“O bom desempenho do setor na retomada pós-pandêmica não exclui todo o prejuízo acumulado em quase dois anos de isolamento social”, disse Doreni Caramori Jr., presidente da Abrape (Associação Brasileira de Promotores de Eventos), em coletiva de imprensa realizada hoje (29). No encontro, um grupo de 10 associações ligadas ao setor turístico apresentou resultados de uma pesquisa que contradiz o número divulgado pelo governo sobre o impacto que o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) teve em 2023. A coletiva é mais um de uma série de esforços para garantir a continuidade do programa

O Ministério da Fazenda aponta que, ao longo de 2023, o impacto da iniciativa nos cofres públicos foi de R$ 17 bilhões, mais que o dobro projetado pelo levantamento da Tendência Consultoria. “Com o Perse, as empresas foram incentivadas a adquirir crédito, ou seja, estão endividadas. Agora, com contas altas a pagar e sem a desoneração de tributos federais, como as companhias do setor vão recuperar o prejuízo que a pandemia trouxe?”, questionou.

De acordo com o profissional, as dívidas do setor com a União já chegam a R$ 21 bilhões. “E, com o final do programa, algumas questões são urgentes. Com a perda do benefício, os empreendimentos vão passar por um ciclo de desinvestimento. Empresas podem fechar e empregos podem deixar de existir”, complementou.

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Questões práticas foram levantadas pelos porta-vozes, como a falta de auxílio, em geral, para o setor turístico e de lazer. “Os parques, por exemplo, há anos mantêm o benefício de meia-entrada para estudantes e outras categorias da população, e não há retorno em benefícios fiscais”, exemplificou Caramori.

“No período mais grave da pandemia, 70% dos hotéis tiveram ocupação irrisória. O prejuízo de dois anos não é recuperado em dois anos, leva mais tempo”, apontou Orlando Souza, presidente executivo do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil).

Thiago Xavier, economista na Tendências Consultoria, enfatizou ainda o aspecto equitativo dos empregos gerados pelo setor. “O segmento turístico não simplesmente gera empregos. Muitas vezes, essas vagas são geradas em regiões com baixa empregabilidade e altos índices de pobreza. Os perfis dos profissionais são mais diversos do que a média nacional, então, não é só que empregos podem deixar de existir, é que oportunidades em regiões vulneráveis podem ser perdidas”.

Falta transparência por parte da Fazenda

“Não conhecemos os cálculos e a metodologia do governo. É preciso que o governo libere o acesso de quais categorias fizeram mau uso, uma vez que o setor como um todo tem se preocupado com o bom uso dos recursos oferecidos pelo programa”, destacou Caramori. “Essas supostas irregularidades podem, inclusive, ser o reflexo de um resultado positivo do programa. Será que não estamos tratando como uso indevido uma série de empresas informais que passaram a se formalizar pelo Perse?”, continuou. 

E não é só na falta de transparência que residem as críticas do setor às entidades governamentais. Quando questionado acerca de outros segmentos que se beneficiavam, inicialmente, do programa, Caramori deixou clara a falta de diálogo. “O setor não foi ouvido pelo governo na elaboração da lista de segmentos que seriam abraçados pelo Perse”.

“Foram calculadas a renúncia com o programa em diferentes metodologias e, em todos os casos, o custo do programa na atual versão não ultrapassa os R$ 6,5 bilhões, muito distante do custo oficialmente divulgado pelo Poder Executivo”, analisou Alessandra Ribeiro, sócia-diretora da Tendências Consultoria.

E, além da falta de transparência, a medida parece andar na contramão da própria lei. “Segundo o CTN (Código Tributário Nacional), só é permitida a revogação de uma isenção fiscal como o Perse quando esta tiver um prazo indeterminado”, informa a FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo), em comunicado enviado à imprensa. “A regra foi criada justamente pela expectativa de direito dos beneficiados dentro de um período estipulado. O próprio Supremo Tribunal Federal (STF) tem um entendimento consolidado quanto a isso: quando há isenção fiscal por prazo estabelecido, a desobrigação gera direito adquirido ao contribuinte beneficiado”, apontou.

“A MP, assim, não apenas viola o que está definido no CTN como também vai contra o que o STF tem usado como base para as próprias decisões. Sem contar que, no ano passado, o Congresso alterou algumas linhas do programa, mas manteve o prazo de vigor (até 2027)”, finalizou a entidade.

(*) Crédito da imagem: Freepik