Na hotelaria, muito tem se falado sobre a escassez de mão de obra qualificada. No pós-pandemia, o setor tem sofrido com as consequências das baixas de profissionais, o resultou também na falta de bons gestores. Assim, a reportagem do Hotelier News ouviu alguns nomes importantes para entender esse cenário e como essa lacuna afeta o dia a dia das operações nos hotéis, além de ter como consequência, em muitos casos, a má contratação de colaboradores.

Vice-presidente de Operações da Atrio Hotel Management, Paulo Mélega comenta que o cenário de dificuldade de contratação de profissionais não é algo novo, mas sim um problema com o qual a hotelaria sempre conviveu. “Por outro lado, no período pós-pandemia, isso ficou mais acentuado, desde a base até a liderança, ou seja, os gestores. Quando falamos da gestão de um hotel, falamos de um trabalho presencial, que tem uma rotina não convencional”, explica.

“Dessa forma, a vida operacional de um empreendimento hoteleiro demanda presença fora de horários ditos normais. Portanto, é uma atividade que tem dificuldades em função dessas características. O período da pandemia trouxe o trabalho híbrido, localidades flexíveis e outras tendências. O gestor do hotel não tem isso, precisa estar sempre lá, e isso acabou se tornando um empecilho, se comparado aos benefícios do modelo híbrido, que sem dúvida contribuiu para o aumento da escassez de gestores”, completa.

Lucila Quintino, CEO da HotelConsult, pontuou que fatores que também corroboraram para este cenário são a falta de atratividade do setor por conta de horário e salários pouco atrativos. “Mas há outra grande razão: nosso mercado educacional não forma mais gestores estratégicos. Os cursos de bacharelado de hotelaria têm desaparecido, e ficam apenas os tecnólogos, que são mais operacionais do que voltados para estratégia”, acrescenta.

Problema urgente

Continuando o raciocínio, Lucila diz, ainda, que essa é uma questão urgente, visto que o mercado perde eficiência operacional, qualidade dos serviços prestados ao hóspede, retenção das equipes, entre outros pontos. “Por pesquisa, sabe-se que a primeira razão que faz alguém se demitir é o líder. Se há gestores menos preparados, agrava essa situação, aumentando consideravelmente o turnover“, destaca.

Deyzi Weber, diretora corporativa de Gente & Cultura da Intercity Hotéis, ressalta que, atualmente, também há forte falta de interesse das novas gerações em ocupar uma cadeira de gestor. “E isso não é algo pontual do nosso segmento. Existe uma transformação social e essas pessoas hoje têm outros interesses, buscando mais velocidade em alcançar seus objetivos, e isso acaba dificultando o trabalho de encontrar profissionais que queiram ser gestores”.

Complementando esse ponto, Mélega endossa que atualmente os profissionais não costumam se visualizar construindo uma carreira dentro da indústria hoteleira. “As gerações mais jovens têm dificuldade de visualizar esse caminho como algo desejável e factível. E isso não se resume só aos mais novos, visto que as gerações mais antigas também estão deixando os cargos de gestão ou vão para outros desafios fora do setor, muitas vezes atraídos por salários maiores”.

Criando engajamento

Lucila adiciona que, por conta dessa escassez de gestores, os hotéis têm sido muito afetados negativamente e que, por conta disso, é necessário que os empreendimentos se reorganizem. “É preciso investir em muito treinamento e em processos seletivos mais assertivos, contratando uma consultoria, aplicando ferramentas de avaliação de perfil comportamental nos candidatos para errar o mínimo possível e, obviamente, ter o máximo de referência de empregos anteriores”.

“Assim, os hotéis têm que saber o que querem, de fato, de seus gestores, e procurar pessoas que atendam esses critérios. É traçar o alvo e ir atrás dele e, feito, isso, promover treinamentos e capacitações para que o líder incorpore o DNA do hotel, da marca, da cultura da empresa. Mentorias, ações de formação, uma trilha de treinamentos, tudo isso é crucial”, afirma Lucila.

Gestores - Paulo_Mélega

Mélega reforça papel do bom ambiente de trabalho

Na Atrio, por sua vez, Mélega alienta que o turnover de lideranças era baixo antes da pandemia, mas esse número mudou no pós-crise e a empresa acabou perdendo alguns gerentes de hotéis para outras atividades. “Por conta disso, e visando reter cada vez mais profissionais, temos uma iniciativa importante, que é um programa de trainee gerencial, que fazemos desde 2015. Nele, captamos pessoas internas ou mesmo do mercado, e fazemos toda a formação e capacitação. Neste programa, já conseguimos formar entre 16 e 17 gerentes gerais. É um caminho que acelera o encarreiramento”.

O executivo reforça que os gestores são peças fundamentais no negócio e que profissionais desmotivados e não engajados afetam a entrega da qualidade dos serviços, gestão eficiente de resultados e da equipe que está abaixo deles. “Já vi hotéis atingirem resultados incríveis devido à liderança qualificada. Isso gera engajamento, e dentro desse cenário, os empreendimentos precisam criar mecanismos de controle e supervisão, dando melhores ferramentas para acompanhar os gestores”.

Hoje, um dos principais programas da empresa é o BeAtrio, focado no bem-estar dos colaboradores por meio de um pacote de benefícios, não só financeiros, mas também pessoais, com especialistas de diversas áreas trabalhando para garantir as melhores condições para os profissionais, dentro e fora da empresa.

Já na Intercity, Deyzi elenca algumas iniciativas focadas na retenção de profissionais, procurando trabalhar internamente um conjunto de ações que visam o engajamento. “No ano passado, por exemplo, criamos nossa universidade corporativa, como um dos pilares para fomentar o desenvolvimento. Aqui, as pessoas que querem conseguem crescer, porque fomentamos toda essa parte de desenvolvimento e formação”.

“Estamos iniciando a quinta edição do nosso programa de trainees, com uma metodologia diferenciada, voltada principalmente para a vivência dos gestores, em situações do dia a dia. O que contagia e engaja são os formatos mais efetivos de aprendizado que estamos propondo. Também focamos na experiência do nosso colaborador nos hotéis da rede, com tarifas diferenciadas, e tudo isso abaixa muito o turnover e traz de volta o principal fator que contribui para a boa experiência: o humano. É o brilho no olho, o sorriso. Os hotéis precisam vender a imagem de ser um bom lugar para trabalhar, e nada melhor do que criar embaixadores dentro do próprio empreendimento. É um efeito importantíssimo na cadeia como um todo”, finaliza Deizy.

(*) Crédito da capa: Freepik

(**) Crédito da foto: Arquivo HN