Após entender melhor sobre a transformação digital em si e em que pé está a maturidade digital do hotel, outro aspecto importante deve ser abordado. A entrada de processos que, como o nome já diz, mudam formas de atuar por meio da digitalização, precisam de alinhamento e coletividade com o principal combustível das companhias: a força de trabalho. É fato que sem uma boa comunicação das atualizações com as pessoas que giram as empresas, principalmente na hospitalidade, a evolução não chega facilmente.

O caminho, claro, também não é tão simples assim. Ao lidar com pessoas, principalmente que estão na força de trabalho, deve-se levar em consideração fatores pessoais e o interesse da equipe em se adaptar. A transformação digital precisa da troca e confidencialidade do duo companhia-funcionário. Ao supor que um se sobrepõe ao outro, a implementação de qualquer mudança será dificultada ao máximo. Se um não quer, dois não formam uma transformação digital, basicamente.

É o que explicou Trícia Neves, sócia fundadora da Mapie, em entrevista à reportagem do Hotelier News. Ao dizer que é preciso separar transformação digital e inovação, ela cita que a primeira precisa ser encarada de forma mais ampla e como parceira no aumento do tempo das relações.

“O ponto é que não é uma planilha escrita no papel que passa a ser feita no Excel. É preciso transformar o modelo mental das pessoas, que começa na mudança de mindset das lideranças”, afirma. Em suma, a executiva explica que o entendimento das equipes sobre a aplicação deste modelo deve partir de cima para baixo — hierarquicamente — em qualquer empresa. É dessa maneira que a mensagem é “mastigada” e, por consequência, melhor digerida nas ramificações da pirâmide trabalhista.

Força de trabalho

“Lideranças devem iluminar o trajeto”, diz Trícia

A transformação digital na força de trabalho, portanto, representa a mudança do negócio como conhecíamos há um ano. Apesar de ser algo diário, não se mudam operações e conceitos da noite para o dia. A hotelaria é um caso concreto disso, tendo em vista o tradicionalismo envolvido no cotidiano. É com isso em mente que empresários do segmento podem começar pelo pensamento de software.

“Pensar como software significa entender que o relacionamento por plataformas tecnológicas ajuda nos vínculos estabelecidos anteriormente. É uma maneira de estar até mais presente, por exemplo, na vida do hóspede e do investidor, que está cada vez mais corrida e valiosa no que diz respeito ao tempo. Como acompanhar isso, então? A transformação digital, quando atrelada à força de trabalho, está aqui para nos auxiliar com isso”, complementa Trícia.

Processos

A aplicação disso, a executiva afirma novamente, está diretamente relacionada à absorção dos conteúdos pelos gestores. São os líderes que, mesmo em hierarquias mais horizontais, passarão e instigarão mudanças culturais por meio das equipes. É a força de trabalho ajudando ela mesma a atualizar-se.

Ao mesmo tempo, Trícia afirma que isso deve ocorrer com alavancas que mudem comportamentos. “Não se prender às estruturas antigas é o básico. E se existisse um hotel sem check-in e check-out? São hipóteses que partem de um outro lugar: o intuito de fazer hotelaria, neste caso, de forma diferente”, pontua.

É um caminho de tentativa e erro constantemente. Não existe hotel que nasça ou aplique processos “estranhos” ao dia-a-dia tradicional e, de primeira, acerte. “A experimentação precisa ser incentivada e, excepcionalmente em períodos de crise como este que o segmento vive, pensar em inovação e transformações pode ajudar. A hotelaria tem possibilidade total de se beneficiar disso”, conclui a especialista.

Aspectos da força de trabalho

Para contribuir com a questão dos processos na prática, a reportagem também entrevistou Marcos Barretto, professor da Fundação Vanzolini e especialista em Automação e Engenharia de Software. Particularmente para a hotelaria, ele exemplifica com as pousadas que passam a utilizar as vendas online em meio à pandemia. É uma forma de inserção na esfera da transformação digital.

“Não é só isso, mas a utilização de aplicativos para serviço de quarto e reservas é uma manifestação da disrupção na hotelaria. Além disso, a camada digital também envolve processos de segurança dos empreendimentos e a ideia de check-in e check-out totalmente acelerado — pela tecnologia. A expressão ‘transformação digital’, no final, significa isso: o uso de ferramentas tecnológicas em todas as situações”, diz.

Apesar disso, ele reforça em seguida que essas aplicações sempre possuem alguém por trás. Ou seja, o uso e processamento deste modelo na hotelaria, especificamente, cria demandas inéditas. “A tecnologia sempre está junta com falhas e erros. Ter alguém que corrija isso e reverta para uma boa solução passa pela força de trabalho. A criação de demandas novas também é uma realidade que reforça o treinamento das equipes”, complementa Barretto.

No que toca a pandemia, apesar de ter acelerado uma série de inovações e, como outras crises, estimular o pioneirismo, o especialista acredita que a transformação digital data de antes. “A Covid-19 ajudou nisso, mas o século 21 em si já representa essa nova era. Algumas companhias só foram mais lentas”, finaliza

O que faz a Marriott International?

Força de trabalho

Karine: funcionários precisam ser instigados

A força de trabalho que se move também precisa, além dos líderes em alinhamento com a transformação digital, uma marca que chancele o “período de testes”. A Marriott International, com presença mundial no setor hoteleiro, é uma das companhias que utiliza a tecnologia, principalmente, para impulsionar o atendimento personalizado. É a ligação entre rapidez e eficácia com o calor humano.

“A questões tecnológicas são trabalhadas por anos há, no mínimo, cinco anos. Apesar da pandemia ter, sim, acelerado alguns pontos, o nosso objetivo sempre foi aplicar ferramentas que facilitassem a vida dos hóspedes e encurtassem caminhos. A diferença de uns anos para cá está na abordagem com os colaboradores, treinando-os cada vez mais para entregar tecnologia com qualidade e humanidade”, explica Karine Cassini, diretor de RH (Recursos Humanos) da gigante norte-americana para o Brasil.

A executiva aceitou falar com a reportagem do Hotelier News para apresentar um pouco do que é feito referente à transformação digital na rede hoteleira. Além de exemplos práticos e básicos, como check-in virtual e utilização do celular como chave do quarto, ela “repete” o que Marcos Barretto disse anteriormente: não existe tecnologia sem uma pessoa por trás. Nesta filosofia, a valorização da força de trabalho nos processos de atualização e mudança é grande na Marriott.

“É uma junção entre querer se fortalecer no mercado cada vez mais e querer o crescimento cultural dos profissionais que atuam conosco. Isso acontece com muita atenção às novidades e treinamento/conteúdo constante. É o percurso que trilhamos”, explica Karine.

A valorização da força de trabalho ressaltada pela executiva inclui o foco em treinamento. Mesmo não sendo imprescindível, ela afirma que não consegue dissociar o investimento financeiro desta etapa. “Quando falamos de transformação digital, implementar plataformas nova para os colaboradores é totalmente preciso. Isso, por sua vez, exige que a hotelaria desembolse certos valores, além de dedicar tempo. Ambos são ativos que se complementam e, juntos, ajudam na criação de profissionais com o perfil inovador”, acrescenta.

Dentre os cursos e módulos oferecidos pela Marriott no que é apelidado de “Universidade Marriott, Karine cita conteúdos diversos. A lista vai desde serviços e técnicas até escrita, comportamental e, mais alinhado com a reportagem, a digital learning zone (ou zona de aprendizado digital, em tradução livre). Existem cursos livres e obrigatórios, visando também estimular que o colaborador busque aprender mais.

“É preciso também compreender que existem perfis de profissionais em todas empresas. No nosso caso, a tendência é que a exploração das plataformas de aprendizado seja mais utilizada por quem já tem interesse na pauta digital e suas transformações — maioria por aqui. É uma maneira mais horizontal de passar conhecimento e que valoriza inovação e curiosidade”, salienta.

Mentoria

Força de trabalho e o papel na transformação digital

Marriott oferece plataforma de treinamento digital aos colaboradores

Nada disso, como já avisado por Trícia Neves, é possível sem algum líder ou gestor observando quem quer aprender. A valorização do erro na transformação digital é uma consequência, mas ter algum mentor para ajudar equipes e funcionários individualmente é importante até mesmo para confiança do colaborador. Isso, em conjunto à tolerância e paciência com falhas, é poderoso para aplicar este modelo.

“Tendo em vista os problemas que tivemos com a pandemia, o acompanhamento é essencial no processo. A entrega virtual não é a mesma que presencialmente, então a questão da mentoria tornou-se ainda mais latente. Por isso, pensar em entregar o conteúdo por meio de experiência nos ajudou a superar o obstáculo da distância. Isso nos ajuda, estimula os diversos mercados hoteleiros e estabelece um padrão diferente tanto para colaboradores, quanto aos hóspedes. Pensar em transformação digital em conjunto com a força de trabalho engrandece o caminho e o fim”, encerra Karine.

(*) Crédito da capa: Unsplash

(**) Crédito da foto: Divulgação/Mapie

(***) Crédito da foto: Divulgação/Marriott International

(****) Crédito da foto: Divulgação/Marriott International