O ano de 2022 já começou com turbulências para o turismo. O período, aguardado como o clímax da retomada, ganhou um balde de água fria com a nova onda de contágios pela variante Ômicron e surtos de gripe. Como se não bastassem as incertezas trazidas pela cepa, no dia 31 de dezembro a lei que flexibiliza as regras de remarcações e cancelamentos de reservas perdeu a validade. E agora? Como prosseguir?

No ano passado, o Poder Executivo editou a MP 1.036/21, medida provisória que prorroga as normas de remarcação e cancelamento de eventos, assim como prestadores de serviços do turismo.

O texto atualizou a lei 14.046/20, que desobriga as empresas a reembolsarem os valores pagos pelos consumidores, desde que as mesmas assegurem a remarcação dos serviços, eventos ou reservas adiados ou cancelados, com a opção de disponibilizar créditos para o uso da compra. De acordo com a MP, o cliente que optar pelo reembolso cancelado ou adiado até 31 de dezembro poderá usá-lo até 31 de dezembro de 2022.

Até aí, tudo certo. O que o setor não contava era com o surgimento da nova variante, que chegou para bagunçar uma retomada considerada consistente. A Ômicron já causou o cancelamento de grandes eventos, como é o caso do Carnaval, o que deve gerar mais demandas de remarcações para a hotelaria, que agora pode voltar aos moldes de políticas internas pré-pandemia.

remarcações - sandro fonseca

Fonseca: cancelamento não impactou reservas

As regras vigentes

Segundo Carolina Vesentini, advogada do Idec (Instituto de Defesa do Consumidor), as regras vigentes voltam a ser baseadas no Código de Defesa do Consumidor. Os clientes têm direito de arrependimento no prazo de sete dias após compras e contratações de serviços feitas fora dos estabelecimentos ou via internet, de acordo com o Artigo 49 do texto.

“Neste caso, o consumidor deve receber o valor integral da compra. Se o cliente optar por cancelar ou remarcar após esse prazo, o reembolso pode ser que não seja de 100% do preço pago por conta de multas ou retenção de uma porcentagem proporcional ao prazo que ele comunicou a empresa. É preciso estar atento às políticas internas”, explica a advogada.

Ou seja, quanto mais próximo da data da reserva o cancelamento for feito, maior as chances de multas elevadas. A advogada alerta, contudo, para possíveis comportamentos abusivos por parte das empresas. “Se o cliente considerar o valor de retenção desproporcional, ele pode acionar o Procon. Entretanto, recomendamos a negociação entre as partes, mas muitos casos acabam indo parar em via judicial.”

E muito se engana quem acredita que as empresas são livres para aplicar multas no valor que bem entenderem. Carolina explica que a retenção varia entre 5% e 10% do preço pago na compra. “Se o cancelamento ocorrer com até 15 dias de antecedência da data da reserva, a multa é de 5%. Em casos de menos de 15 dias, a taxa máxima é de 10%”.

A advogada ainda ressalta que, com as leis emergenciais, ficava a critério da empresa quais medidas adotar. Com o retorno do Código de Defesa do Consumidor, o cliente decide qual opção é a mais viável. “No caso de reservas feitas no balcão ou em presencialmente em agências, o direito de arrependimento não se aplica e o consumidor fica à mercê de multas”.

Vale lembrar que os canais de comunicação das empresas precisam ser acessíveis para sanar possíveis dúvidas e demandas dos clientes. Caso o contrário, pode se caracterizar como falha de prestação de serviço e o consumidor pode conseguir o reembolso por perdas e danos. “Os canais têm que estar abertos e disponíveis para orientar o consumidor de forma clara e objetiva, sem letras miúdas”, acrescenta Carolina.

De acordo com o Idec, o fim da lei emergencial beneficia o consumidor, mas vale ressaltar que os reembolsos não serão mais feitos com correção monetária pelo INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor). “Daqui a um ano, os valores serão maiores pelo aumento do preço do dólar e, neste caso, não tem o que fazer”.

remarcações - karol garrett

VOA Hotéis manteve políticas flexíveis, diz Karol

As políticas dos hotéis

O aumento de pessoas infectadas e o cancelamento do Carnaval ainda não causou grande impacto no setor hoteleiro, mas é preciso estar preparado caso as remarcações voltem a acontecer. De acordo com Sandro Fonseca, diretor de Revenue, Distribuição e Central de Reservas da Atlantica Hospitality International, até o momento foi observado um índice baixo de cancelamentos para o período nas unidades da capital paulista.

Atualmente, a rede opera 29 empreendimentos na cidade, sendo 13 do Transamerica Hospitality Group. Por outro lado, o executivo fala sobre uma retração de demanda e cancelamentos pontuais na semana entre 10 e 15 de janeiro.

“Para o Carnaval de São Paulo, atualmente trabalhamos com a política de cancelamento sem cobrança, quando solicitado em até 48h antes do check-in. Mas entendemos que poderão ocorrer avaliações individuais, conforme nos aproximamos da data em questão”, afirma o diretor.

Mesmo com o fim da validade das medidas emergenciais, a Atlantica segue se posicionando de forma flexível, analisando caso a caso. “Com isso, asseguramos que os clientes que optarem por remarcar ao invés de cancelar, poderão realizar sempre consultando a disponibilidade e tarifa vigente do novo período com o hotel. Em se tratando do Carnaval em São Paulo, como estamos trabalhando com a política de cancelamento até 48h antes do check-in, nossos hóspedes possuem toda a segurança para decidir mais próximo da data o status final de suas reservas”, pontua Fonseca.

O diretor acrescenta que a única multa aplicada em caso de reservas com política flexível aplicada no período de Carnaval é a cobrança de no-show referente à primeira noite. “Importante ressaltar que essa multa só será aplicada caso o hóspede não entre em contato solicitando o cancelamento dentro do prazo de 48h antes do check in. Hoje, nós atuamos com uma política bastante flexível, porém estamos sempre abertos a melhor atender nossos hóspedes. Com isso, acreditamos que, se necessário revisar alguma política em virtude de um novo cenário mais restrito, assim o faremos”.

Em 2020, a VOA Hotéis, assim como grande parte do setor, precisou lidar com um grande volume de cancelamentos. No período, a empresa reforçou a comunicação com os clientes, visto que a taxa de remarcação chegou a 68%. De acordo com Karol Garrett, head Comercial, de Distribuição e Performance, muitos hóspedes ainda estão com seus créditos em stand-by e outros optaram por cancelar as reservas.

“Também demos opção de mudar os planos e usar o crédito em algum dos nossos hotéis em outros destinos, enfim, procuramos sempre fidelizar o cliente e fazer com que de alguma forma ele volte quando estiver mais seguro”, diz a executiva. “É diferente cobrar multa sobre impossibilidade de viajar que não comprometa a segurança e a saúde das pessoas, então preferimos optar por permitir reservas e passar segurança ao hóspede em caso de remarcação ou cancelamento”, complementa.

Karol afirma que os próprios hóspedes têm batido nessa tecla e que a VOA incentiva os empreendimentos a serem mais flexíveis, sempre acompanhando os dados de conversão, busca e motivos de desistência. “Devemos nos atentar ao feedback também dos players e trabalharmos em conjunto neste momento”.

Apesar do cancelamento da festa de Réveillon no Rio de Janeiro, a VOA não observou cancelamentos expressivos para o período. Na data, os hotéis da rede fecharam com ocupação média de 93%. “O que notamos é que o nosso público já tinha programações no Rio, seja em festa privada, dentro do próprio hotel ou com amigos e familiares e acabaram não mudando os planos”, avalia a executiva.

Para o Carnaval, o cenário segue semelhante. Sem grande volume de cancelamentos e remarcações, Karol pontua que muitos clientes procuram a VOA com dúvidas sobre o funcionamento das unidades no feriado e protocolos sanitários.

“Temos muitos hóspedes que também vêm ao Rio para aproveitar o feriado e uma boa parte também para participar de festas privativas. De qualquer forma, estamos atentos, mas sempre trabalhamos sendo o mais flexível possível. Queremos que façam suas viagens pois primeiramente se sentem seguros para isto”, finaliza.

Para Orlando Souza, presidente executivo do FOHB (Fórum de Operadores Hoteleiros do Brasil), os empreendimentos devem avaliar caso a caso e ressalta que cada um possui sua própria política interna. “Cada hotel tem seu formato de contrato de reservas antecipadas, é uma questão comercial. Estamos no meio de uma onda complicada, que acaba impactando a economia. No momento, acredito que o mais prudente seja ser flexível, sem cobranças e multas”.

Perante a atual situação sanitária do país, Souza acredita que a maioria dos empreendimentos manterão políticas menos rígidas como forma de não perder possíveis demandas. “A lei que regulamentava isso acabou, mas é muito provável que os hotéis tentem ser mais flexíveis, mas não existe receita de bolo. Cada um precisa encontrar sua melhor forma de negociar”.

(*) Crédito da capa: Getty Images

(**) Crédito das fotos: Divulgação