E chegou a hora do segundo artigo neste portal!! E, nesses últimos dias, tivemos conhecimento do estudo Panorama da Hotelaria Brasileira. Então, vou aproveitar esse rico estudo produzido pelo FOHB (Fórum de Operadoras Hoteleiras do Brasil), em parceria com a HotelInvest, para opinar sobre o impacto dessa nova oferta no setor.

Antes, acho interessante fazer um rápido overview dos diferentes ciclos do desenvolvimento hoteleiro brasileiros nos últimos 100 anos:

O primeiro ciclo teve início com a virada do século 20, durando até a década de 1960. No período, a maioria dos hotéis foi construída por famílias muito ricas, muitas vezes com incentivos das diferentes esferas governamentais.

O segundo ciclo ocorreu de 1964 a 1986. Nessa época, mais e novos incentivos financeiros e fiscais atraíram cadeias hoteleiras internacionais para o Brasil.

Com o término dos incentivos fiscais, o terceiro ciclo avançou juntamente com a criação de uma lei de locações residenciais muito restritiva. Assim, os incorporadores imobiliários inteligentemente desenvolveram o que se chamou de apart-hotel, com pool de locações. Os apart-hotéis eram produtos imobiliários com características bastante específicas. Eram quitinetes com quarto, sala, cozinha e banheiro. O investidor pulverizado podia colocar e tirar seu imóvel do pool. Edifícios geridos por Parthenon, Residence, Riema e Transamerica são bons exemplos desse modelo de desenvolvimento, com esse ciclo se encerrando na década de 1990.

O quarto ciclo ocorre em paralelo ao Plano Real. Com a estabilidade econômica proporcionada pelo plano, houve o incentivo a investimentos produtivos. À época, havia uma percepção generalizada de que hotelaria era um grande negócio. O período, contudo, é marcado pela chegada das bandeiras hoteleiras internacionais e da superoferta condo-hoteleira.

Uma mudança de legislação marca o quinto ciclo. O famoso artigo segundo da lei nº 6385, de 1976, foi ampliado, adicionando-se uma nova definição de valor mobiliário, o que obrigou o xerife de mercado de capitais (a CVM), a tomar determinada atitudes.

Por fim, o ciclo atual é marcado pelo desenvolvimento imobiliário por meio da venda fracionada, conhecido como multipropriedade. O elevado VGV (Valor Geral de Vendas) dos projetos nos últimos cinco anos, bem como os empreendimentos atualmente em desenvolvimento, mostram que esse é o atual modelo de negócio abraçado pelas incorporadoras.

No Brasil essa modalidade é regulamentada pela Lei 13.777. A propriedade compartilhada é o regime de condomínio em que cada um dos proprietários de um mesmo imóvel é titular de uma fração de tempo (íntegra da Lei nº 13.777/2018 no link). Hoje, dois grupos internacionais estão se aproveitando desse mercado para expandir sua oferta: Hard Rock e Wyndham. O restante é liderado por players nacionais.

Análise

Infelizmente, ao contrário de países com economias mais sólidas, entendo que o mercado imobiliário hoteleiro no Brasil tem pouca atratividade para investidores institucionais por algumas razões, das quais destaco:

 Mercado financeiro concentrado
 Taxas de financiamento pouco atrativas
 Performance da indústria hoteleira nacional ainda patinando.
 Alto custo da construção no país
 Selic em dois dígitos (atual 13,75% a.a.)
 Financiamento praticamente inexistente para o mercado de revenda de flats e condo hotéis

Já sabendo que os itens mencionados acima por si só já justificam a difícil situação de funding para o desenvolvimento imobiliário hoteleiro, é preciso considerar também outros fatores relevantes, como Risco Brasil, exposição de caixa e baixa estabilidade macroeconômica, além de insegurança jurídica e contábil.

Com isso, a liquidez do ativo imobiliário hoteleiro acaba sendo o maior desafio para um desenvolvimento imobiliário hoteleiro patrimonial.

Um olhar mais atento ao estudo Panorama da Hotelaria Brasileira, recém-divulgado pelo FOHB e Hotelinvest, reforça minha leitura da dificuldade de viabilizar novos empreendimentos hoteleiros por aqui.

Para os próximos quatro anos, são esperados apenas 108 novos empreendimentos hoteleiros em todo Brasil, lembrando que o país tem 26 estados, mais o Distrito Federal, além de mais de 5,5 mil municípios. É muito pouco! A título de comparação, esse montante é inferior ao desenvolvimento hoteleiro previsto apenas para a Flórida, nos EUA.

Outros dados chamam atenção no estudo:

 40% dessa nova oferta está no estado de São Paulo
 A capital paulista deve receber 15 desses 108 hotéis
 Quase que 90% desse novo desenvolvimento está concentrado em cinco estados

Obviamente, o estudo não estima a taxa de mortalidade do setor. Ou seja, não considera que uma pequena parte desses 108 empreendimentos mapeados podem não ser realizados por diversas razões.

Diante da retomada consistente da indústria de viagens desde o segundo semestre do ano passado, e considerando que durante a pandemia muitos empreendimentos hoteleiros encerram suas operações ou mudaram a vocação do ativo imobiliário, não acredito em qualquer impacto negativo dessa nova oferta na performance do setor.

Vale destacar que, em um movimento importante para a sustentabilidade do setor, estamos observando que os hoteleiros estão se afastando da antiga prática de baixar tarifa e subsidiar o cliente, praticando preços que podem ser considerados irresponsáveis para a rentabilidade do investidor.

Como sempre digo, ninguém acorda e decide ir para Araraquara só por que o hotel X está com uma tarifa a R$ 149. Ele precisa ir à cidade para visitar a família, para participar de uma festa ou de uma palestra, bem como a trabalho ou até mesmo para assistir um jogo da locomotiva grená, a Ferroviária.

Com essa tímida nova oferta, entendo que as administradoras estão buscando alternativas de expansão da base de quartos. E parece cada vez mais que a nova aposta do de desenvolvimento é o segmento de short-term rentals (apartamentos compactos, residenciais com serviço). Esses produtos, por não demandarem grandes áreas privativas, acabam sendo ofertados pelos incorporadores por valores acessíveis para a grande maioria dos investidores imobiliários.

A combinação de produto novo na prateleira para o investidor, sem histórico negativo, somado ao apetite e necessidade das administradoras de aumentar seu portfólio de produtos administrados, leva-me a crer que expandir esse tipo de negócio parece o caminho seguido pelas operadoras para continuar crescendo.

Ao mesmo tempo, isso pode ser um prato cheio para um cenário de superoferta, o que seria prejudicial ao mercado. Portanto, o alerta de um passado não muito distante (superoferta de condo-hotéis e salas comerciais) deve ser avaliado quando olhamos para esse tipo de ativo imobiliário.

Estima-se que só a cidade de São Paulo ganhou e vai ganhar 65 mil apartamentos compactos (apartamentos de até 30 m²) entre 2018 e 2025, apontam dados do Secovi. A dúvida será saber como esse tipo de oferta irá afetar a hotelaria tradicional e de bandeira. E você, qual a sua aposta?

Com mais de 20 anos de experiência em gestão hoteleira, Mateus Cabau acumula passagens por Marriot e Atlantica Hotels. Em 2013, mudou-se para os EUA, onde, entre outros projetos e posições profissionais, atuou como co-desenvolvedor da primeira unidade da Red Collection: o Spot X, que fica na região de Lake Buena Vista, em Orlando. Atualmente, por meio de sua empresa brasileira de consultoria, é responsável pela gestão da franquia do Comfort Hotel Santos, em Santos (SP). Cabau ainda realiza palestras e consultorias para hotéis.

(*) Crédito da capa: Arquivo pessoal