Elas vêm se multiplicando aos montes nas últimas décadas, sejam lifestyle, soft brands ou segmentadas em diferentes categorias. Atualmente, é bastante amplo o espectro de bandeiras hoteleiras disponíveis para clientes e investidores de grandes redes. Com a explosão de novas marcas, muitas delas frutos de parcerias e fusões, a oferta do setor chegou a níveis incontáveis. A questão é: até que ponto tantas opções são saudáveis e sustentáveis para o mercado?

Para entender a evolução dos portfólios com o passar dos anos, o Hotelier News conversou com Roland Bonadona, da Bonadona Consulting, um dos principais executivos da história da hotelaria nacional. Segundo o ex-presidente da Accor, a transformação digital alinhada às mudanças de comportamento do consumidor foram pontos-chave para o boom de novas marcas.

“Inicialmente, grandes redes detinham apenas uma marca. Essa bandeira era desenvolvida com um posicionamento específico. Naquela época, um dos atributos mais importantes da hotelaria era a padronização, que dava ao cliente a segurança de que, independentemente do local, ele iria encontrar o mesmo nível de serviços e atendimento. Essa estabilidade da repetição era vista como algo positivo”, explica Bonadona.

Segundo o executivo, antes da transformação digital, existia uma incerteza no momento de viajar que englobava diferentes âmbitos como deslocamento e barreiras impostas pela língua. Diante do cenário, a segurança do padrão de hospedagem era um diferencial. “Era importante que as marcas tivessem a maior cobertura possível. A partir daí, as redes começaram a se fundir e formar grupos com diversas opções de bandeiras para diferentes segmentos e públicos”.

Divididas em categorias que hoje conhecemos (econômicas, midscale, upscale e luxury), as denominações trouxeram diferenciações entre os empreendimentos, criando nichos e características próprias de serviços, atendimento, decoração e design. “Neste momento, já observamos maiores diferenças, mas ainda seguindo padronizações entre os segmentos”, destaca Bonadona.

bandeiras - roland bonadona

  Bonadona: da necessidade de padronização à segmentação, a internet foi o vetor das mudanças

O papel da tecnologia no surgimento de bandeiras

Ao final dos anos 90, a explosão da internet levou à aparição das primeiras OTAs. Com uma nova forma de consumir e viajar, a tecnologia descomplicou processos dando maior segurança aos turistas, abrindo um horizonte de possibilidades.

“A internet tirou o medo e a dificuldade de viajar, permitindo que plataformas fossem desenvolvidas. Com a chegada dos reviews, os consumidores passaram a ter acesso às caraterísticas dos hotéis e avaliações. Isso contribuiu para os viajantes não desejarem mais do mesmo, mas experiências diferenciadas, criando uma simbiose com os destinos e inserindo o turista na comunidade local”, complementa Bonadona.

E esta nova forma de consumir moldou o segmento de viagens nos anos seguintes. Hoje, ao pesquisar por hospedagens em um determinado destino, somos direcionados a uma ampla lista de opções com filtros que vão desde preço até localização. “A procura passou a ser regida por atributos, não por marcas. Diante de tantas mudanças, as grandes cadeias hoteleiras começaram a desenvolver bandeiras com diferentes características, aumentando seus portfólios”, relembra o executivo.

bandeiras - abel castro

Castro: segmento lifestyle vem se desenvolvendo rapidamente no mundo e vieram para ficar

Como nascem as bandeiras

Com mais de 40 marcas sob seu guarda-chuva e contando, a Accor é atualmente uma das redes com maior oferta de bandeiras do mundo. Recentemente, a gigante francesa fechou mais uma parceria, desta vez com a Ennismore, somando mais quatro coleções de hotéis ao seu portfólio.

Em entrevista ao Hotelier News, Abel Castro, vice-presidente sênior de Desenvolvimento da Accor para a América do Sul, explica que o portfólio evolui seguindo o ritmo do mercado, que consequentemente se transforma alinhado às novas demandas da sociedade. “Temos um portfólio amplo de marcas que nos orgulhamos muito. O mundo mudou e as pessoas têm mais informações e sabem o que buscam. Essas bandeiras visam atender aos diferentes segmentos de mercado. Nossa oferta é variada, pois realmente é uma necessidade dos clientes”.

Segundo Castro, hóspedes e proprietários demandam cada vez mais opções dentro do mesmo ecossistema. Com um portfólio robusto, a Accor se consolida com maior poder de negociação e ganha ainda mais força em fidelizações. Construindo seu império de bandeiras lifestyle em bases sólidas, a rede não pretende frear sua expansão tão cedo.

“Fizemos o acordo com a Ennismore justamente para criar a nossa plataforma lifestyle, que é um segmento com potencial de crescimento enorme. Hoje, 2% da oferta global é lifestyle. Quando olhamos para o pipeline de construção, esse número sobe para 10%. Já em relação a receita, dentro da Accor, o segmento representa 30%”, enumera o vice-presidente. “Nos próximos anos, afirmo que essa participação de 10% tende a crescer a cada ano”, avalia.

Autodenominada como uma empresa multimarcas, a Atlantica Hotels é detentora de mais de 20 marcas nacionais, internacionais e soft brands. Atuando em todos os segmentos, do econômico ao luxo, a rede também vem expandindo seu portfólio por meio de fusões, contratos de franquia e licenciamento.

“Nosso DNA é multimarcas. Temos mais de 20 opções para clientes, investidores e empresas, cada uma situada em um diferente segmento do mercado. Cada bandeira tem seu público específico, sua história e suas características que conversam com determinado perfil de cliente. Fazemos pesquisas e estudos de identificação com o consumidor que irão nortear a marca. Desenvolvemos o que o consumidor está procurando”, pontua Ricardo Bluvol, vice-presidente de Desenvolvimento da Atlantica Hotels.

Bluvol explica que o desenvolvimento de bandeiras nasce do cruzamento de uma ampla variedade de dados. “Realizamos um cruzamento de informações entre necessidades atuais e futuras, como avaliações de qualidade das propriedades e interações nas mídias sociais. Analisamos o perfil das bandeiras, sua possível evolução nas próximas gerações de consumidores e vamos adaptando para que ela seja aderente ao público”.

bandeiras - ricardo bluvol

Bluvol: desenvolvimento das bandeiras envolve o cruzamentos de várias dados sobre o mercado

Tradicionais x contemporâneas

Mesmo com tantas bandeiras recém-chegadas ao mercado, o apetite tanto do investidor, quanto do hóspede, ainda aponta preferências por marcas clássicas e consolidadas. Para o vice-presidente da Accor, há espaço e demandas para todos. “Cada vez que sentamos com um investidor para definir a marca, o que conta sempre é a rentabilidade do projeto, que só acontece se o hotel atender às necessidades dos clientes que pagam”, diz Castro.

Ele ainda ressalta que é natural que exista maior procura por bandeiras tradicionais como ibis, Mercure e Novotel devido à oferta elevada de empreendimentos e experiência de viagem por parte dos consumidores. “Essa atratividade por marcas clássicas vem muito de memórias. O próprio investidor também gosta de bandeiras que ele faz uso teve boas experiências”, acredita Castro.

Para Bluvol, as bandeiras se modernizam com o passar dos anos seguindo os fluxos de tendências ditados pelo mercado e mantendo seu público-alvo consumidor. “As marcas vêm muitas vezes para perpetuar o tempo que for necessário. Nunca desligamos nenhuma bandeira, mas evoluímos junto com todos os produtos. Existem demandas consumidoras para todos os perfis de marcas e orientamos os investidores pautado nisso”.

Um exemplo que reforça o posicionamento dos executivos é a crescente procura por propriedades com características lifestyle. Descoladas, contemporâneas e marcadas pelo design arrojado, essas unidades caíram no gosto do consumidor e estão entre as prioridades de desenvolvimento de grandes redes.

“Cada vez mais hotéis lifestyle são procurados por oferecer experiências diferentes. Vemos muito isso em Miami, onde temos uma oferta lifestyle importante com uma demanda enorme de brasileiros. E o investidor sabe do poder da marca e se identificam com esse perfil. Já os novos consumidores são executivos mais jovens que buscam algo fora do clássico. Dentro da plataforma com a Ennismore, somamos 73 hotéis e 150 bares e restaurantes, todos dentro do conceito lifestyle”, destaca Castro.

E a preferência pelo segmento se traduz em números. Em 2017, a Accor assinou o contrato de dois empreendimentos lifestyle. Em 2020, o total saltou para 43. “São hotéis com design trabalhado que tem tudo a ver com o A&B (Alimentos & Bebidas). A experiência do cliente vai muito além da hospedagem. São hotéis que têm 40% de sua receita oriunda da gastronomia e 50% dos clientes são regionais e locais, pessoas que moram e trabalham próximo”, complementa o vice-presidente.

A tendência de expansão

Ao que tudo indica, a quantidade de bandeiras hoteleiras que conhecemos não deve diminuir. Entre as principais tendências de mercado, tecnologia, acessibilidade, conectividade e interação serão os pilares de desenvolvimento para os próximos anos.

“No contexto da pandemia, é importante que o mercado siga ativo no desenvolvimento de negócios e demandas de marca. Bandeiras trazem força e robustez e cada vez mais empreendimentos independentes buscam associações a grandes redes. Somos líderes nesse perfil de conversões e seguiremos nessas frentes. Novos projetos greenfield voltaram a ter demandas que serão lançados no mercado, o que é uma boa sinalização”, analisa Bluvol.

Sobre uma possível saturação do setor, o vice-presidente da Accor acredita que as bandeiras precisam de um sentido para existir e reforça o DNA multimarcas da rede em seus planos de expansão. “Talvez existam marcas que não tenham mais comunicação com o cliente. Elas precisam ser consistentes e com conceito. No caso da Accor, passamos das 40 marcas em seis anos e continuamos avaliando novas bandeiras. Existe um mercado enorme e as pessoas gostam de usar marcas, não só na hotelaria, mas em toda a cadeia de consumo”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Hotelier News

(**) Crédito das fotos: Divulgação