O mês de junho pode até ter acabado, mas o Orgulho LGBTQIA+ se mantém constante durante o ano todo. Mesmo que a Parada tenha sido um sucesso para hotelaria paulista, o turismo não pode esquecer desse importante nicho de mercado nos meses restantes. Além de ter um padrão de consumo mais elevado, a comunidade é bastante crítica, portanto ações e campanhas direcionadas a esse público devem ser realizadas com consciência e responsabilidade.

De acordo com Bianca Dramali, professora e pesquisadora de comportamento do consumidor da ESPM Rio, o público LGBTQIA+ costuma ter maior poder de compra que a média da população. “Isso é fato por um motivo demográfico. Normalmente, são casais que não tem filhos, em que ambos são economicamente ativos, o que garante maior poder aquisitivo”, afirmou em entrevista ao Hotelier News. “E não se trata apenas de dinheiro, mas também de tempo disponível, que é bastante necessário para um consumidor de turismo”, acrescenta.

Além do processo de adoção ser burocrático e demorado, a legislação brasileira ainda é bastante limitada nesse sentido, o que gera um outro perfil de consumo. “Por conta disso, muitos não passam pela paternidade ou maternidade. Como consequência, seus desejos são diferentes de casais heterossexuais e o consumo acaba voltando à satisfação da própria identidade”, explica Roberto Kanter, professor de MBA da FGV e diretor do Canal Vertical.

Contudo, é preciso tomar cuidado com generalizações, visto que nem toda a comunidade LGBTQIA+ faz parte de uma fatia mais abastada da população. “Somos um recorte da sociedade, dado que existem pessoas LGBTs de todas as classes, logo a diferença está no comportamento de consumo. Há pesquisas que apontam que valorizamos mais viagens, cultura e gastronomia. São hábitos de consumo considerados de classe elevada”, pontua Alex Bernardes, fundador e diretor geral da LGBT+ Turismo Expo.

LGBTQIA+ -Bianca Dramali

Bianca: causa precisa ser abraçada o ano todo

Comportamento de consumo

Com o objetivo de traçar padrões de comportamento de consumo desse grupo em diferentes frentes, a Nielsen realizou a pesquisa Comunidade LGBTQIA+: o que está em foco?. O levantamento, divulgado pelo portal Propmark, aponta que esse público é um dos que mais consome conteúdos de plataformas digitais e produtos de e-commerce, além de ter forte presença em redes sociais.

De acordo com o estudo, 76% dos consumidores LGBTQIA+ realizam compras online e recorrem ao uso de smartphone para efetivar novas aquisições, frente aos 70% da população em geral. Já em relação às redes sociais, o levantamento revela que eles dedicam, em média, 2,22 horas ao Instagram, quase meia hora a mais que a média geral (1,73). No caso do Twitter, a comunidade passa em média 0,88 horas, enquanto a população em geral gasta apenas 0,59 horas.

Para Bernardes, a melhor forma que o hoteleiro pode se aproveitar dessa aptidão do público LGBTQIA+ pelas plataformas digitais é utilizar bancos de dados que cruzam essas informações e que se comuniquem com o grupo. “Não basta apenas comunicar, é necessário estar alinhado com as demandas e capacitado para receber esse público. Da mesma forma que usamos essas tecnologias para consumir, também utilizamos para espalhar notícias e reverberar experiências ruins”, explica.

Para gerar maior impacto, as campanhas precisam causar identificação no consumidor. “É preciso fazer com que as pessoas vejam o produto e digam ‘isso é pra mim, eu gosto e combina comigo’. Se a marca quer conversar com esse público, ela precisa entender suas particularidades”, indica Bianca. “Isso não significa abandonar o branding da marca e fazer o que está em alta, mas saber aplicar esses conhecimentos de forma que ambos caminhem juntos”, continua a professora.

É importante ressaltar que identificação não quer dizer replicar estereótipos. Para 52% dos entrevistados da pesquisa da Nielsen, é crucial evitar esta prática em publicidades e programas. “É importante não estereotipar e de fato trazê-lo para dentro da gestão do negócio, com a voz e verdade desse público. É essencial conhecê-lo para desenvolver uma melhor maneira de atendê-lo”, completa Bianca.

Alex Bernardes

É preciso estar alinhado com as demandas, diz Bernardes

Influenciadores digitais

Ainda que o público LGBTQIA+ não seja mais engajado com influenciadores digitais que o público geral, a preocupação com a responsabilidade social é fator determinante. Segundo a pesquisa, 29% dos entrevistados da afirmam que o compromisso com o tema é essencial para acompanhar um influenciador. Entre a população em geral, este número fica em 25%.

De acordo com Bernardes, neste momento em que as celebridades digitais estão em ascensão, as redes hoteleiras precisam ter certeza de que os influenciadores que estão se aproximando têm capacidade de falar com esse público. “É comum confundir lugar de fala com capacidade. Não é porque uma celebridade é homossexual que ela possui essa expertise. Ele precisa entender que possui privilégios e está numa situação diferente da maioria, por isso é necessáriosaber se comunicar com a maioria de forma que não se torne ofensivo ou marketing reverso”, indica o executivo.

Bianca explica que trabalhar com influenciadores é diferente de comprar um espaço no jornal, pois você não tem muito controle sobre o que uma pessoa vai dizer. “Por isso, é importante monitorar e escolher, não pelo número de seguidores, mas pela pertinência à marca e a identificação do público. Não se deve fazer algo apenas porque todos estão fazendo”, afirma. “Esse público é bastante crítico, então as campanhas têm de ser verdadeiras. Contudo, não há porque ter medo de se comunicar com esse público, basta conhecê-lo melhor”.

Para complementar essa ideia, Kanter pontua que para apelar para esse público, a empresa precisa acreditar de fato na causa. Se não, qualquer erro pode afetar muito a imagem da empresa. “Toda ação de marketing que você faz em falso é um tiro no pé. As ações sociais e de governança tem que partir da cultura da empresa, tem que estar imbuída em todos os colaboradores, tanto do topo como da base. Aos poucos, a comunidade vai reconhecer isso”.

Rodrigo Kanter

Erros podem afetar a imagem da empresa, pontua Kanter

Inclusão e diversidade

A melhor forma que um hotel ou rede hoteleira pode passar maior segurança e se conectar melhor com o público LGBTQIA+ é garantir que o time de colaboradores seja diversificado e inclusivo. “Não posso atrair hóspedes desse público, se não tenho ele inserido no quadro de funcionários. Isso é importante até para entender melhor como atender esse cliente e se comunicar com o público. Se há dúvidas sobre como atuar, uma alternativa é formar um conselho de diversidade e chamar um consultor especializado na questão”, recomenda Bianca.

Ainda que já ajude bastante, segundo Bernardes, não se trata apenas de ter pessoas LGBTs na equipe. “Embora isso já esteja se tornando bastante comum, é importante que esse colaborador tenha liberdade de ser quem ele é dentro do ambiente de trabalho”, explica. “Nosso público tem muita empatia quando vê pessoas da comunidade trabalhando no empreendimento, não só em cargos mais baixos como na diretoria”, acrescenta.

Segundo Kanter, o público LGBTQIA+ não quer ser tratado de forma diferente. “Ao contrário, uma das mais importantes pautas do movimento é a inclusão. Por isso, a hospitalidade precisa fazer o que sabe fazer de melhor, servir e bem receber a todos. De bônus, os hotéis podem mostrar que dentro dele essa comunidade está segura, não só de existir, mas também de serem quem são”, completa.

Para além do mês do Orgulho

Quanto às campanhas de marketing voltadas a esse público, é evidente que são muito expressivas durante o mês de junho. No entanto, de acordo com Sabrina Balhes, líder de Measurement da Nielsen Brasil, é necessário ir além do mês do orgulho e pensar esta causa durante todo o ano, promovendo políticas públicas e corporativas.

“Existem os três C’s que podem fazer o empresariado se virar para questões de sustentabilidade, que são Consciência, Conveniência ou Constrangimento”, afirma Bianca. “Poderíamos, no entanto, acrescentar outro C: a Consistência, a importância de ter uma ação mais consistente e consolidada em todas as iniciativas da marca.”

“Muitos influenciadores, inclusive, aproveitaram o mês de junho para fazer críticas construtivas em relação a marcas que se aproveitam do período para dizer que abraçam a causa”, relata Bianca. “Quantos por cento dos seus funcionários são da comunidade? Em casos de preconceito dentro do estabelecimento comercial, qual foi a atitude da empresa?”, lista a professora.

“Há casos muito emblemáticos em outros setores. Há cerca de dois ou três anos, houve um caso de injúria racial dentro de uma unidade do Starbucks”, exemplifica Bianca. “Na ocasião, a companhia fechou todas as lojas norte-americanas durante uma tarde inteira, para poder reorientar o time sobre a questão, mesmo a custo do faturamento.”

“Hoje se fala muito mais em storydoing que storytelling, ou seja, não adianta apenas contar histórinhas no mês de junho e não fazer nada no restante do ano”, finaliza Bianca.

(*) Crédito da capa: Mercedes Mehling/Unsplash

(**) Crédito das fotos: Divulgação