Três perguntas para - Jeanine PiresJeanine ficou à frente do comando da Embratur entre 2003 e 2010

Jeanine Pires é uma arguta cabeça pensante do turismo brasileiro. Antenada, estudiosa e bastante comunicativa, tem na ponta da língua um discurso certeiro para o desenvolvimento do setor por aqui, em especial sobre a promoção internacional do país. Não à toa, foi uma das mais longevas presidentes da Embratur, comandando o órgão de 2003 a 2010. Atenta às movimentações do mercado, há cerca de dois anos criou o Matcher ao lado de outros sócios, um marketplace de negócios voltado exclusivamente para a promoção do Brasil no mercado internacional que realizou seu primeiro encontro presencial no ano passado.

Convidada para participar do Três perguntas para, Jeanine opinou sobre o impacto da pandemia do coronavírus no turismo e como isso pode alterar o comportamento do consumidor. Ela também não se furtou de falar sobre a Embratur, sua recém-aprovada transformação para agência e sugeriu caminhos possíveis para a promoção internacional do país. 

“É necessário haver uma grande união em torno da imagem do Brasil e da sua promoção para que possamos colher resultados lá na frente”, avalia Jeanine, referindo-se aos setores público e privado. Por fim, comentou também sobre o que espera da retomada do segmento Mice nacional, que, para ela, não deverá perder seu papel como importante gerador de negócios. Confira a entrevista completa abaixo.

Três perguntas para: Jeanine Pires

Hotelier News: Muita gente fala que o mundo será diferente no pós-pandemia. Como será essa nova realidade? Como isso vai se refletir no turismo e no comportamento do consumidor?

Jeanine Pires: Ainda estamos digerindo e tateando para entender como será o mundo no pós-pandemia. Temos certeza, contudo, que não só no turismo, mas em muitas outras atividades, haverá uma série de mudanças de comportamento. Na indústria de viagens, acredito que teremos uma nova realidade no que tange regras de segurança sanitária. Alguns países e empresas já adotam certificações e selos clean and safe. Isso vai valer para o avião, para o restaurante, para o hotel ou até mesmo para o aeroporto… Ou seja, para todos os momentos da viagem. Pode ser também que as pessoas fujam do chamado over tourism e optem por curtir as férias na baixa temporada ou em destinos secundários. Agora, o fato é que o medo do contágio vai permear o comportamento do consumidor. Outra tendência, aí já do lado das empresas turísticas, será a busca por um equilíbrio entre o momento de usar a tecnologia e a interação humana na relação com o cliente. Na prática, é preciso saber a hora certa de usar a inteligência artificial e buscar uma relação mais humanizada. Outro ponto importante é a sustentabilidade, que deve ganhar um peso ainda maior nas decisões dos viajantes. Acredito, no entanto, que o Brasil ainda precisa olhar mais para esse aspecto, não só do lado ambiental, mas também econômico e cultural. Por fim, minha aposta é que as primeiras viagens serão domésticas e para destinos próximos. Só depois retomarão as de negócios e de eventos e, por fim, as internacionais.

HN: Especificamente sobre o segmento Mice, o que acha que poderá mudar?

JP: Novamente, é prematuro fazer projeções. Ainda assim, é muito provável que o segmento Mice retome incorporando novas tendências, caso dos eventos híbridos, que une presencial e digital e que já são bastante difundidos em algumas partes do mundo. A promoção de feiras, congressos e convenções, contudo, continuará sendo um importante vetor de geração de negócios por aqui. O brasileiro ainda preza muito pelo olho no olho, pelas negociações feitas pessoalmente. Então, é óbvio que haverá um crescimento dos negócios fechados virtualmente, mas muitos setores continuarão sentindo a necessidade de promover eventos presenciais. Obviamente, protocolos de segurança sanitária serão exigidos pelos organizadores. Pode ser que num primeiro momento, por exemplo, tenhamos encontros menores, com menos pessoas e restrições de proximidade. Enfim, temos que avaliar como isso vai se desenrolar efetivamente, mas aposto em uma retomada já no final do segundo semestre e, sobretudo, a partir de 2021.

HN: Por fim, gostaria que você comentasse sobre a MP 907 e a transformação da Embratur, autarquia que você comandou, em agência. Como você enxerga essa mudança?

JP: Na época que fui presidente da Embratur, já falávamos da necessidade de transformá-la em agência. A mudança beneficiará muito o turismo internacional do Brasil, sobretudo porque elevará o total de recursos direcionados à promoção do país. No entanto, é preciso ter um corpo técnico de qualidade e, principalmente, um plano e uma estratégia bem definidos para esse novo cenário, até porque as coisas estão acontecendo de formas diferentes em cada país neste momento. Existem muitos destinos turísticos que estão tentando entender como os mercados emissores vão se comportar. Exemplo: países que sofreram mais com o coronavírus provavelmente vão demorar mais tempo para retomar as viagens internacionais. Então, faz-se necessária a realização de um estudo mercadológico completo para entender, entre outras coisas, como está a imagem do Brasil em diferentes mercados. Isso será essencial para definir prioridades de investimento e para estabelecer uma comunicação eficiente com o público, subsidiando ainda a criação de um conteúdo atrativo e envolvente para mostrar o tipo de experiência que os turistas encontrarão por aqui. Acho também muito importante a participação do setor privado nesse processo. É preciso envolver as empresas que trabalham em promoção internacional para que possamos ter uma colaboração, uma venda e estratégia compartilhada entre os setores público e privado. Não cabem iniciativas individuais de cada um desses atores. É necessário haver uma grande união em torno da imagem do Brasil e da sua promoção para que possamos colher resultados lá na frente.

(*) Crédito da foto: Vinícius Medeiros/Hotelier News