A nossa comida é a nossa maior conexão com o planeta. Alimento é sagrado para todas as culturas. Contemplar a vida sem contemplar o alimento, não faz o menor sentido. A nossa própria sobrevivência depende da saúde e da contínua manutenção da cadeia alimentar. Apesar de todo empenho do homem moderno, em relação aos seus esforços no campo, plantio, produção, processamento e distribuição, estamos longe de valorizar o alimento como um dia já o fizemos.

Embora estejamos vivendo um momento de transição e de (muito) aprendizado, ainda temos muito a evoluir. Enquanto isso, estamos nos adaptando, por seleção natural, ao processo.

Impactos no caminho

Um dos maiores problemas que precisamos solucionar na cadeia alimentar (Circular Food System), ainda é o desperdício. Ao compreendermos melhor sua origem, poderemos solucionar as questões que o antecedem, assim como mitigar os impactos posteriores. Infelizmente, a estimativa ainda se mantém acima do desejado: 30-40% de toda nossa comida é ‘perdida’ ou desperdiçada, e grande parte desse desperdício acaba em aterros sanitários, poluindo o meio ambiente, as águas, enquanto a emissão gases (CO2) na atmosfera aumenta, afetando diretamente nas mudanças climáticas.

O mais impressionante, é o enorme desperdício de nutrientes, que poderiam estar alimentando milhares de indivíduos que sofrem de má nutrição, ou de fome. Por outro lado, boa parte dos investimentos da produção, colheita, transporte e consumo também são perdidos. Estes são alguns dos fatores que alimentam este ciclo vicioso, resultando em impactos que ameaçam, a cada dia, a nossa sobrevivência.

Produção e consumo

A produção e o consumo, constituem um dos maiores desafios (e ameaças) ao meio ambiente, pessoas e planeta, considerando os impactam que provocam desde o solo ao prato e, do prato ao solo. Ao eliminarmos o desperdício, ou pelo menos reduzi-lo ao máximo, criando metas efetivas, novos hábitos e ações proativas, podemos começar a vislumbrar a regeneração do sistema alimentar, promovendo a sustentabilidade sistêmica como um todo.

Segundo um levantamento do WWF – World Wildlife Fund, é estimado que, uma boa parte do desperdício ocorre dentro dos negócios de alimentação (restaurantes, hotéis, food service e supermercados). Nos Estados Unidos, por exemplo, é estimado que hotéis gastam aproximadamente 35 milhões de dólares anualmente em eventos e caterings, sendo que boa parte desse investimento, é perdido entre toneladas de desperdício que, irresponsavelmente, acabam em aterros sanitários (https://refed.org). Imagine que este enorme volume de perda de alimentos (provavelmente em boas condições para consumo), nem mesmo chega perto de milhões de pessoas que passam fome, além do caos que causam ao meio ambiente.

Líderes dos setores de hotéis e food service certamente podem contribuir para transmutar esta realidade, repensando e reshaping suas operações. Implantar estratégias de prevenção e métricas ESG, por exemplo, são parte da solução. Governança social e ambiental são fundamentais para o reshaping nesta categoria de negócios, tão relevante para o desenvolvimento sustentável e saúde do planeta.

Combater ou repensar?

Particularmente não gosto do termo ‘combater’, por remeter a algo duro, pesado. Precisamos é repensar, de forma mais leve, buscando resultados positivos e mais verdadeiros. O repensar é mais adequado, sobretudo quando nos referimos ao nosso alimento. Repensar nos remete a uma mudança de mindset, algo gentil, mais cabível à capacidade humana, necessária neste momento de transição. A mudança de mindset leva à mudança estrutural, e Isto é Inovação.

Este conceito cabe ao setor de hotéis e buffets, pois servir e promover eventos memoráveis, faz parte da cultura nesses segmentos, onde a mentalidade da abundância é supervalorizada. No entanto, para que haja mudanças, será preciso avaliar, cada vez mais e com precisão, como minimizar o desperdício do começo ao fim. Vamos dizer que um evento seja programado para 1.000 pessoas. O planejamento, então, será feito para 1.100 pessoas, pois sempre será considerado uma margem adicional (over) de pelo menos 10% do planejamento original.

Alguns buffets e hotéis calculam um percentual até maior, dependendo do estilo do evento ou estilo do serviço. Quando se trata de serviço de buffet – cujos pratos ficam expostos em réchauds – sempre será calculado um extra para reposição. Este é um procedimento normal. Nesse tipo de serviço o desperdício é maior, e infelizmente, também fora do controle. Já um evento programado para servir um coquetel volante, ou estilo empratado, as porções são individuais, o que facilita controlar o desperdício.

No entanto, seja qual for o estilo do serviço, excedentes acontecem. Por isso o planejamento consciente, desde o início e junto ao cliente, um cardápio sustentável, ciente de todas as etapas, é fundamental a fim de diminuir os impactos negativos em toda a cadeia. Por isso, chefs, equipe de cozinha, planejamento comercial e operacional, devem trabalhar juntos a partir da governança social e ambiental.

Prevenir ainda é a melhor estratégia para evitar a perda, tanto do investimento quanto dos alimentos. Sendo assim, é sempre bom destacar algumas sugestões:

a) o treinamento e sensibilização da equipe para minimizar o desperdício. A equipe de cozinha deve estar treinada com o mindset do aproveitamento total, utilizando as partes que iriam para o descarte revertendo-os em pratos criativos;

b) doar os excedentes entre os colaboradores, pois muitas vezes, a sobra é suficiente para ser consumida dentro da própria equipe;

c) a outra solução é organizar uma força tarefa junto à governança, incentivando parcerias com iniciativas sociais ou socioambientais, como instituições carentes, por exemplo, ou destino dos resíduos para compostagem;

d) Implementar um sistema de separação, pesagem e destino correto. Para isto, existem soluções e tecnologias no mercado que podem ajudar;

e) Converse com todos os seus stakeholders: colaboradores internos e externos, inclusive o seu cliente, e envolva-os em seu propósito.

Ana Rita de Barros Cohen é CEO do Selo CSR (Cozinhas Saudáveis e Responsáveis) para restaurantes. Especialista em gastronomia responsável, alimentação saudável, sustentabilidade e ESG. É autora, mentora, advisor em Circular Food para o setor de restaurantes e afins.

(*) Crédito da foto: Arquivo pessoal