No mês de abril desse ano, entre os dias 11 e 13, participei como palestrante junto ao Chef Executivo Clodoaldo Ramos, do Vila Galé de Fortaleza, na ANUFOOD BRAZIL, que é a Feira Internacional para o Setor de Alimentos e Bebidas. Fomos mediados por Vinicius Medeiros do Hotelier News no painel Soluções e Dicas Sustentáveis para Operações em Grande Escala, um bate-papo que rendeu um excelente debate.

A partir desse encontro, veio o convite para escrever mais sobre o assunto. Minha expertise, nessas últimas décadas, tem sido trabalhar com o tema Circular Food. Temas como gastronomia responsável, alimentação saudável, sustentabilidade, desenvolvimento sustentável, ESG, cidadania e o futuro do alimento, são alguns dos tópicos que amo trabalhar. A questão do alimento e da sustentabilidade são bastante relevantes para o momento que vivemos.

Quando falamos em “Greening o setor da Hospitalidade no Brasil, estamos falando em repensar muitos dos aspectos que abordam a sustentabilidade e métricas ESG de forma circular diante dos desafios ambientais, sociais, culturais e econômicos. Por exemplo, energia renovável, conservação da água, redução do uso de produtos químicos e até o transporte “frete zero”, já estão sendo implementados em hotéis há algum tempo. Nunca se falou tanto em implantar métricas ESG no setor hoteleiro. No entanto, existe uma outra grande questão que merece urgência no processo “Greening o setor da hospitalidade, que é trabalhar a redução de desperdício. É um problema global e que, com certeza, merece a atenção dos hoteleiros. Neste sentido, trabalhar estes desafios mais a finco, buscando soluções que gerem impactos positivos, é acima de tudo, responsabilidade de cada um.

O setor alimentício

O setor alimentício em geral (restaurantes, hotéis e afins), sem dúvida está passando por uma profunda revolução cultural. A Sustentabilidade e o sistema alimentar são os desafios mais críticos de nossa era, pois abordam problemas como saúde, fome, desperdício de alimentos, o desequilíbrio do sistema alimentar, práticas agrícolas não sustentáveis, a perda de 60% da biodiversidade, desmatamento, mudanças climáticas. Estas são algumas das questões que precisamos lidar, juntos, como humanidade. O fato é que, a sustentabilidade está intimamente ligada às questões alimentares. Atualmente, mais de 800 milhões de pessoas no mundo passam fome, enquanto quase 3 vezes esse número de indivíduos (entre crianças e adultos) estão acima do peso ou obesos. Ao mesmo tempo, centenas de toneladas de desperdício de comida (ainda em boas condições) estão sendo jogadas fora, sem um mínimo de gerenciamento, que acabam nos aterros sanitários todos os dias, comprometendo o meio ambiente, saúde publica e planeta.

A partir da urgência em trabalhar tais questões relacionadas ao alimento, biodiversidade, regeneração do sistema alimentar e ambiental como um todo, vejo que o papel de cozinhas profissionais é crucial nesse momento. Restaurantes e hotéis, assim como cozinhas de eventos, podem e devem se tornarem catalisadores às mudanças positivas. Afinal, estamos no limiar de um novo paradigma.

Dicas e soluções

Diante desse cenário, proponho algumas dicas e soluções para que possamos “ressignificar” as cozinhas do setor.

  • Como criar um cardápio sustentável? Esta é uma das soluções.

Um cardápio que inclua alimentos saudáveis e sustentáveis, oriundos da agricultura local orgânica, contando com aproximadamente 70% de alimentos a base de plantas, diminuindo proteínas animais, é parte da solução. Além de redução de custos, melhor aproveitar integralmente os insumos é palavra de ordem, tanto como prevenção ao desperdício, mas também por oferecer maior valor nutricional. Outra dica e compras mais a granel, evitando acúmulo de embalagens plásticas.

  • É possível prevenir o desperdício em eventos?

Sim. Tudo começa pela gestão e governança da empresa. Uma das dicas é que conste, no contrato, algumas cláusulas explicando ao cliente a postura da empresa em termos de sua responsabilidade socioambiental. O cardápio deve ser equilibrado, bem mais enxuto, incluindo frutas e vegetais, menos carnes e definitivamente menos ou não incluir ultraprocessados. Contar com bom gerenciamento da equipe de cozinha, utilizando integralmente os alimentos, da raiz ao talo. Alguns chefs optam por, inclusive, eliminar alguns dos pratos populares, mais tradicionais, por serem contramão ao não desperdício. Também é importante contratar uma empresa especializada em serviços ambientais (incluindo a coleta de resíduos orgânicos para serem compostados) na gestão de cada evento. Além disso, esta empresa deve ser responsável por capacitar todo o staff e equipe de freelances contratados para o evento.

  • Como saber qual o volume de desperdício está sendo gerado?

Muitos hotéis e instituições de porte internacional reconhecem que é comum comprar muito mais insumos do o necessário, e que acabam sendo desperdiçados desnecessariamente. De fato, algumas das empresas do food service que estão adotando metodologias para prevenir e evitar o desperdício, já conseguem reduzir suas compras em 2% a 6%, assim como também reduzir em 50% de perda no pós consumo. Estes são dados bastante relevantes para o setor. Assim, economizar em todas as pontas é importante. Hoje existem boas ferramentas disponíveis que estão sendo usadas para identificar e rastrear o desperdício em escala, nas etapas da cozinha, inclusive identificam também se houve excedente na compra. Algumas dessas ferramentas que estão fazendo sucesso são: EPA Food Waste Logbook, Leanpath, Phood and Winnow e que valem a pena pesquisar. Uma outra ferramenta, de tecnologia brasileira é a FOOD-TO-SAVE.

Estas são algumas das questões que precisam ser abordadas, repensadas e reorganizadas dentro do setor da hospitalidade, assim como algumas dicas e soluções para que possamos fazer a diferença.

Ana Rita de Barros Cohen é CEO do Selo CSR (Cozinhas Saudáveis e Responsáveis) para restaurantes. Especialista em gastronomia responsável, alimentação saudável, sustentabilidade e ESG. É autora, mentora, advisor em Circular Food para o setor de restaurantes e afins.

(*) Crédito da foto: Arquivo pessoal