Nesta semana, ampliamos o debate sobre a expansão do short-term rental e sobre a estratégia por trás das operadoras hoteleiras em investir na modalidade de hospedagem. Agora, qual categoria de hotel tende a sofrer ou se beneficiar mais com a concorrência do aluguel de curta temporada? Qual segmentação de cliente tende a procurar mais esse tipo de opção? Na sessão Opinião de hoje (29), convidamos Gustavo Syllos, CMO da B.Homy, para responder ao nosso questionamento.


O Vinicius Medeiros, do Hotelier News, pediu para escrever esse artigo sobre o negócio de aluguel de temporada respondendo à pergunta acima. Como estive mergulhado no negócio hoteleiro por muito tempo, estranhei um pouco a pergunta, principalmente agora conhecendo também o short-term rental por dentro.

Se começarmos entendendo os pontos em comum dos dois negócios e, depois, analisarmos o que os diverge, acho que vou conseguir defender meu posicionamento: o maior risco à hotelaria não é o aluguel de temporada, mas o próprio hoteleiro.

Entre as semelhanças, talvez os pontos que mais fiquem à vista sejam as figuras do hóspede e do proprietário do imóvel. Alguém investiu dinheiro em um ativo imobiliário e quer recuperar seu investimento com a locação. Do outro lado, um consumidor precisa de um local seguro e confortável.

Na outra ponta, é importante começar separando bem o conceito desde o início: aqui estamos tratando de imóveis que foram concebidos para uso específico. Normalmente, um hotel é planejado a partir de um estudo de viabilidade e, por meio dele, decide-se sobre o tamanho de cada unidade habitacional. Na grande maioria dos casos, são quartos com banheiro e tamanho médio de 8 m² (metros quadrados) a 14 m².

No caso do aluguel de temporada, são imóveis residenciais pensados para a moradia de duas ou mais pessoas, disponibilizados para locação. Os condomínios têm sistema de portaria, segurança e controle individualizado de água, luz, gás. Para compararmos com o hotel, o tamanho médio de um estúdio fica entre 24 m² e 35 m².

Um hotel é um CNPJ com regulação própria, categorização, impostos e, óbvio, deve emitir nota fiscal. Um imóvel residencial colocado para locação é de propriedade particular e tem também regulamentação própria: a Lei do Inquilinato, de 18 de outubro de 1991. Não é emitida nota fiscal, apenas um recibo de locação. O artigo 48 da legislação estabelece que o proprietário pode locar seu imóvel para temporada de até 90 dias, com rendimentos declarados e imposto de renda recolhido.

Outra diferença extremamente importante é que normalmente a hotelaria é especialista em administrar prédios verticais, no qual aprendeu a fazer a gestão de equipes, inventário e estoque. No aluguel de temporada, a maioria da oferta está pulverizada pela cidade e toda gestão de governança, manutenção e atendimento precisa se adaptar. A B.Homy criou softwares para gerir e otimizar o atendimento de imóveis em múltiplos locais. Imagine fazer mais de uma centena de check-ins e check-outs em uma centena de endereços diferentes em um único dia? É nosso cotidiano desde o início das operações, há cinco anos.

Gustavo Syllos - Opinião_short-term rental x hotelaria

 

“Hoje, basicamente vemos redes hoteleiras criando empresas para entrar no short-term rental ao oferecer a mudança do flat para o residencial puro. Na prática, é uma alteração de tipo de contrato, em que o serviço permanecerá praticamente o mesmo, com menos custos e operação simplificada.”

Gustavo Syllos, CMO da B.Homy

 

OK, até aqui nenhuma novidade, certo? Ainda assim, não podemos esquecer dos flats. Na essência, são residências com serviços e, no Brasil, chegaram nos anos 1980, tendo grande aceitação inicial, o que gerou sobreoferta. Muitas redes hoteleiras assumiram contratos provendo serviços hoteleiros e a distribuição se encaixava perfeitamente – mesmos canais e custos de distribuição. Hoje, o negócio perdeu atratividade, com baixo desempenho e alto custo de manutenção.

Um ponto interessante é que a maioria dos flats antigos tem localizações excelente. Contam com quartos mais espaçosos do que hotéis e cozinha americana – o que facilita sua aceitação para permanências maiores. A grande questão é que sua decoração é “datada” e suas unidades são padronizadas, tornando-se pouco atrativas frente a apartamentos residenciais mais novos. Já existe um movimento de saída das redes hoteleiras dessas unidades e a busca por transformá-las em 100% residenciais, só que adotando o short-term rental na gestão.

Hoje, basicamente vemos redes hoteleiras criando empresas para entrar no short-term rental ao oferecer a mudança do flat para o residencial puro. Na prática, é uma alteração de tipo de contrato, em que o serviço permanecerá praticamente o mesmo, com menos custos e operação simplificada. Para o cliente, a mudança está apenas no tipo de serviço oferecido, muitas vezes sem limpeza diária e café da manhã gratuito. Para o proprietário, uma chance de escapar das altas taxas das operadoras hoteleiras.

No final, bem pouca coisa muda, principalmente se os antigos flats não tiverem um retrofit de atualização e se os canais de distribuição das redes hoteleiras permanecerem os mesmos. Sem falar na possibilidade dessas operadoras levarem o pagamento faturado para esses empreendimentos, alimentando o pesadelo da cadeia do mercado e contaminando o short-term rental, que tem por premissa o pré-pagamento.

Longe de ter a pretensão de escrever um tratado científico, espero ter conseguido mostrar que o aluguel de temporada não é a mesma coisa que a hotelaria tradicional adaptada. Os tipos de imóvel, modelo de pagamento e a alta demanda por tecnologia e a oferta de localidades com perfil residencial fazem com que o short-term rental seja buscado por um tipo de hóspede com comportamento distinto do de hotel tradicional.

O risco está em o hoteleiro tentar “adaptar” o seu produto a qualquer custo, acreditando que o consumidor e os investidores não perceberão a tentativa de vender gato por lebre. Além disso, a hotelaria voltará com muita força com o fim da pandemia, a exemplo do que ocorreu na Ásia e está acontecendo nos EUA, mas a atualização do produto hoteleiro com design, tecnologia e ofertas inteligentes irá definir quem permanecerá no jogo.

(*) Crédito da capa: Dan Gold/Unsplash 

(**) Crédito da foto: Arquivo pessoal