Não é pouca coisa: este ano, Cristiano Vasques completa duas décadas de HotelInvest. A hotelaria, contudo, é algo presente há ainda mais tempo na vida de Vasques, que teve uma passagem anterior pela consultoria internacional HVS Global Hospitality Services. Hoje (2), o executivo fez um bate-papo com o Hotelier News sobre as perspectivas do mercado e analisou o apetite do investidor, principalmente institucional, pelo mercado hoteleiro.

Bem, conhecimento não falta a Vasques para opinar. Sócio desde 2007 da consultoria paulista, participou da estruturação do Hotel Maxinvest. Além disso, envolveu-se em mais de 400 projetos hoteleiros em Angola, Portugal e diversos países da América do Sul. Engenheiro de produção formado pela Poli-USP, tem ainda pós-graduação em Gestão Estratégica do Turismo e Hotelaria pela FGV (Fundação Getulio Vargas), além de especialização em Hotel Real Estate Finance pela Cornell University.

Longe do escritório da HotelInvest, Vasques aproveita a vida com outra grande paixão: o ciclismo. “Sou apaixonado, tanto mountain bike, como de longa distância, bem como por trilhas na natureza”, revela o executivo, que aponta algumas aventuras inesquecíveis. “Recomendo as trilhas de bicicleta pela Chapada Diamantina (BA), o trekking das Torres del Paine (Chile) e a subida ao Monte Roraima”, acrescenta. Ele recomenda também duas leituras: Ordem Mundial, do Henry Kissinger, e O povo contra a democracia, obra escrita por Yascha Mounk.

Três perguntas para: Cristiano Vasques

Hotelier News: Na sua visão, com os juros no patamar atual e com o residencial “bombando”, a hotelaria conseguirá atrair o apetite do investidor em 2021? De que forma a pandemia impacta neste interesse em potencial?

Cristiano Vasques: De fato, o nível atual de juros nos trouxe a uma forte procura por novos produtos financeiros. Só em dezembro, foram lançados mais de R$ 7 bi em IPOs (Initial Public Offering) e novas captações (follow-on) de fundos imobiliários. Grande parte disso não foi captado, por diversas razões. Uma delas foi o excesso de lançamentos. Mesmo assim, é um volume expressivo. Não tenho certeza sobre a permanência desse cenário. Os juros de curto prazo estão baixos, mas a curva de longo prazo está alta e subindo. Além disso, temos o risco de uma bomba fiscal e do retorno da inflação. Isso torna as perspectivas de manutenção dos juros em níveis baixos muito incertas – e relativamente improváveis. Isso é o que realmente importa para investidores institucionais e profissionais. De qualquer forma, infelizmente, a hotelaria não é vista como prioritária entre as alternativas de FIIs (Fundos Imobiliários). A falta de tradição de fundos em hotelaria e a má performance do mercado com a pandemia jogam contra. Acredito que a chave para a mudança de comportamento dos investidores passa pela forma como o investidor é remunerado, provavelmente por meio de contratos de locação com mínimos garantidos, jogando mais risco para o operador e tirando um pouco o do investidor.

HN: Hoje, o investidor institucional olha de que forma a hotelaria?

CV: A hotelaria, pela forma como proprietários são remunerados no mercado brasileiro, é vista como uma classe de ativo imobiliário de alto risco, baixa rentabilidade e, no momento atual, muita incerteza quanto ao momento e ao patamar da recuperação que está por vir. Isso tem muita relação com a oscilação recorrente da economia, da oferta e da demanda hoteleira. Ninguém consegue prever o futuro próximo na hotelaria brasileira e isso, aliado às modalidades de contratos que regem a relação entre operadores e investidores no Brasil, faz com que os riscos do negócio, que são muito maiores aqui que em outras economias desenvolvidas, fiquem exageradamente do lado do investidor. Na prática, como um banqueiro conhecido costuma me dizer, a hotelaria é o menos imobiliário dos ativos imobiliários. O que significa que, apesar do endereço e do imóvel serem importantes para a remuneração do ativo, a gestão do dia a dia e a economia de forma geral é que dão o tom do desempenho do hotel. Os investidores percebem que é muito risco e pouco prêmio. Pontualmente, também tenho percebido que muitos investidores questionam sobre os riscos de o pós-pandemia não gerar o mesmo volume de negócios em termos de viagens corporativas e realização de eventos. É uma dúvida pertinente, mas ainda me parece cedo para conseguir ter mais clareza sobre qual será a resposta para essa inquietação.

HN: Em um exercício de futurologia e vendo a recuperação que ganhava força em 2019, como veria sem pandemia?

CV: Essa pergunta dói responder. A razão é simples: estávamos em pleno processo de recuperação com excelentes perspectivas de crescimento de demanda, diárias e resultados. E isso parecia independer de a economia acelerar mais ou menos, era crescimento claro pela retomada dos negócios e pela falta de oferta nova em quase todos os mercados. Acredito que teríamos um ciclo de ao menos quatro anos de crescimento seguido. Ainda acho que esse ciclo vai acontecer. No entanto, esses quatro anos de crescimento viraram quatro anos de queda e retorno ao mesmo ponto. Explico: com a pandemia sendo controlada por meio da vacinação, que deve ganhar tração ao longo do ano, espero superarmos o patamar de 2019 somente em 2023.

(*) Crédito da foto: Divulgação/HotelInvest