As datas e meses de conscientização são importantes para melhorarmos a nossa sociedade. Durante séculos e até milênios, estruturalmente temos práticas e costumes excludentes para os minorizados sociais. Os movimentos de inclusão e diversidade são recentes nossa história , a maioria deles acontecendo após décadas dos anos 1900 e os mais recentes pós anos 2000. Porém, a estrutura social, principalmente no Brasil, ainda é muito resistente ao avanço destas pautas. Nas pesquisas atuais, até se admite preconceitos, mas poucos admitem ser preconceituosos e também a menor parte tem ações efetivas para combater este problema. Falar sobre racismo no país ainda é um grande tabu para maioria dos setores da nossa sociedade. No turismo e na hotelaria não seria diferente.

Na pesquisa Percepções sobre racismo no Brasil, realizada pelo Instituto de Referência Negra Peregum e pelo Projeto Seta (Sistema Educacional Transformador e Antirracista), em parceria com o Ipec, foram entrevistadas 2 mil pessoas, maiores de 16 anos, em 127 municípios entre os dias 14 e 18 de abril deste ano. Para grande maioria (81%) das pessoas, o Brasil é um país racista ao mesmo tempo em que 85% da população discorda totalmente ou em parte que possui algumas atitudes e práticas consideradas racistas. Particularmente, acho que o grande problema é justamente esta incoerência de saber que o problema existe, mas resistir ou se omitir em fazer algo sobre tema.

Sempre me pego refletindo sobre o que faz um gestor de uma grande rede hoteleira, hotel ou meio de hospedagem quando tem acesso a este tipo de informação em tempos de ESG ou que cada vez mais as novas gerações demonstram interesse em saber o que o as empresas têm feito para implementar ações efetivas de diversidade e inclusão. Como no Brasil a maioria da população (56%) se declara negra, a tendência de acontecer um caso de racismo, principalmente no atendimento, é alta, visto que na maioria dos casos não há ações preventivas (palestras, letramentos, etc).

E minha reflexão com misto de apreensão continua ao ver que são poucas as empresas, associações, entidades de classe e lideranças do setor que adotam ações realmente efetivas diante das suas capacidades. Verba para estes investimentos existem, porém a pauta não é prioridade ou nem está no planejamento. E se a mentalidade desta gestão, ao ser questionada, for “aqui não vemos cor” , “tratamos todos iguais” , “temos vários colaboradores negros” , o problema é enorme, pois estão em negação dos fatos, sendo cúmplices ou omissos em relação ao racismo.

Novamente faço o alerta para a hotelaria brasileira: resistir em trabalhar mais efetivamente este tema se distancia dos movimentos, principalmente corporativos de inclusão, diversidade e equidade racial como Pacto da Equidade Racial e MOVER (Movimento da Equidade Racial) compostos e geridos pelas principais empresas multinacionais no país, avançados nas ações de ascensão de lideranças negras corporativas. Estas lideranças vão se hospedar, participar de eventos, frequentar restaurantes, com a consciência dos seus direitos e como denunciar os casos de racismo, principalmente para gestões de viagens e eventos. E pergunto aos hoteleiros que estão lendo este texto: vocês estão preparados para receber estas denúncias? Se a resposta for não, outra pergunta: Por que não?

O mês de novembro recentemente tornou-se o mês da Consciência Negra devido ao feriado em alguns estados e cidades no dia 20 de novembro, dia de Zumbi dos Palmares, dia para reflexão sobre a consciência negra. A hotelaria brasileira tem historicamente uma ligação com racismo no país, pois a primeira de lei de combate ao racismo no Brasil aconteceu devido a um caso em um hotel de luxo em São Paulo em 1950.

A primeira pessoa negra que utiliza a lei no país também o faz devido a um caso de racismo em um hotel no Rio de Janeiro. Ambas mulheres negras, fazendo check-in. Mas mesmo diante destes fatos históricos, até hoje as ações são mínimas. E quando me dizem que se importam sim com combate ao racismo na hotelaria, eu pergunto como, e geralmente não tenho resposta. Infelizmente escrevo mais um texto em novembro constatando que ainda falta consciência da importância da inclusão negra na maior parte da hotelaria brasileira.

Hubber Clemente é fundador da startup Afroturismo HUB, focada na inclusão e diversidade racial no turismo, atuando a mais de três anos com o tema. Hoteleiro , com mais de 25 anos de carreira no setor, com atuação profissional na Accor, Blue Tree Hotels , Maksoud Plaza, Decolar e outras grandes empresas do turismo, hospitalidade. Especialista em vendas e marketing, com formações em Gestão de Viagens e Eventos Corporativos, Big Data, Design Thinking, Diversidade & Inclusão e LinkedIn Creator Acelerado.

(*) Crédito da capa: Arquivo pessoal