, afirma que, depois da pandemia, muito por conta do novo centro de eventos de Balneário Camboriú (SC), onde o hotel está localizado, o empreendimento ganhou fôlego no corporativo. “Tínhamos uma baixa temporada com baixa performance, bem diferente do que temos hoje. Além desses eventos, que ficaram mais fortes, continuamos com o lazer em alta, devido ao público local e de cidades vizinhas também”, analisa.

Para o gestor, isso foi importante para a unidade e para a rede como um todo. Ele afirma que o espaço de eventos do hotel acomoda até 100 pessoas, o que facilitou na captação de convenções, reuniões, congressos, entre outros. A Slaviero se antecipou à tendência dos hotéis mistos e ampliou toda a área de lazer do empreendimento, com lounge, piscina e espaços de socialização para os hóspedes.

“É um hotel que foi feito para o corporativo, mas atualmente estamos trabalhando com uma abordagem mais ampla, oferecendo experiências para os dois públicos, e isso tem sido muito positivo para nós”, diz Vendramin.

Mudanças de comportamento

Mark Campbell, diretor de Produtos e Serviços Técnicos da Atlantica Hospitality International, também conversou com o Hotelier News sobre o assunto. O executivo diz que, após a pandemia, a empresa percebeu que o hóspede nacional aprendeu a gostar de viajar internamente. Desde então, o turismo de lazer vem se desenvolvendo muito rapidamente.

“Em 2023, observamos que as viagens corporativas tiveram muita força na retomada, contudo o período de hospedagem que era mais curto agora é planejado e mais longo. Ou seja, as pessoas viajam a trabalho e permanecem mais tempo nos lugares a lazer. Hoje, é possível constatar que o bleisure, conceito que une atividades de trabalho e lazer numa mesma viagem e que é uma tendência mundial, também caiu na preferência do viajante brasileiro”, pontua.

Hotéis mistos - Mark_Campbell

Campbell elenca fatores que elevaram tendência

“A Atlantica é uma administradora de hospitalidade com portfólio de mais de 190 hotéis em diferentes áreas de atuação, com produtos corporativos, de lazer, residenciais com serviços e multipropriedades. Temos muitos produtos com características de turismo para negócios, onde a oferta de lazer também está inclusa. Seja na estrutura do hotel, nas atividades e nos destinos”, completa.

Campbell acrescenta que a companhia observou que os nômades digitais têm demandado hotéis por mais tempo, além de consumirem mais dos serviços oferecidos pelos empreendimentos. Para eles, ressalta o executivo, as áreas de trabalho precisam atender bem suas necessidades, tanto nos quartos, quanto nas áreas comuns.

“Assim, a adaptação da maioria dos hotéis para atenderem bem aos dois perfis se tornou cada vez mais necessária. Sempre que possível, ter quartos com design flexível, áreas de trabalho bem estruturadas, com tomadas e conectividade, por vezes até com mais armários. E nas áreas comuns, lobbies mais flexíveis, com áreas de coworking e boa conectividade serão cada vez mais demandados”, comenta.

Por fim, o executivo diz que a experiência da Atlantica aponta que o consumidor não está necessariamente escolhendo entre bleisure ou lazer, mas sim se organizando para usufruir de ambos. “O fato é que a demanda para os três perfis de hóspede – corporativo, lazer e bleisure – continua e continuará em ascensão”, endossa.

Estratégias

Fernanda Hussne, head de Vendas e Eventos do Hotel Unique, destaca que o empreendimento tem desenvolvido diversas estratégias com o intuito de capturar demanda dos dois públicos. “Focamos cada vez mais em divulgar o hotel como um espaço múltiplo e repleto de possibilidades. Por exemplo, poucos sabem que temos um toboágua em nossa piscina interna e que é possível ouvir o som ambiente embaixo d’água, que a nossa icônica piscina vermelha do Skye é exclusiva para hóspedes, ou que dispomos de uma academia suspensa, sala de spa, e diversos outros atrativos de lazer”, conta.

Segundo ela, o hotel vem trabalhando no sentido de ser cada vez mais multifacetado, visando oferecer a melhor experiência possível aos clientes. “Trabalhamos o corporativo, lazer, grupos, eventos, com o objetivo de ter um mix de negócios consistente. Entendemos que um puxa o outro. Um cliente individual tem ou trabalha em uma empresa, mas também tem família e amigos, e isso é um grande leque de possibilidades para nós”, analisa.

A executiva também acredita que os hotéis mistos são uma tendência que está se enraizando cada vez mais no mercado, principalmente falando do destino São Paulo. “É importante que a propriedade esteja preparada para receber clientes de ambos os segmentos, mas cabe lembrar que isso não é para todos os produtos. Afinal, dificilmente destinos que são absolutamente focados em lazer vão ter a clientela do corporativo”, reforça.

“Hoje, a cidade dispõe de diversos produtos que oferecem com primor uma experiência combinada para atrair ambos os perfis de consumo. Por outro lado, o grande desafio, no Unique, é realizar um trabalho diário para mostrar ao cliente que temos ambas as opções e que somos um destino de lazer mesmo estando em São Paulo”, explica.

Fernanda diz que, em sua visão, os hotéis somente de lazer ou somente corporativos não irão acabar, porque há produtos que foram concebidos dessa forma e que ainda atingem resultados positivos. “Muitos foram pensados para ser apenas corporativo e não oferecem nada de lazer e tudo bem. Assim como o oposto também é verdade. Um destino Maldivas pensado para casal não vai ser um destino de uma convenção de vendas”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Pixabay

(**) Crédito da foto: Divulgação/Atlantica Hospitality International