As obrigações de Mariana Aldrigui vão muito além de presidir o Conselho de Turismo da FecomercioSP e ser professora e pesquisadora da EACH/USP (Escola de Artes, Ciências e Humanidades/Universidade de São Paulo). Uma das maiores estudiosas da indústria de viagens no país, a especialista afirma ter parado no tempo em termos de música e ainda ouve os principais flashbacks dos anos 1990. Nascida e criada em Limeira (SP), considera-se paulistana de coração, vivendo na capital desde 1994. Ah, quando não está dando aulas e debruçadas em números, dedica-se às suas gatas Gin e Ton.

Além de aproveitar suas “filhas”, Mariana também se diverte fazendo o que mais gosta: consumindo turismo. Leitura de dados, tendências e pesquisas internacionais são passatempos, além de acompanhar notícias, séries, filmes e livros sobre o segmento. Para se desligar por completo (algo quase impossível, ela diz), costuma acompanhar as “bobagens” da  internet, especialmente no Twitter.

Uma das fontes mais utilizadas no meio jornalístico do turismo, Mariana Aldrigui é a convidada de hoje (15) do Hotelier News na sessão Três perguntas para. Confira a entrevista completa abaixo:

Hotelier News: Qual sua visão a respeito da situação atual do setor no Brasil? Quais são os caminhos para superar as dificuldades dos últimos meses e como se preparar para uma retomada sustentável?

Mariana Aldrigui: O turismo brasileiro sempre se comportou como um setor empresarial, sem claro envolvimento do setor público. Empresárias e empresários é que apostaram no setor e buscaram construir mercados, nacional e internacionalmente. A partir dos anos 2000 foi possível ver algo mais organizado, porém sempre muito aquém do que seria possível, e do que já havia de benchmarking internacional. Desde 2018, entretanto, entramos num retrocesso que teve seu ponto alto com a ridícula nova marca Brasil e as falas absurdas que já se perderam em meio à sucessão de equívocos e crimes na gestão da pandemia. Neste momento em que te respondo, é impossível conseguir se concentrar em turismo, pois são poucas as informações que nos deem evidências de reorganização nacional. Turismo sempre fica por último, pois depende da recuperação de todos os outros setores – é necessário que a saúde esteja em ordem, que as atividades econômicas se recuperem para que se pense em retomada de investimentos, geração de empregos e, aí sim, renda extra nas famílias para que se faça turismo como víamos até 2019. A triste impressão que me dá é que poucos do turismo estão dispostos a questionar que todas essas falhas de gestão na pandemia levaram o Brasil a ser o epicentro da contaminação mundial, e isso afetará o turismo (a imagem e os brasileiros) por muito tempo – de um lado não seremos bem-vindos nos destinos que gostamos de visitar, do outro estaremos listados como lugar a não se visitar até que haja evidencias claras de segurança. O tamanho do mercado doméstico nos garante alguma sobrevivência, mas precisamos do turismo de negócios e das relações bilaterais fortes para uma efetiva recuperação da movimentação econômica e social do turismo. O caminho passa, naturalmente, pela tomada de consciência sobre o que afeta o turismo de fato, e do quanto o atual governo federal está comprometendo o que já tínhamos conquistado com o setor.

HN: Com o dólar entre R$ 5 e R$ 6 nos últimos meses, o que podemos esperar do turismo brasileiro este ano? Esse aumento na moeda norte-americana pode ajudar o turismo interno?

MA: Não vejo relação, e nem acho que essa será uma preocupação, exceto pelo fato de o combustível de aviação ser dolarizado e que alta do dólar sobe o custo de vida nacional, o que na ponta reduz renda extra para turismo de lazer. Se levarmos em conta a falta de vacinas, os boicotes frequentes à melhor condução da saúde pública, não teremos turismo internacional tão rapidamente. Porém, se quisermos trabalhar em termos de utopia, quanto mais alto o dólar, menor o volume de viagens internacionais e maior o interesse de quem tem renda em fazer turismo por aqui. Mas eu me recuso a dizer que câmbio alto ajuda o turismo brasileiro. O que ajuda o turismo brasileiro sempre será a estabilidade econômica, com previsibilidade para que os empresários possam tomar decisões fundamentadas e adequar seus serviços ao público-alvo que tem disponibilidade para viajar e consumir. Haverá muito mais viagens auto organizadas (carro e casa de temporada ou pousadas) e muito menos pacotes de alto custo.

HN: Como o cenário econômico brasileiro pode e deve influenciar na retomada do setor em 2021?

MA: Acho que qualquer pessoa que faça projeções otimistas não está lidando com dados de realidade. O ano de 2021 será muito pior que 2020, com menos dinheiro circulando no país, menos recursos para ajudas governamentais, menos disposição ao risco por parte dos empresários… Estamos de volta aos anos 1990 e é melhor não falar em retomada, mas em reorganização ou reconstrução. Os próximos meses serão muito assustadores, para todos nós, e há empresas que não vão resistir. Para os que conseguem se animar, é o melhor momento de fazer planos para 2022 em diante, com foco nas classes mais altas, vinculadas ao setor de serviços.

(*) Crédito da foto: Divulgação/Arquivo Pessoal