Conforme os estudos avançam, especulações começam a surgir em torno da realidade que chegará com a vacina. Ainda não é possível cravar números e definir uma data para que a vida volte ao “normal” da era pré-pandemia. Quiçá afirmar que será possível voltar a dado ponto de partida. Alguns especialistas, contudo, já analisam o cenário e buscam respostas para o que fica dessa nova era.

Para Paulo Salvador, fundador e diretor de gestão do Inn&Out Performance, o Covid-19 trouxe para a hotelaria dois grandes fenômenos. “O primeiro é que o coronavírus sugou o setor para um sistema de contingência e de crise” pontua. O segundo, seria o processo acelerado de transformação digital, que ele classifica como maior legado da pandemia.

Com o impacto da crise, Salvador vê ecossistemas passando a operar de forma unificada. “Antes do Covid-19, era uma pesquisa verticalizada. Analisava-se separadamente o avião, o hotel, realizava-se a reserva do restaurante, tudo isso em ecossistemas verticais. O que acontecerá é que as pessoas começarão a ter uma experiência de viagem dentro de um único ecossistema, onde podem pesquisar”, explica.

Além da conectividade de serviços, a pandemia exigiu que as marcas criassem rápidas adaptações. “Adaptação de produtos existentes e criação de novas ofertas, muitas vezes usando novas tecnologias, alcançando clientes por meio de novos canais e, às vezes, até mesmo de negócios modelos”, reitera Charuta Fadnis.

Vice-presidente sênior de Pesquisa e Estratégia de Produto da Phocuswright, Charuta acredita que muitas dessas adaptações e soluções persistirão além da crise atual. “Ainda assim, é importante ressaltar que muitas empresas de viagem podem não ter recursos para conseguir fazer essas alterações. Fazer mais por menos e foco renovado na sustentabilidade são outras tendências que ficam”, acrescenta.

Já Tricia Neves, sócia-diretora da Mapie, vê outro legado muito importante. “Na minha opinião, é a abertura que os empresários e líderes do turismo tiveram neste período para repensar os seus modelos de negócio”, avalia. “Ao se verem diante do risco de sobrevivência, com demanda baixíssima, vimos iniciativas de transformação, de mudança na forma de fazer, de adoção de novas tecnologias e processos que, com certeza, contribuirão para a evolução do turismo e beneficiarão a experiência dos turistas”, completa.

Para a especialista, é possível que a gestão do turismo em alguns destinos também mude. “Durante este período, moradores tiveram a experiência de habitar locais antes invadidos por turistas. Viram também a volta de vida animal em espaços antes lotados”, analisa. “Por outro lado, alguns destinos perceberam a importância do turismo e seus visitantes para a economia local. Com isto, é possível que haja uma gestão mais inteligente do turismo, com menos aglomerações e mais responsabilidade. Esse processo de escolha, contudo, passará pelo nível de confiança com o local e seus prestadores de serviço”.

Efeito da vacina - indústria de viagens_Paulo Salvador

Para Salvador, os ecossistemas do setor passarão a atuar de forma mais integrada do que nunca

Vacina: perspectivas e mudanças no cenário

Em decorrência da chegada da vacina, a expectativa é de mudanças no cenário atual. Agora, a recuperação aos padrões conhecidos antes da pandemia certamente continuará de forma lenta e gradativa. “O que tenho ouvido de especialistas é que não existe processo de normalização de todo nosso sistema antes de 10 anos”, comenta Salvador. “Imunizar a população contra uma determinada doença pandêmica demora muito mais do que as pessoas estão discutindo. O que se pode tirar de conclusão nesse processo pré e pós-vacina é que viveremos em uma situação intermediária por um bom tempo”, acredita.

Por situação intermediária pode-se entender como um período de adaptação, explica Salvador. “Não são questões de seis, oito meses. Nós vamos viver uma situação intermediária por pelo menos quatro ou cinco anos”, projeta. “Essa situação levará o setor a receber três tipos de viajantes: os imunizados, que já pegaram a doença; os vacinados e aqueles que não são nem vacinados nem imunizados. Portanto, ainda vai haver muita confusão nesse processo transitório até que uma vacina traga a normalidade dos níveis pré-pandemia”, analisa.

Com isso, projeta-se também muitas mudanças no setor. “No lazer, as alterações ainda estão em curso. No corporativo, elas vão ficar cristalizadas para sempre”, pontua Salvador. Isso porque, segundo o profissional, os novos comportamentos influenciarão permanentemente a área de negócios. “As pessoas se acostumaram a trabalhar por meio do Zoom, que em fevereiro tinha cerca de 10 milhões de reuniões online por dia. Hoje, são 300 milhões”, comenta. “O impacto disso é que as pessoas vão se acostumar a fazer reuniões e projetos acontecerem muito mais remotamente do que indo no local”, acrescenta.

Projetando datas mais próximas, Charuta entende que, no curto prazo, a vacina permitirá o retorno de alguma demanda reprimida. “O segmento de amigos e parentes deve ser acompanhado de perto, à medida que se reúnem. Pessoas que viajavam com frequência também expressaram um grande desejo de retomá-las e, provavelmente, serão um dos primeiros a pegar a estrada”. Já os viajantes mais velhos e aqueles em grupos de alto risco, segundo ele, podem precisar de um pouco mais de tempo.

A pesquisa mais recente de Phocuswright indica ainda que os viajantes se sentiriam mais confortáveis para viajar se a taxa de infecção do destino fosse baixa e com vacina já disponível. “No entanto, vemos diferenças na disposição de viagens por faixa etária. Os viajantes mais velhos são mais cautelosos”, conta Charuta.

“Esperamos ver a demanda por viagens aumentar assim que a vacina estiver disponível. No entanto, as condições econômicas afetarão a recuperação, visto que os orçamentos podem estar sob pressão. Outras prioridades como visitar a família e parentes podem ganhar espaço também. Não esperamos ver uma recuperação total do turismo até pelo menos 2023”, estima.

Efeito da vacina - indústria de viagens_Charuta Fadnis

Charuta: no curto prazo, a vacina tende a estimular uma demanda reprimida além da atual

(*) Crédito da capa: Alyssa Schukar/The New York Times

(**) Crédito das demais fotos: Divulgação