Nesta COP28 – 28ª Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), acontecendo em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, mais de 130 países assinaram uma declaração em que se comprometem a incorporar, até 2025, em sua meta climática, a questão da agricultura e da resiliência de sistemas alimentares.

Quando pensamos em mudanças climáticas, biodiversidade, solo saudável e a indústria da hotelaria e gastronomia, podemos mensurar impactos sociais e econômicos extremamente relevantes. Neste sentido, trago a importância do tema circularidade. Circularidade é aplicar ao máximo, formas de reuso a um produto que já está em circulação no mercado. É respeitar o ciclo de vida desse produto, seus estágios consecutivos e encadeados, desde a aquisição da matéria-prima ou de sua geração, a partir de recursos naturais, até o seu descarte correto. Assim, o conceito de circularidade implica em dar movimento ao produto que já existe na economia (economia circular), promovendo menos uso ou, o uso consciente do material.

Por outro lado, a circularidade na cadeia alimentar, ou Circular Food System (Sistema Circular dos Alimentos), é um sistema que compreende a circularidade dos alimentos em todos os estágios, desde a semente, práticas de plantio, colheita, distribuição no mercado, consumo ao descarte, iniciando novo ciclo. A questão é que, atualmente o nosso sistema alimentar e nutricional vem apontando inúmeros impactos negativos que estão levando ao desequilíbrio da saúde humana, do meio ambiente e planeta, levando às drásticas mudanças climáticas como as altas temperaturas, ciclones, enchentes e secas como estamos vendo.

Assim, é preciso trabalhar, o quanto antes, a circularidade em todos os estágios do sistema circular alimentar para reverter os impactos negativos em impactos positivos. Por exemplo, o desperdício de alimentos representa pelo menos 2 grandes problemas na realidade brasileira.

O primeiro, de ordem ambiental, mostra que 50 % dos resíduos que é despejado nos aterros sanitários, é matéria orgânica (restos de comida). Infelizmente, a permanência de lixões para descarte de lixo no Brasil e a queima irregular de resíduos, respondem por cerca de 6 milhões de toneladas de gases de efeito estufa ao ano (CO2eq), segundo o Departamento de Economia do Sindicato Nacional das Empresas de Limpeza Urbana (Selurb). E, a decomposição da matéria orgânica, uma situação ainda mais crítica, emite o gás metano que é 28 vezes mais impactante para o aquecimento global do que o dióxido de carbono, de acordo com o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), da Organização das Nações Unidas.

O segundo problema, de ordem social está relacionado à fome e insegurança alimentar. Em 2022, segundo o relatório O Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI), publicação da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), constatou-se uma piora nos indicadores da fome e insegurança alimentar em nosso país. O relatório mostrou que 70,3 milhões de pessoas estiveram em estado de insegurança alimentar moderada, que é quando possuem dificuldade para se alimentar, enquanto 21,1 milhões de pessoas passaram por insegurança alimentar grave, caracterizado como fome extrema. Em termos comparativos, o desperdício de alimentos no Brasil, comparado aos dados da fome é 8 vezes maior! Isto nos mostra que soluções precisam ser trabalhadas com urgência e de forma sustentável

A hospitalidade neste contexto

Na prática, circularidade é trabalhar consciente e sistemicamente o upcycling dos alimentos, desde as escolhas do que comprar, cardápio, a todas as fases seguintes da cozinha, aplicando por exemplo, formas eficientes de utilizar integralmente os alimentos enquanto evitando o desperdício, além de destinar corretamente os resíduos alimentares para uma compostagem, gerando adubo. Nada deve ser desperdiçado ou perdido. Para que a circularidade alimentar seja eficiente ambiental, social e economicamente para a organização, é preciso governança, dedicação e compromisso. O objetivo é gerar valor para o negócio (e sociedade) a partir de impactos positivos.

O propósito de trabalhar a circularidade da cadeia alimentar nos negócios de hotelaria e gastronomia, é promover a regeneração da biodiversidade e honrar o compromisso em manter intactos, os recursos na natureza. Mas também é planejar uma cozinha zero waste, sem lixeiras. Aplicar o conceito de Circular Food é assumir a responsabilidade da implantação das práticas alinhadas aos conceitos de sustentabilidade e ESG, demonstrando que a organização considera os critérios sociais, ambientais e de governança em seu negócio.

O conceito da circularidade sempre existiu; ele rege todos os sistemas na natureza: tudo se aproveita, nada é desperdiçado, tudo se transforma. Em outras palavras, o conceito se traduz em: reduzir inputs (manipulação), reduzir o desperdício, melhorar a eficiência e trabalhar em parceria com a natureza. A verdade é que, nenhum sistema pode ser considerado, de fato, sustentável, se não estiver trabalhando lado a lado com a natureza.

Nesse sentido, mapear e identificar onde se encontram as perdas, o desperdício dentro da cadeia produtiva, poderá render oportunidades para criar uma gestão mais eficiente, aproveitando melhor os recursos e investimentos, enquanto promovendo impactos positivos. A partir disso, é preciso conhecer todos os seus players e se necessário, buscar novos parceiros que estejam alinhados ao seu propósito.

Enfim, o conceito de circularidade é mais do reduzir o desperdício; é otimizar os recursos usando apenas o necessário. Quando somos conscientes do que tiramos do planeta e permitimos que a natureza tenha seu tempo e espaço, estamos criamos equilíbrio. Este equilíbrio reflete na saúde das pessoas e planeta. Quanto mais protegemos a natureza, mais ela nos protege, nos dando de volta o que precisamos, na medida certa.

Ana Rita de Barros Cohen é CEO do Selo CSR (Cozinhas Saudáveis e Responsáveis) para restaurantes. Especialista em gastronomia responsável, alimentação saudável, sustentabilidade e ESG. É autora, mentora, advisor em Circular Food para o setor de restaurantes e afins.

(*) Crédito da foto: Arquivo pessoal