Propósito. Se sua organização não tem um, é hora de rever isso o quanto antes! No Hotelier News, por exemplo, ele pode ser resumido pela frase levar informação de qualidade para o mercado hoteleiro. Além do óbvio objetivo de gerar valor e riqueza ao longo do tempo (finalidade comum a qualquer empresa privada), temos como meta também deixar nossos leitores preparados para os desafios do setor. Estar atualizado sobre as últimas tendências do mercado para nos manter relevantes entre os melhores produtores de conteúdo da nossa indústria é uma de nossas motivações para seguir em frente no trabalho.

Por que estou escrevendo tudo isso? Porque, por mais estranho que possa parecer, há um paralelo grande entre isso e o assunto que vamos abordar nesta reportagem. Sim, porque para adequar sua estratégia à agenda ESG, as organizações interessadas certamente carregam atributos ambientais, sociais e de governança em seu propósito, assim como precisam construir metas claras para fazer a transição dentro dessa jornada. Agora, o que muitas vezes diferencia uma empresa da outra nesse processo é a motivação e, de fato, isso pode variar bastante, como explica Daniela Coelho, diretora de Riscos e Sustentabilidade da ICTS Protiviti.

“Vemos um movimento de todos os setores preocupados com a agenda ESS. Agora, cada empresa tem sua motivação nessa jornada: umas querem abrir capital, outras têm uma cobrança vinda do Conselho de Administração ou estão implementando regras mais rígidas de compliance para atender à demanda de acionistas. Varia muito”, afirma a executiva, que há 14 anos trabalha com consultoria e auditoria, prestando serviços especializados em gestão de riscos e, nos últimos tempos, em ESG. “E, de fato, recentemente estamos tendo muito mais trabalho”, completa.

Mesmo se sentando na cadeira de diretora de Sustentabilidade há quase um ano e meio, Daniela explica que há uma íntima ligação entre o tema e gestão de riscos, área da qual atuava anteriormente. “Este movimento recente em torno do ESG conversa com uma demanda do mercado financeiro na questão da sustentabilidade. Qualquer investidor olha onde vai colocar seu dinheiro e, óbvio, são decisões que envolvem riscos”, comenta. “Fazendo um paralelo com a hotelaria, o ambiental é um ponto estratégico, pois riscos climáticos podem impactar os resultados de um resort litorâneo, por exemplo. Não se trata de sustentabilidade por sustentabilidade. Qualquer questão que traga riscos ao negócio deve ser mapeada e gerida.”

Maturidade

Além da motivação, outro ponto que diferencia as organizações nesta jornada de transformação é o nível de maturidade. No geral, as empresas brasileiras ainda dão os primeiros passos nesta agenda, embora a maioria realize alguma iniciativa de maneira isolada – às vezes até mais de uma. Numa escala de um a cinco, metade delas está no primeiro nível, aponta estudo da ICTS Protiviti feito com 100 companhias nacionais de diferentes segmentos e portes.

Propósito - agenda ESG hotéis _ Daniela Coelho

Daniela: para avançar no ESG, alta gestão precisa ‘patrocinar’

“Apenas 4% estão no estágio mais avançado e, entre elas, não há relação com segmento de atuação ou porte. Pela nossa observação, o baixo grau de maturidade tem muito mais a ver com o tema ser ou não uma prioridade para a alta gestão”, comenta Daniela. “Geralmente, as empresas do primeiro estágio têm alguma iniciativa, seja uma certificação ambiental, um projeto voluntário ou um código de ética estabelecido. Só que isso não está dentro de uma estratégia de atuação definida. São ações com pouca coordenação entre elas e dependente da proatividade das áreas para serem executadas”, destaca.

O modelo de análise de maturidade da pesquisa considera seis pilares: Stakeholders; Estratégias e Políticas; Processos; Comunicação e Reporte; Metodologia; Sistemas e Dados. Embora o primeiro tema tenha sido o que apresentou melhor resultado entre as companhias entrevistadas (com 32% numa escala de 0 a 100), o estudo mostra que há ainda muito espaço para evoluir nos diálogos e no engajamento com as partes interessadas. E, explica Daniela, esse ponto é efetivamente estratégico.

“Levar essa mensagem para os demais stakeholders da empresa é fundamental. Há estudos que mostram que, no lado ambiental, dois terços da chamada pegada ecológica (ecological footprint) de qualquer organização é originada na cadeia produtiva”, comenta a especialista. “E, para levar essa mensagem, dois pontos são fundamentais: ‘patrocínio’ da alta gestão e engajamento do público interno. Um está relacionado ao outro, é bom ressaltar”, acrescenta.

A diretora da ICTS Protiviti comenta que, em relação à alta gestão, há muitas vezes um processo educativo a ser feito. “Geralmente, esses executivos têm naturalmente uma cultura de busca sempre pelos resultados. Então, é necessário desenvolver neles o entendimento de que perseguir a agenda ESG joga contra esse objetivo. Pelo contrário, atualmente bancos concedem acesso em melhores condições ao mercado de capitais em troca de melhorias de processos nas três letrinhas da sigla”, completa.

Avançando na agenda

Segundo Daniela, há vários desafios para implementar essa agenda, e isso varia muito de empresa para empresa. Ainda assim, para ela, a governança usualmente é uma questão crítica. Um exemplo: é comum haver baixa equidade de gênero e de raça em conselhos de administração e na alta gestão. “Como tratar esse tema dentro da empresa se o perfil das lideranças é homogêneo”, questiona. “Então, é sempre bom começar pela governança, pois essa letra permite as demais avançarem.”

Ela também diz que é impossível apontar um tempo médio para colocar para rodar essa agenda nas organizações. Segundo a executiva, tudo depende do grau de maturidade da empresa em relação às pautas ambiental, social e de governança. “O ponto de partida é saber o estágio da companhia, o que é feito a partir de um estudo de diagnóstico, que normalmente demora alguns meses. Feito isso, o próximo passo é definir indicadores de desempenho para saber onde avançar – e o mapeamento inicial ajuda nesta priorização –, do contrário tudo fica muito qualitativo”, ensina Daniela. “Agora, essa implementação nunca acaba, pois os riscos do negócio mudam, o que demanda novos processos de adaptação.”

alessandro cunha

Cunha: Aviva planeja chegar ao estágio 4 da ICTS Protiviti em 2025

Ciente de que esse trabalho é contínuo, a Aviva dá seus primeiros passos na implementação de sua agenda ESG. “Diria que estamos ainda no estágio dois”, explica Alessandro Cunha, CEO da empresa, que, inclusive, foi cliente da ICTS Protiviti. “Concluímos o diagnóstico, definimos nossa matriz de materialidade e, agora, estamos fazendo o roadmap para criar os indicadores de desempenho a partir do mapeamento. Em paralelo, criamos um comitê ESG, que tem perfil multidisciplinar, envolve nossas lideranças e já vem atuando na definição de políticas”, revela o executivo, nomeado no final do ano passado para o cargo.

Segundo Cunha, a ambição da Aviva é chegar ao modo gerenciado, com uma estratégia ESG já definida até 2025 – o que significaria atingir a escala quatro na pesquisa da ICTS Protiviti. “Tínhamos muitas ações sendo feitas, mas não havia governança e continuidade. Um exemplo: já há alguns anos existe um departamento de Sustentabilidade na empresa. Precisámos de uma ajuda para saber o que era importante para a Aviva e a Daniela foi importante nisso”, conta.

“O próximo passo agora é começar a implantar a governança, com as agendas definidas para cada área. Obviamente, isso vai se refletir diretamente no engajamento dos nossos 3,3 mil colaboradores, porque penso que nossas lideranças já abraçaram a ‘causa’. Para atingir nosso público interno, em especial, estamos elaborando um plano de comunicação para levar a eles maior conhecimento sobre os temas que envolvem nossa agenda”, avalia.

Agora, Cunha sabe que tudo isso é o que está ao alcance mais fácil da Aviva. “É tudo intramuros, certo? Cabe a nós executar bem nossa governança para as coisas avançarem. Então, entendemos que o S (Social no acrônimo ESG) é um desafio grande. Isso porque envolve uma série de stakeholders dos quais precisamos criar um bom relacionamento, e o mesmo vale para o ambiental, principalmente em relação aos fornecedores”, afirma. “Veja como a governança é vital”, complementa Daniela, indicando que é ela quem dá as diretrizes para avançar nas demais pautas (sociais e ambientais).

E o propósito?

Mais à frente nesta agenda, a Atlantica Hospitality International aproveitou os dias seguintes ao Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado em 5 de junho, para lançar oficialmente o Programa Aja. O projeto sintetiza as diferentes frentes da operadora ligada à agenda ESG, com metas de curto e médio prazo definidas para os três pilares do acrônimo. Esse estágio mais avançado pode ser explicado, na visão de Eduardo Giestas, pelos processos de governança já desenhados na operadora antes mesmo da criação do Aja.

“Para nós, era uma questão já bem endereçada, e por uma razão óbvia: os fundos internacionais que são nossos acionistas. Então, desde que essa empresa foi adquirida em 2014, trabalhamos para desenhar nossa governança”, explica o CEO da Atlantica. “Da mesma forma, se amanhã decidirmos abrir capital na bolsa de valores, teremos que fazer adaptações, mas já temos processos bem estruturados”, completa.

Atlantica - Aja_meta ambiental 1 a 4

Metas definidas pela Atlantica fazem “brilhar olhos” de investidores

Além do desafio de engajar seus colaboradores, Giestas reconhece que há outros para lidar fora dos muros da empresa. “Sim, temos relações com terceiros nos quais que o nível de controle é mais baixo”, afirma o executivo, citando especificamente fornecedores e investidores. No primeiro caso, ele diz que a Atlantica tem um código de conduta bem montado e comunicado, o que já seria uma “barreira natural” para possíveis problemas de compliance com esses parceiros.

“Podemos ser flexíveis e agressivos comercialmente, mas somos inflexíveis quando envolve regulação”, assegura. “Agora, sim, com os investidores a relação é um pouco mais complexa, mas pautamos a relação dessa forma também”, completa. Independentemente disso, a operadora paulista parece ter sido bastante certeira nos indicadores escolhidos para medir seus resultados e avançar na agenda ESG.

Na esfera ambiental, por exemplo, todas as metas estabelecidas fazem brilhar os olhos desses importantes stakeholders, e por um motivo muito simples: se os objetivos forem alcançados, condomínios e investidores terão uma redução significativa de custos. “Há, portanto, benefícios para os dois lados. Endereçaremos impacto no meio ambiente, que é uma demanda do consumidor, e no custo variável e direto dos hotéis, o que acreditamos que facilitará o engajamento”, explica Giestas.

“Então, com controle de eficiência, vamos trazer valoração do negócio no longo prazo. Sim, miramos o ganho do capital sempre, mas é possível fazer isso seguindo a agenda ESG. Nós, como organização, queremos, além de entregar resultados, contribuir para melhorar a sociedade. Isso move nosso grupo”, acrescenta o CEO da Atlantica.

Propósito, propósito e propósito. A Aviva tem o seu, que é muito parecido com o da Atlantica, e que por sua vez é diferente do nosso. Em comum, a vontade de impactar positivamente a sociedade. E esse é um primeiro passo fundamental para que nossas empresas colaborem na criação de um mundo mais justo e sustentável. Vamos nessa!

(*) Crédito da capa: iStock-1381963401

(**) Crédito da foto: Divulgação/ICTS Protiviti

(**) Crédito da foto: Divulgação/Aviva