Paulo Mélega - tres perguntasMélega: o problema atual é de falta de demanda e não de preço

Filmes e livros sobre fatos históricos são um dos hobbies de Paulo Mélega, diretor de Operações da Atrio Hotel Management. O que ele não imaginava é que vivenciaria uma grande "ficção" em pleno 2020. Isso tudo em um contexto no qual a rede vivia expansão e recuperação, assim como todo setor hoteleiro no Brasil após anos de crise.

Paulistano, descendente de italianos e palmeirense fanático, o executivo é formado em Administração de Empresas pela FGV (Fundação Getulio Vargas), com especialização em Investimentos Hoteleiros pela Cornell University. Em sua trajetória, acumula passagens por empresas como Transamerica São Paulo, Bourbon Hotéis & Resorts e a Incorporadora Praias, sendo responsável pelo lançamento de condo-hotéis no estado de São Paulo.

Já habituado a convites do Hotelier News, Mélega revelou os planos de reabertura da Atrio, dividido em três fases: reação, preparação e retomada. Com 80% do portfólio operando, a administradora vê a crise como um cenário de oportunidades – e prato cheio para o setor de franquias. Até dezembro, a rede pretende abrir mais 10 empreendimentos, entre conversões e novas propriedades, número 20% acima do registrado em 2019. “Na crise não basta sobreviver. É preciso crescer, criar novas perspectivas”.

Três perguntas para: Paulo Mélega

Hotelier News: Qual a situação atual dos empreendimentos operados pela Átrio? Como a rede vem se preparando para a retomada?

Paulo Mélega: A Atrio tem mais de 30 anos e opera 55 unidades em todas as regiões do Brasil. Somos atualmente a quarta maior administradora hoteleira do país. Lidamos com a crise em três fases: a primeira fase foi a da reação, quando percebemos que haveria uma queda abrupta de demanda, isso já em março. Montamos um Comitê de Crise e agimos com rapidez para fechar temporariamente os hotéis, dando férias coletivas, readequando o quadro de colaboradores e, posteriormente, entrando na MP 936. Renegociamos contratos com fornecedores, prorrogamos pagamentos, suspendemos serviços, numa tentativa de preservar o caixa das unidades e da empresa diante de um cenário inédito sem receita. Mantivemos uma comunicação próxima com as equipes e com os investidores e conselhos dos hotéis, informando o que a rede estava fazendo e planejando para enfrentar a crise.

A segunda fase foi a da preparação, período que compreendeu os meses de abril e maio, quando suspendemos temporariamente a operação de todos os hotéis em função dos impactos da pandemia. Nesses dois meses trabalhamos intensamente por meio de comitês temáticos para preparar as reaberturas, criando um Manual de Operações com mais de 150 novos protocolos visando à segurança sanitária de colaboradores e hóspedes. Nesse momento analisamos também a situação de mercado de cada hotel individualmente, verificando itens como atuação da concorrência, estágio da pandemia, retorno da malha aérea, perfil de demanda, entre outros, para decidir o melhor momento de reabrir cada um.

A terceira fase é a da retomada, ou seja, da reabertura dos hotéis. Em junho, reabrimos 40% dos empreendimentos em cidades menos impactadas pelo Covid-19 e que têm demanda mais regional e menos dependente de malha área. O desempenho surpreendeu em algumas localidades, superando 30% de ocupação já no primeiro mês, o que, para o cenário atual, pode ser considerado positivo. Temos mantido os custos bem enxutos, diminuindo o ponto de equilíbrio operacional. Em junho, tivemos um ibis com 22% de ocupação que gerou resultado operacional positivo, contrariando a média anterior à pandemia, que indicava quase 35% de ocupação como equilíbrio operacional. Em julho, reabrimos mais 40% dos hotéis e, atualmente, estamos com 80% do portfólio da Atrio em operação. Importante salientar que adotamos o selo AllSafe da Accor para comunicar ao mercado os protocolos adotados para garantir a segurança de hóspedes e colaboradores. A marca internacional da rede francesa e a certificação têm sido importantes nesse momento, para passar credibilidade e confiança aos clientes. Outra frente de trabalho fundamental é a busca de receita. Estamos trabalhando intensamente com as áreas de Vendas e Marketing, buscando trazer o máximo de receita e aproveitar as oportunidades de cada mercado. O perfil do cliente mudou nesse momento, com pouca antecedência de reserva e preferência por transporte rodoviário, e nós mudamos a estratégia também para sermos mais assertivos. No lado do RM temos buscado não entrar em guerra tarifária, por entender que o problema atual é de falta de demanda e não de preço. É fundamental não reduzir as tarifas nesse momento. As ocupações estão crescendo a cada semana, ainda que em níveis ainda abaixo do período pré-crise. A situação da pandemia ainda inspira cuidados e, muitas vezes, estamos sendo surpreendidos com lockdown em algumas cidades, revertendo as curvas de crescimento. Temos duas sensações em relação à retomada: a primeira é que o pior da crise já passou, quando ficamos com todos os hotéis fechados; a segunda é que todo esse processo será trabalhoso, lento e não linear, mas já começou. Estamos otimistas.

HN: Como foi dito na live, o setor de franquias será uma saída para a hotelaria independente. Como está o desenvolvimento de novas unidades? Qual foi o impacto da pandemia?

PM: A Atrio sairá da crise maior do que entrou. Temos a previsão de abrir mais 10 hotéis até dezembro de 2020, entre conversões e novas construções. No final desse ano, teremos 65 propriedades em operação e mais de 8 mil quartos sob gestão, crescimento de cerca de 20% em relação a 2019. Embora a retomada da economia seja sabidamente lenta no pós-pandemia, estamos aproveitado as oportunidades de crescimento e estaremos prontos e bem posicionados para quando o mercado voltar. Continuamos acreditando no mercado e no modelo de franquia. Ficou claro nessa crise que a capacidade de gestão associada a uma marca forte podem fazer a diferença entre sucesso e fracasso do negócio. Temos como DNA uma obsessão por resultados, por meio do foco na qualidade entregue ao cliente, no cuidado com o patrimônio e na capacidade de entrega de retorno ao investidor. Temos sido muito procurados nesse momento para agregar esse conhecimento em hotéis existentes e em desenvolvimento. Ao contrário do que alguns podiam imaginar, estamos acelerando o desenvolvimento de unidades nesse momento, o que traz maior escala para empresa, sinergia e benefícios para todo o portfólio já administrado. Na crise não basta sobreviver. É preciso crescer, criar novas perspectivas. Sairemos ainda mais fortes dessa pandemia.

HN: Como a Atrio está ajustando os prejuízos ao lado dos investidores? Que ações vêm sendo feitas para recuperar o caixa?

PM: O nosso principal modelo contratual é o de locação. Alugamos os hotéis dos investidores e implantamos uma operação hoteleira, com distribuição de aluguel aos proprietários. Nesse caso, o risco de caixa é da Atrio, ou seja, os investidores não são chamados a aportar capital para cobrir o prejuízo dos hotéis. Claro que isso traz uma pressão enorme no nosso caixa. As principais ações que fizemos para atravessar esse momento foram as renegociações contratuais com fornecedores, diferimento de pagamentos e obtenção de linhas de crédito. Mesmo assim, os hotéis acumularam prejuízo nos últimos meses, sendo suportados pela Atrio, e que deve ser compensado a partir do momento em que os empreendimentos reabrem e passam a ter resultado operacional positivo. Em alguns casos, o fundo de reserva dos hotéis pode ser utilizado como capital de giro momentâneo, sendo depois recomposto. A principal ação de recuperação de caixa, contudo, é mesmo a reabertura e melhora de performance nos próximos meses.

(*) Crédito da foto: Divulgação/Atrio Hotel Management