Um segmento que gera muitos negócios e que movimenta outros 50 dentro de sua cadeia produtiva. Um dos setores mais afetados pela pandemia, apesar dos rígidos protocolos desenvolvidos e das constantes tentativas de articulação com as autoridades. Respirando por aparelhos, o mercado de feiras, congressos e eventos teve seu supiro de recuperação solapado pela segunda onda e a consequente retomada de medidas restritivas, como as anunciadas pelo governo de São Paulo ontem (3). Para saber as perspectivas dessa vasta indústria, o Hotelier News conversa hoje (4) com uma de suas vozes mais representativas: Paulo Passos.

Diretor-executivo da Abrace (Associação Brasileira de Cenografia e Estandes), Passos tem uma longa trajetória profissional no setor de eventos. Aliás, essa ligação vem do berço. “Comecei minha vida profissional, no final da década de 1970, trabalhando com meu pai, um dos precursores das feiras no Brasil”, relembra Passos. “Não raro, afirmam que nasci dentro das feiras. Isso porque, junto com outros colegas assim como eu filhos dos diretores das primeiras feiras, cresci frequentando as casas da Rua Brasilio Machado, sede da Alcântara Machado, empresa de Caio de Alcântara Machado, empresário que dá nome a que foi a maior empresa promotora de feiras do Brasil”, completa.

Apaixonado pelos filhos, skate, motos e uma boa cerveja com amigos, “que não podem faltar em minha biografia”, Passos conversou também com a reportagem sobre o momento atual do setor e as diferentes ações implementadas para salvá-lo, assim como o impacto da tecnologia que os eventos híbridos representam. “As tecnologias existentes não são concorrentes e os eventos virtuais podem, se fizerem parte do contexto, serem ferramentas agregadoras e facilitadoras, capazes de na mão de profissionais cada dia mais antenados de colaborar na oferta de experiências”, avalia.

Três perguntas: Paulo Passos

Hotelier News: Qual sua visão a respeito do posicionamento do governo quanto ao setor de eventos? O que poderia ter sido feito e quais iniciativas destacaria como benéficas ao segmento?

Paulo Passos: Recentemente comentei que, na briga entre a cruz e a espada, representações análogas da saúde e da economia, onde a cruz representa a saúde e a espada a economia, o grande vencedor foi a política. O setor de eventos, em especial as grandes feiras e eventos comerciais na capital paulista, foram aniquilados. Veja, estamos falando de um tripé econômico que não se movimenta e está estagnado. Primeiro, temos toda cadeia produtiva da indústria de eventos. Venues, promotores e montadores e cenógrafos, somando-se a um exército composto por diversas empresas prestadoras de serviços. São milhares de empresas que estão fechando e profissionais desempregados, sem condições de se sustentar. Segundo, as feiras fomentam mais de 50 setores macroeconômicos e, sem nossa atividade, toda uma cadeia desmorona. Um exemplo? A hotelaria em São Paulo, preparada e montada para atender à indústria das feiras, neste momento trabalha com números pífios. Milhares de leitos fechados e trabalhadores da hotelaria desempregados. A terceira perna deste tripé econômico é formado por milhares de expositores de pequeno e médio porte que necessitam das feiras para comercialização de seus produtos. Veja, a economia se constrói por meio da participação e trabalho da micro, pequena e média empresa. Cabem a elas a maior parcela da geração de divisas e empregos e, infelizmente, não dispõem dos recursos financeiros que as grandes empresas detêm. Feiras são reconhecidas mundialmente como vetor econômico e utilizadas há anos como principais ferramentas de fomento do comércio mundial, possibilitando ainda a inserção de produtos e serviços da micro, pequena e média empresa no comércio mundial.

No segundo semestre de 2020, as principais entidade que representam as feiras, congressos científicos e empresariais (Ubrafe, Sindiprom, Abeoc Brasil e Abrace) criaram e chancelaram no Hospital das Clínicas o principal protocolo de biossegurança para retomada, promovendo, inclusive, a Expo Retomada, evento teste no qual tudo foi aplicado na prática. Nosso setor está parado há um ano e não temos como esperar a imunização da população. Evento necessita de planejamento e tempo para sua preparação. Uma das consequências da paralização em São Paulo é o início do fluxo de eventos sendo transferidos para outros estados, como forma de viabilizar suas realizações. O receio é que não voltem ao nosso estado. Não abrimos de um dia para o outro, como o comércio assim o faz, mas, se autorizados, podermos não só iniciar o movimento de retomada econômica, mas liderá-lo. Nossas empresas estão quebrando, multinacionais do setor saindo do Brasil e milhares de profissionais sem emprego e, desta forma, nossa capacidade de fomento econômico bloqueada. Se analisarmos pelo ponto de vista numérico e de biossegurança, um shopping em tempos normais recebe por mês o que um grande pavilhão de feiras de São Paulo receberia por ano. Isto, ainda, sem contar que sabemos quem frequenta nossos eventos e temos controles protocolos rígidos. O setor de feiras é signatário da luta e prioridade a vida e a maior preocupação de nossas empresas é a segurança dos seus públicos (interno e externo). Segurança é coluna cervical do profissional de eventos.

“Evento necessita de planejamento e tempo para sua preparação. Uma das consequências da paralização em São Paulo é o início do fluxo de eventos sendo transferidos para outros estados, como forma de viabilizar suas realizações. O receio é que não voltem ao nosso estado” – Paulo Passos.

HN: De que forma a Abrace se mobilizou em prol dos profissionais e associados intimamente impactados pela paralisação das atividades?

PP: Diversas ações foram e estão sendo desenvolvidas em prol doa interesses dos associados e, consequentemente, do mercado. Entre elas, a correalização da Expo Retomada, reuniões com autoridades da esfera pública para liberação dos eventos, elaboração de protocolos para o setor em conjunto com outras associações e assinatura dos termos para a volta dos eventos na cidade de São Paulo. A Pandemia não acabou e nossa briga também não. Somos poucos ainda, perto do universo de empresas de cenografia e montagem de estandes, mas os associados da Abrace acreditam que podem fazer diferença e estão fazendo! Ao todo, um conjunto de 20 principais ações foram implementadas. Entre elas, a elaboração e entrega de mais de 50 documentos, nas três esferas de governo, em defesa dos interesses do setor; a realização da Expo Retomada; participação da entidade na criação do Go Live Brasil, movimento internacional dedicado à criação de um protocolo para o mercado de Live Mkt; criou o projeto Abrace esse Talk, que permitiu a proximidade de inúmeros profissionais do setor com os nossos associados.

HN: Mesmo com a chegada da vacina, o cenário é incerto para o setor de eventos. Além dos formatos híbridos que ganharam forte adesão em 2020, como você enxerga o mercado em 2021? Quais categorias (feiras, congressos, exposições) devem sair na frente?

PP: Alguns países, estados ou cidades, entenderam que a pandemia não acabará de uma hora para outra ou rapidamente. Diversos motivos, que vão da capacidade de fabricação, logística ou fatores políticos, impedem-no de acordar de uma hora para outra deste pesadelo sanitário e econômico. Temos de aprender a conviver, sabe se lá até quando, com este fato. Esperar, como defendem alguns, que toda a população esteja vacinada para retomar é aniquilar o setor de eventos no Brasil. Se permitidas, em especial as feiras liderarão a retomada econômica. Não esqueçam que estamos falando da principal ferramenta de fomento do comércio brasileiro e mundial.

Quanto aos eventos híbridos, penso que a evolução tecnológica, é algo corriqueiro em nossas vidas. Veja, há 40 anos tínhamos no máximo o sistema central de som do Anhembi para nos comunicar. Outro exemplo, e lembrando que tecnologia não necessariamente é algo ligado a ficção cientifica ou a máquinas, mas à maneira de fazer, é o fato de que, há 25 anos por exemplo, não tínhamos condições de fazer uma feira sem a figura de um diretor comercial. Hoje, vislumbramos profissionais especializados, tais como o CTO (Chief Technology Officer) ou o CIO (Chief Information Officer) ou mesmo o CMIO (Chief Marketing Information Officer). Das campanhas de outdoor às redes sociais. O fato é que, independentemente das siglas, o mundo digital veio para ficar e somar. Chegou para ser uma ferramenta imprescindível para o sucesso de nossos eventos, sendo que novos profissionais passam a dominar a cena. Algo apenas não mudou. A essência, o motivo pelo qual existem os eventos. As tecnologias existentes não são concorrentes e os eventos virtuais podem, se fizerem parte do contexto, serem ferramentas agregadoras e facilitadoras, capazes de na mão de profissionais cada dia mais antenados de colaborar na oferta de experiências.

(*) Crédito da foto: Divulgação/Abrace