Quando comecei a me engajar nas causas de diversidade e inclusão, mesmo sendo meu foco principal a luta racial, a questão das pessoas trans sempre me impressiona, quando penso no porquê também não temos urgência necessária na inclusão desse grupo, pois são pessoas que sofrem com muitas exclusões sociais para sobrevivência básica. Segundo pesquisas recentes, no Brasil temos mais de 4 milhões de pessoas trans, que infelizmente têm expectativa de vida de 35 anos. E darei ênfase nesta informação: uma pessoa trans no Brasil vive em média 35 anos. Este dado por si só deveria mobilizar a maior parte da sociedade para promovermos as mudanças necessárias.

Para escrever este texto, fiquei pensando como poderia gerar a melhor representatividade possível neste espaço agora em janeiro, mês da Visibilidade Trans, conectada ao nosso setor da hotelaria e hospitalidade brasileira. E cheguei à conclusão de que conheço uma excelente referência no setor, da qual tenho a honra e felicidade de ser amigo para narrar sua história de conquistas e realizações, minha querida amiga e excelente profissional Cibele Florêncio.

Negra, nordestina, trabalhando há mais de dez anos na hotelaria, Cibele realizou a sua transição de gênero atuando no setor, primeiro como homem gay e depois, mulher trans. E aqui cabe um elogio à rede Accor, que a apoiou em todo este processo desde o início, algo ainda raro nas empresas da hotelaria, que geralmente realizam “tokenismo” (prática de fazer apenas um esforço superficial ou simbólico para ser inclusivo para membros de minorias sociais). Mas mesmo com este suporte, por ela ter sido uma das primeiras na empresa a passar por esta transição, houve desafios enormes, visto que o preconceito é algo estrutural na nossa sociedade. Vestiário “único” num primeiro momento por resistência de colegas de trabalho, preconceito algumas vezes velado outras vezes declarado, insistência de usar o pronome correto ao falar com ela, que só sendo muito forte e resiliente para não desistir ou adoecer.

Outro detalhe importantíssimo dessa trajetória: durante todo este período, ela sempre trabalhou com atendimento ao público, pois também na maioria das vezes, empresas que recrutam minorias sociais “escondem” estes profissionais dos cargos de atendimento. E ela brilhantemente triunfou, uma profissional constantemente elogiada pelos clientes, que narra sua trajetória com doçura e propriedade, que com certeza em breve verei como uma das primeiras lideranças trans da hotelaria a ocupar um grande cargo no setor. Quando escrevo sobre os desafios para inclusão e diversidade na hotelaria, não gosto muitas vezes da visão “romântica” que algumas pessoas podem ter das histórias de sucesso, das “jornadas de heroínas e heróis”.

Não é sobre isso. Na verdade, a importância das ações de inclusão e diversidade é justamente para que as trajetórias profissionais para estes grupos não sejam tão injustas devido ao preconceito. Hoje, pessoas trans não conseguem estudar, consequentemente não conseguem formação profissional e ficam marginalizadas sem empregos formais. A hotelaria tem grande potencial de formar e recrutar estes profissionais, pois nos últimos anos vem lamentando pela falta de trabalhadores interessados em atuar no setor. A oportunidade existe, basta agir da maneira correta para fazer acontecer.

Desejo que em breve eu possa escrever textos sobre várias “Cibele’s” na hotelaria, que ela deixe de ser uma exceção. No momento, Cibele é a representatividade trans que desejo ver na hotelaria brasileira. Gentilmente Cibele me autorizou compartilhar partes da história profissional dela neste texto. Para conhecer um pouco mais sobre a pauta trans no setor, recomendo que sigam seu perfil no LinkedIn.

Hubber Clemente é fundador da startup Afroturismo HUB, focada na inclusão e diversidade racial no turismo, atuando a mais de três anos com o tema. Hoteleiro , com mais de 25 anos de carreira no setor, com atuação profissional na Accor, Blue Tree Hotels , Maksoud Plaza, Decolar e outras grandes empresas do turismo, hospitalidade. Especialista em vendas e marketing, com formações em Gestão de Viagens e Eventos Corporativos, Big Data, Design Thinking, Diversidade & Inclusão e LinkedIn Creator Acelerado.

(*) Crédito da capa: Arquivo pessoal