Por Luiz Gonzaga Godoi Trigo*

Luiz Gonzaga Godoi Trigo
(foto: divulgação)

 

O texto de hoje não é meu, mas uma pequena preciosidade que guardo por muito tempo. Logo que cheguei ao Senac São Paulo (1995), para dirigir a antiga seção de turismo e hotelaria, defrontei-me com um texto que era dado aos alunos como exemplo do que deveria ser um ótimo serviço na área. Achei muito elucidativo e pedagógico, tanto que guardei uma cópia e agora o socializo com você. Foi retirado do livro O mito do empreendedor, de Michel Gerber, atualmente esgotado e difícil de encontrar. Mas a experiência nele descrita permanece válida e meritória.
 
“Da primeira vez foi acidental; pelo menos para mim. Não tinha sido minha intenção parar naquele lugar. Estava dirigindo há horas e, cansado da estrada, resolvi descansar naquela noite antes de chegar em São Francisco. O hotel ficava num bosque de sequoias, de frente para o Pacífico. Quando cheguei à recepção, o sol estava sumindo e o bosque mergulhado na escuridão. Logo no primeiro instante algo me disse que estava num lugar especial.
 
O hall do hotel estava iluminado com luz suave. Painéis de sequoia refletiam a luz sobre sofás com almofadas bege, encostados nas três paredes que cercavam o balcão da recepção. De frente à porta de entrada havia uma comprida mesa de madeira escura. Sobre ela vi uma enorme cesta de vime, cheia de frutas frescas. Ao lado da cesta havia uma pesada lâmpada de bronze, cuja luz brilhante refletia sobre as frutas, contribuindo para o ar festivo do ambiente. A mesa era coberta com uma toalha de crochê que quase tocava o chão e que, com seu desenho exótico, acentuava as cores das frutas, o bronze da lâmpada e o ocre avermelhado das paredes.
 
Além da mesa, na outra parede, uma ampla lareira com fogo aceso enchia a sala com o alegre estalar dos lenhos de carvalhos. Mesmo que não estivesse me sentindo cansado, o contraste entre o calor das chamas em meu rosto e o frio da noite em minhas costas teria sido suficiente para atrair-me para dentro do hall. Nessas condições eu quase morri de prazer. Atrás do balcão da recepção, uma moça usava uma blusa vermelha, verde e branca, recém-engomada, e uma saia ocre avermelhado. Um broche com o emblema do hotel, sobre uma fita no mesmo tom de ocre, enfeitava a blusa qual uma medalha de honra. Uma fita idêntica mantinha os cabelos afastados do rosto alegre. Saudou-me suavemente, ‘bem-vindo ao Venetia’.
 
Não demorou mais de três minutos entre essa saudação e minha entrada no quarto, levado pelo mensageiro, apesar de não ter feito nenhuma reserva. Fiquei impressionado com a facilidade do procedimento. E o quarto! A principal impressão foi de discreta opulência – carpetes espessos, em discreta cor pastel, de parede a parede; uma magnífica cama de baldaquino, enorme, em pinho branco, coberta com uma magnífica colcha branca, impecavelmente limpa; gravuras originais, com paisagens e pássaros do Nordeste Pacífico, enfeitavam a tosca elegância das paredes cobertas com cedro natural. Uma lareira, com lenhos de carvalho para o fogo que alguém previra que eu apreciaria, o papel já colocado sistematicamente embaixo da grade e um fósforo apropriado em posição perfeitamente alinhada sobre a lareira, esperado ser riscado. Encantado com a minha sorte, mudei de roupa para o jantar (a moça da recepção fizera minha reserva junto com o registro) e saí pela noite em busca do restaurante.
 
Uma placa no passeio do lado de fora do quarto guiou-me por meio do bosque escuro. O ar noturno estava parado e limpo. Eu escutava o bater rítmico das ondas do Pacífico. Ou seria apenas minha imaginação? Pouco importava; o local era cercado por uma aura de magia.
 
O restaurante localizava-se sobre um pequeno monte, com vistas para o hotel e o mar. No caminho não encontrei uma única pessoa, mas o restaurante estava lotado. Dei meu nome ao maître e imediatamente fui conduzido a uma mesa, apesar de haver outras pessoas esperando. Com toda certeza, neste restaurante as reservas eram respeitadas. A refeição foi tão deliciosa como tudo que tinha experimentado até então. O prato lindamente preparado; o serviço atencioso, sem ser agressivo. Saboreei um cálice de conhaque, apreciando um violonista clássico tocando uma seleção de fugas de Bach para os presentes.
 
Assinei a conta e voltei ao quarto, notando no caminho que as luzes tinham sido acesas para compensar a profunda escuridão. Ao chegar lá, comecei a sentir o frio da noite. Estava ansioso pelo fogo da lareira e, quem sabe, mais um conhaque antes de deitar.  Alguém tinha se antecipado. Já havia fogo na lareira. A cama estava preparada, os travesseiros arrumados, com uma bala de menta sobre cada um. No criado-mudo havia um cálice de conhaque e um cartão. Peguei-o e li: Bem-vindo à sua primeira estada no Venetia. Espero que tenha gostado. Se houver qualquer coisa que possa fazer para o senhor, de dia ou de noite, por favor não se acanhe de chamar.
 
Ao adormecer aquela noite, senti-me muito bem servido.  Na manhã seguinte acordei com um estranho som de borbulhar vindo do banheiro. Saí da cama para investigar. Uma cafeteira, ligada por um timer automático, preparava meu café. Um cartão apoiado nela dizia: ‘Sua marca preferida de café. Bom apetite’. E era mesmo. Como eles podiam saber esse detalhe? De repente lembrei-me. No jantar perguntaram-me qual a minha marca preferida de café. E aqui estava ela! No mesmo instante, quando me lembrei deste detalhe, houve um leve toque na porta. Fui abrir não tinha ninguém, mas no chão, em frente à porta, jazia um jornal. Meu jornal, The New York Times. Como era possível eles saberem disso? Mais uma vez lembrei-me. Quando me registrei a recepcionista perguntou qual jornal eu preferia. Nem pensara mais no assunto. E aqui estava ele.
 
E exatamente o mesmo roteiro tem-se repetido cada vez que volto àquele lugar!”

*Luiz Gonzaga Gogoi Trigo é turismólogo, escritor, pesquisador e professor Titular da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universidade de São Paulo.