Na hotelaria, costuma-se falar muito de processos e de como eles influenciam positiva ou negativamente a experiência do hóspede. Mas, cabe falar de um ponto pouco comentado: os erros na operação. Inevitavelmente, eles estarão presentes no dia a dia dos hotéis, e a partir disso vale questionar se as equipes estão realmente preparadas para lidar com esse tipo de situação sem comprometer a estada do cliente.

Para entender este cenário, o Hotelier News conversou com alguns especialistas do setor que forneceram insights e análises interessantes sobre o tema. Felipe Castro, diretor de Operações do Grupo Tauá de Hotéis, pontua que é muito importante que os hotéis estejam sempre atentos aos feedbacks dos clientes, pois é a partir deles que se tem conhecimento sobre o que precisa de fato ser melhorado.

“Sempre buscamos os 100%, mas sabemos que serviço envolve uma gama de interações que podem gerar erros ou algumas decepções. O importante é estar atento, escutar e agir rapidamente, demonstrando real e total interesse na escuta e na ação para reversão do problema. Outro ponto que acredito ser primordial é a comunicação destes problemas com as áreas envolvidas, porque dessa forma todos fazem parte do processo e têm a oportunidade de melhorar rapidamente”, diz.

O executivo analisou, ainda, que o melhor indicador para avaliar se os hotéis realmente entregam o que é oferecido é o valor percebido. “Vai muito além do NPS e do GRI, pois diz se o cliente viu valor naquilo que pagou, vivenciou e experimentou. No luxo, a régua é muito mais alta e o erro muito menos aceito, pois entende-se que aquele produto, serviço ou atendimento tem que entregar acima das expectativas”, complementa.

Entendendo a questão

Daniel Guijarro, consultor hoteleiro, ressalta que é importante ter em mente que a atividade hoteleira está exposta a eventuais erros de forma exponencialmente maior do que em outros segmentos. “Isso ocorre porque o cliente se hospeda por um período mínimo de uma diária, ou de muitas. E isso por si só já deve ser motivo de cuidados para evitar que as falhas aconteçam. Focar nos pontos positivos é mais fácil do que na correção, ou em evitar que pontos negativos ocorram”, endossa.

“Se alguém compra um produto em uma loja, física ou virtual, essa pessoa recebe o produto especificado e ponto final. Na hotelaria, os consumidores compram um produto que envolve avaliações constantes de vários serviços dentro de uma mesma diária, como limpeza, ambiente agradável, segurança, cordialidade da equipe, alimentação, entre outros pontos. Portanto, é fundamental estar atento para minimizar a incidência das falhas e problemas”, acrescenta Guijarro.

Complementando o raciocínio, Gabriele Espíndola, hotel manager do Grand Hyatt São Paulo, avalia que os problemas são inerentes a todos os planejamentos feitos nos hotéis e ressalta a importância de um processo bem estruturado. “Muitas vezes, o cliente quer uma resposta rápida e a pior coisa é o funcionário pedir para esperar. Isso quebra a experiência e a ação do hotel precisa ser rápida”, diz.

Corrigindo os erros

Alfredo Stefani, gerente geral do B Hotel, salienta que o grande segredo para resolver erros na operação hoteleira é a comunicação interdepartamental. Segundo ele, essa estratégia tem grande peso no dia a dia de trabalho. “Sempre que os problemas acontecem, fazemos mini comitês de crise para resolver de forma rápida e eficaz”, afirma.

Por isso, diz o Stefani, é importante que os hotéis estejam atentos aos comentários dos hóspedes, por qual meio chegam, o índice de satisfação de cada cliente, além de outros fatores decisivos nessa questão. “Quando o erro acontece, costumamos oferecer algum benefício para nos redimir, pedimos uma nova oportunidade para mostrar que a experiência negativa não é a última impressão que o cliente vai levar de nós”, comenta.

Para ele, é importante sempre se colocar no lugar do cliente, entendendo suas demandas e necessidades. “Isso é fundamental, mesmo quando o cliente não tem razão”, reforça. Mantendo o mesmo raciocínio de Stefani, Castro diz que a palavra mágica é comunicação, além de um acompanhamento detalhado da demanda do hóspede.

“No Grupo Tauá, mensuramos todas as observações diariamente, sejam positivas ou negativas, e alimentamos uma ferramenta para que todas as áreas saibam como está a percepção do cliente com o hotel. Uma coisa é certa: não existe treinamento milagroso. Eles precisam ser constantes, para termos equipes capacitadas para que a comunicação seja rápida e efetiva”, explica.

Erros - Gabriele_Espíndola

“Autonomia é crucial”, diz Gabriele

Gabriele, por sua vez, afirma que é fundamental que toda a equipe tenha autonomia para receber a queixa e poder agir, garantindo mais agilidade na correção dos erros. “Para eles agirem, precisam ter entendimento do foco total do cliente. Para nós, a satisfação é extremamente importante, e por isso trabalhamos diariamente com a equipe, usando situações do dia a dia, analisando como lidar, o que poderia ser feito, quem fez o follow up, quem falou com o cliente e todas as outras etapas que envolvem essa resolução de falhas”, aponta.

Fechando a análise, Guijarro diz que a chave de tudo é uma gestão eficiente de pessoas, desde o momento da contratação, passando por treinamento até a formação do colaborador para que ele esteja apto a exercer a função para a qual foi contratado. “Imersão em relação à cultura da empresa, plano de carreira, bom ambiente de trabalho e remuneração adequada ainda são fundamentais no processo. Assim, uma sugestão interessante é convidar o colaborador a participar de uma experiência de hospedagem na unidade, usufruindo dos serviços, para analisar oportunidades de melhoria”, conclui.

Desafios à frente

Questionados pelo Hotelier News se a escassez de mão de obra e a consequente rotatividade de pessoal seriam um desafio na tarefa de garantir a excelência dos serviços, a resposta foi unânime entre todos os entrevistados: sim. Mas, neste cenário, Castro pontua que o problema não deve ser utilizado como uma “muleta”.

“Sabemos da complexidade dessa questão. Um negócio com rotatividade não consegue manter equipes engajadas, preparadas e treinadas para entregar um serviço ou atendimento de qualidade. O grande desafio é reduzir esse turnover nas áreas de maior fluxo de entradas e saídas, como A&B, governança e limpeza, e buscar meios de retenção. Um plano de carreira bem definido, benefícios diferenciados e escalas de folga que tragam equilíbrio entre a vida pessoal e profissional são bons diferenciais neste sentido”, avalia.

Já Gabriele afirma que, graças às iniciativas desenvolvidas no Grand Hyatt São Paulo, o turnover do empreendimento segue baixo. “Por outro lado, precisamos ter ciência de que a hotelaria está passando por transformações. No pós-pandemia, muita gente largou o setor e optou por trabalhar em outras áreas. Assim, temos atuado no sentido de criar boas condições de trabalho para ter boa retenção de profissionais, e hoje temos mais ou menos 400 colaboradores fixos”, ressalta.

Seguindo a mesma linha de pensamento, Stefani diz que a escassez de mão de obra torna tudo mais difícil e, por isso, os processos seletivos dos hotéis precisam ser cada vez mais assertivos. “Temos, inclusive, preferido pessoas que nunca trabalharam em hotel, para que as capacitemos aqui. Mas obviamente elas têm que ter aquela fagulha da hospitalidade dentro de si. Da nossa parte, tentamos melhorar as condições com folgas duplas, banco de horas reduzido, entre outros benefícios”, conclui.

Guijarro, por fim, diz que durante a pandemia, muitas demissões aconteceram na hotelaria, forçando os profissionais a migrarem para outras áreas, mais atrativas e com melhores condições de trabalho. “O desafio, portanto, é formar uma nova mão de obra, mas principalmente tornar o trabalho na hotelaria mais atrativo, o que evitaria a grande rotatividade verificada atualmente”.

(*) Crédito da capa: Freepik

(**) Crédito da foto: Arquivo Pessoal