A queda histórica no PIB (Produto Interno Bruto) era esperada e, agora, os analistas econômicos debatem como será 2021, uma vez que a segunda onda veio forte no país. Certamente, haverá impactos na hotelaria, que na verdade já sente e vê uma queda na demanda por quartos em função disso. Diante disso, 2021 já está perdido? Ou será apenas o primeiro semestre? Tudo depende da vacinação em massa? Quais indicadores econômicos a indústria de hospitalidade precisa ficar mais atenta?

Convidamos Pedro Cypriano, managing partner da HotelInvest e um analista de mão cheia do setor hoteleiro, para responder a essas perguntas. Antes da análise de Cypriano, contudo, vamos aos dados e a algumas impressões de outros especialistas. Primeiro, uma informação relevante: o Brasil já conseguiu recuperar boa parte (89,1%) da perda do PIB em relação segundo trimestre (pico da crise atual), aponta estudo divulgado pelo Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas).

Apesar disso, diante do aumento de casos e mortes provocados pelo Covid-19, a tendência é que a recuperação do PIB observada no último semestre de 2020 não deve acelerar nos próximos trimestres. “Esse cenário provoca uma desaceleração, seja por um problema da demanda, das pessoas ficarem com medo de sair, consumir, seja por um problema de oferta, de os governos estarem adotando algumas medidas para restringir a circulação”, afirmou Aloisio Campelo Jr, superintendente de Estatísticas Públicas do Ibre/FGV, em entrevista ao G1.

Além da segunda onda, outro fator que ajuda nessa desaceleração da economia é o possível fim do auxílio emergencial. No ano passado, por exemplo, o programa despejou R$ 300 bilhões na atividade econômica do país, beneficiando 68 milhões de famílias. Levantamento da consultoria Tendências mostra que a massa de renda no Brasil cresceu 4,6% frente a 2019, para R$ 4,331 trilhões. Sem o benefício, aposta a consultoria, o mais provável era uma queda de 1,2% no indicador. Lembrando que, mesmo sendo difícil saber onde o consumidor utilizou esses recursos, não é possível imaginar que uma fatia desse bolo tenha parado na indústria de viagens.

Ano perdido?

Na avaliação de outros economistas, a economia brasileira pode terminar 2021 praticamente no mesmo patamar do final de 2020. Para economistas do Ibre/FGV, por exemplo, o recrudescimento da pandemia, o atraso na vacinação e a instabilidade nas condições políticas e fiscais podem comprometer seriamente o resultado do ano. Em contato com a Folha de São Paulo, o instituto calculou que um crescimento de 3,6% em 2021 já seria obtido se o PIB ficasse estagnado por todos os quatro trimestres. No entanto, a alta estimada de 3,2% no segundo semestre do ano pela instituição teria uma expansão insuficiente para compensar a queda provável do primeiro.

Para a Folha de São Paulo, Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro do Ibre, disse que 2021 será um ano de crescimento do PIB, mas de piora em outros indicadores importantes, como emprego e renda. Para ela, mesmo que sejam retomados programas de transferência de renda, como o Auxílio Emergencial, os valores não seriam suficientes para impedir uma contração recorde na renda, estimada em 6%. Atenção hotelaria, isso é um indicador relevante…

Ano perdido - análise macroeconômica_Pedro Cypriano

Cypriano: dados econômicos e expectativas movem decisão de compra dos consumidores, então…

Agora, voltando à hotelaria, Cypriano acredita que, em momentos normais, dois grupos de variáveis estimulam o turismo: economia real e expectativas. No primeiro, os momentos de PIB, emprego e renda em crescimento são os de maior propensão a viagens. Já no segundo, índices de confiança, aprovação de reformas e quedas estruturais nas taxas de juros são alguns dos exemplos que podem induzir novas viagens pela crença em um futuro mais próspero. Agora, isso se aplica ao momento atual?

“Em curto prazo, não se aplica”, avalia Cypriano. “Hoje, o gatilho de intensificação de recuperação do turismo não é a economia, mas o controle da pandemia. Enquanto o número de novos casos e mortes pela Covid-19 for alto e os leitos dos hospitais estiverem cheios, não haverá recuperação, especialmente das viagens a negócios e eventos. Logo, qualquer oscilação em maior ou menor grau do PIB pouca diferença trará para o turismo nos próximos meses”, acrescenta.

A questão é que esse gatilho parece longe do fim. O número de mortes pela doença atingiu um recorde ontem (3) e o viés de casos e óbitos é claramente de alta no país todo – São Paulo voltou à Fase Vermelha. “Diante disso, as expectativas oficiais são de início de vacinação da população abaixo de 60 anos a partir de junho, se tudo der certo. É razoável que apenas no segundo semestre as viagens ganhem mais corpo, e gradativamente”, diz Cypriano.

Agora, a pergunta do título: diante dos números expostos e das opiniões dos especialistas, o ano já se perdeu efetivamente? “Na média do ano e do setor, certamente. Com exceção do segmento de lazer, que mais uma vez deve se mostrar mais resiliente, influenciado pelo câmbio e pelo desejo de viagem das famílias”, acredita Cypriano, que faz uma colocação: e a economia e as expectativas, quando voltam a surtir efeito sobre o setor?

“Vencida a pandemia, serão novamente os grandes propulsores do ritmo de recuperação do turismo. E aqui é importante que façamos a nossa lição de casa como país. Colocar o Brasil em um novo ciclo de crescimento é fundamental para que a partir de 2022 tenhamos resultados mais prósperos. Até lá, sigamos apertando os cintos porque o período de travessia por 2021 não será fácil”, finaliza.

(*) Crédito da capa: gabyps/Pixabay

(**) Crédito da foto: Divulgação/HotelInvest