Prestes a completar dois anos de pandemia, a hotelaria ganha ritmo na retomada, embora ainda altamente afetado financeiramente pela crise. Em um clima que mistura alívio e incertezas, o mercado aposta suas fichas no avanço da vacinação, demandas reprimidas e uma volta gradativa à normalidade. Se 2021 marcou o início do fim do maior golpe já sofrido pelo setor, analisar dados é uma forma assertiva de tentar prever os próximos passos. Para Roland Bonadona, CEO da Bonadona Hotel Consulting, mesmo com os ganhos calculados nos últimos meses, empreendimentos hoteleiros têm um longo caminho a percorrer rumo ao cenário ideal.

“Felizmente, estamos observando uma recuperação contínua desde abril passado, mas ainda estamos longe do desejável, principalmente em praças mais dependentes da demanda corporativa e internacional”, avalia o ex-CEO da Accor.

Em associação com Taynah Caran, responsável pela área de estatísticas do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), Bonadona analisou as curvas de recuperação dos hotéis associados à entidade mês a mês desde o início da pandemia.

Após cair a menos 62% em abril de 2021, consequência da segunda onda de contágios por Covid-19, a taxa de ocupação não parou de subir por oito meses, terminando o ano 100% reconectada a 2019. Por outro lado, a diária média corrigida pela inflação permanece 9% abaixo dos patamares pré-pandêmicos.

FOHB - gráfico 1

“A recuperação da diária média é essencial para a retomada da geração de caixa dos hotéis. Em 2021, a média do FOHB ficou em R$ 225, 18% abaixo de 2019. Como a taxa de ocupação chegou a 40%, 32% inferior aos níveis pré-pandemia, a receita total de hospedagem encerrou o ano 44% abaixo de 2019, o que financeiramente é uma tragédia. Em uma situação assim, não sobra nenhuma geração de caixa”, analisa Bonadona.

De acordo com o InFOHB, relatório desenvolvido pela associação, o RevPar hoteleiro fechou em 2021 40% abaixo do desempenho em 2019. O indicador foi amplamente prejudicado pelo ritmo lento de retomada da diária média.

Bonadona - grafico 2

Recuperação segmentada

“A retomada da receita hoteleira depende de dois fatores: recuperação da demanda e a capacidade dos hoteleiros de administrar bem uma política de preços que se complexificou muito nestes últimos anos. O cliente reserva cada vez mais pela internet via uma grande variedade de canais e distribuidores. A hotelaria brasileira, em geral, salvo exceções, está muito longe das melhores práticas adotadas no resto do mundo”, complementa o executivo.

Bonadona ressalta que, para a recuperação da demanda, é preciso crescimento econômico consistente, além de estabilidade da situação sanitária e do câmbio no país. “Ao contrário, a adoção de melhores práticas de administração adaptadas ao comércio eletrônico apenas depende do setor. Inclusive, é um tema que as associações hoteleiras estão demorando muito para colocar nas suas prioridades”.

Em um recorte por destinos, as diferenças são claras. Recife, São Paulo e Rio de Janeiro, as três praças analisadas pela BHC, apresentam assimetrias devido aos perfis de clientes que concentram as demandas. As capitais fluminense e pernambucana, com forte apelo de lazer, saíram na frente em termos de ocupação e diária média. Já a maior cidade do país, dependente de eventos e hóspedes corporativos, apresenta maior defasagem na retomada.

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“A pandemia mudou muita coisa, mas ainda é cedo para dizer quais e como as transformações vão se consolidar ou se reverter. Sabemos que haverá menos viagens corporativas, porém provavelmente mais longas e híbridas, com maior apelo pelo short-term rental. As demandas de lazer continuarão sustentadas, mas precisarão se ajustar ao retorno dos trabalhos e aulas presenciais”, destaca Bonadona.

Quanto aos setores de eventos e corporativo, o executivo aposta no formato híbrido como o futuro mais provável. “O setor deve ajustar suas propostas ao que os clientes de cada um destes segmentos esperam. Falo em propostas comerciais e operacionais. A demanda aquecida no short-term rental e em propostas inovadoras, como o Selina, são bons indicadores”.

Sem receita de bolo

Ainda que o caminho para a recuperação esteja dado, Bonadona pontua que não existe receita de bolo. Além dos problemas já enfrentados pela hotelaria, o setor também precisa lidar com a falta de apoio governamental e a evasão de investidores, que migraram para outros segmentos imobiliários.

“Em outros países, os governos se mostraram muito mais compreensivos com os hoteleiros, oferecendo um suporte adequado ao que consideram como um setor que alimenta toda a economia. Aqui, os hoteleiros têm que encarar com sua tradicional resiliência, garra e coragem os desafios da pandemia e da imaturidade dos poderes públicos brasileiros em termos de turismo”, ressalta o executivo.

(*) Crédito da capa: Divulgação/BHC

(**) Crédito dos infográficos: Divulgação/FOHB