O desgaste emocional após um ano e dois meses de pandemia é notável em qualquer pessoa. O desemprego, acumulação de trabalho e o medo da Covid-19 são algumas das questões enfrentadas no dia a dia de muita gente, principalmente em setores mais afetados da economia. Na prática, e olhando diferentes setores, profissionais de redes e hotéis independentes são os que mais precisam de apoio quando o assunto é saúde mental.

Agora, o que a hotelaria têm feito neste sentido? Antes de responder, é preciso deixar claro que, embora a pandemia exija mais do preparo psicológico dos profissionais do setor, já existia a demanda pelo melhor cuidado neste aspecto. O impacto, como em outras áreas, intensificou e chamou à atenção para problemas na saúde mental de colaboradores.

Para a reportagem, o Hotelier News consultou representantes dos dois segmentos da hotelaria: redes e independentes. A Intercity Hotels dá exemplos de como a rede trata o assunto e o Vale do Sonho, em Guararema (SP), mostra como a saúde mental é vista de seu ponto de vista.

  • Intercity

Juliana Laitano, coordenadora de RH (Recursos Humanos) da rede gaúcha, foi a primeira a destrinchar o trabalho realizado para cuidar dos colaboradores em suas unidades. Há três anos, o programa Sinta-se Bem é responsável por tratar de pilares como equilíbrio entre mente e corpo, alimentação saudável e saúde mental. O modelo, de acordo com executiva, instiga a prática de atividades físicas, relaxantes e de alongamento.

“É uma forma de mantê-los bem em todos os sentidos e a pandemia serviu para intensificarmos ainda mais isso. Atrelado ao programa, criamos rodas de conversa para entender anseios e um canal de desabafo sigiloso para situações desconfortáveis, que ainda não teve procura”, ressalta.

Como pode ser visto, a saúde mental de funcionário já era trabalhada pela Intercity antes da Covid-19. Segundo Juliana, outro abordagem utilizada inclui mais diálogo e acolhimento aos mais prejudicados neste sentido. Além disso, realização de palestras e consultas a distância com psicólogos, psiquiatras e até infectologistas, por exemplo, também ajudaram a a manter pessoas bem, mesmo quem estava em home office.

“O objetivo é ajudar a todos. Da camareira ao executivo que trabalha de casa, queremos engajá-los e manter a positividade. O sentimento de segurança, tanto sanitária, quanto do emprego, são igualmente prioridades”, finaliza.

  • Vale do Sonho (SP)

O empreendimento familiar ficou três meses fechados durante a pandemia. De acordo com Ricardo Silva, proprietário do Vale do Sonho, a dimensão de Guararema (SP), onde fica o hotel, contribuiu para que funcionários não se preocupassem muito. “Não tive reclamações de funcionários até o momento. Em momentos específicos, talvez, um ou dois tiveram receio de perder o emprego, mas quase não demiti. Nosso quadro se mantém de 30 a 35 colaboradores”, explica.

Outro motivo para essa “calmaria” apontada por Silva diz respeito ao tempo de serviço desses profissionais. De acordo com o executivo, 80% dos funcionários está de cinco a 25 anos no empreendimento. Isso ajuda quando o assunto é acumulação de serviço ou insegurança na economia.

“Com o pagamento em dia e a maioria dos profissionais mantidos, confesso que a questão da saúde mental não foi tocada por mim. Tenho um contato direto com eles por meio da minha sócia e esposa, mas nada foi reportado”, explica Silva.

Mesmo assim, o empresário lembra que promove palestras e treinamentos com os colaboradores. Na visão dele, essas ações ajudaram a mantê-los motivados e trabalhando bem.

Saúde mental

Tricia: motivação de líderes é ponto inicial

Saúde mental: passos necessários

Em entrevista à reportagem, Tricia Neves, co-fundadora da Mapie, detalhou o que pode ser feito, em qualquer tipo de empreendimento, para manter a equipe motivada e bem mentalmente. Especialista em RH, ela explicou que o sentimento geral de empregados na hotelaria é de alívio, dada a crise que assola o setor.

“Muitos perderam seus empregos e temer isso é legítimo. Por outro lado, há um senso de gratidão por funcionários que mantiveram seus postos. O ‘ainda bem que eu fiquei’ se transforma em ímpeto para mostrar mais trabalho. Isso ajuda a conciliar o acúmulo de funções, por exemplo”, afirma.

Além disso, Tríiia fala também que ser um colaborador multifuncional é diferencial para hoteleiros – não só neste momento. A medida pode ser vista, segundo ela, como tendência pré-pandemia e acelerada com a crise instaurada.

“A redução do quadro de colaboradores era um movimento esperado, mas foi antecipado. Por isso, minha dica é que todos embarquem na mudança e não lutem contra ela. O setor precisa de funcionários positivos”, complementa.

Papel da liderança

Os chefes em geral são vistos como verdadeiras bússolas para equipes. É deles que parte a motivação e é preciso entender essa rotina. Dessa forma, o medo do colaborador diminui, destravando sua criatividade e produtividade. “Funcionário não cria, inova ou produz da mesma forma se estiver com a saúde mental prejudicada. Às vezes, o motivo disso pode ser até a forma que seu líder lhe trata”, diz a executiva.

Em resumo, Tricia coloca que o nível de consciência de uma empresa quanto a essa pauta vai de encontro com a importância dada pela liderança. Por isso, a sócia da Mapie cita que uma estratégia e comunicação vertical para esse tema se fazem necessários. “Crie propósito ao seu colaborador. Além de gerar segurança psicológica, o ambiente melhora e muito pelo apoio emocional fornecido.”

Por fim, ela traça dicas para os hoteleiros, citando caminhos e perspectivas para o futuro:

  • Invista no autoconhecimento: só você pode identificar seu desafio pessoal.
  • Modelo multifuncional veio para ficar: além disso, tecnologia deve reduzir mais o quadro, mas mantenha-se focado em seu trabalho.
  • Tenha flexibilidade mental: o mundo está em acelerada atualizações, saiba adaptar-se e integre-se a essas mudanças.
  • Criatividade: use-a como ferramenta de desenvolvimento.

(*) Crédito da foto: Danielle MacInnes/Unsplash