Era uma quinta-feira cinzenta, daquelas típicas do inverno paulistano, quando Thomas Dubaere encontrou a reportagem do Hotelier News no lobby do Pullman Ibirapuera. Impecavelmente vestido e com um português já em estágio avançado, considerando o tempo em que vive no Brasil, o CEO da Accor para a América do Sul preferiu não arriscar e nos concedeu a entrevista em inglês.

Em um bate-papo descontraído, após algumas incompatibilidades de agenda, ele reforçou a satisfação em poder nos encontrar pessoalmente, em tempos de lives e videochamadas – e de Zoom Fatigue. Após quase uma hora de conversa, Dubaere ainda mostrou um talento pouco conhecido pelo mercado e nos preparou um drink, em um vídeo que gerou muitas visualizações no LinkedIn.

Apesar de estar à frente das operações sul-americanas há menos de um ano, o CEO demonstrou segurança ao falar do mercado brasileiro e afirma ter se surpreendido com a distribuição do setor por aqui. “Não sabia que era um mercado tão doméstico. Fiquei surpreso em como a fatia intercontinental ainda é pequena”.

Em sua primeira entrevista ao Hotelier News, e esperamos que seja o início de uma relação duradoura, Thomas Dubaere falou sobre as lições aprendidas durante a crise, segmentos prioritários no desenvolvimento hoteleiro da Accor, além de dar suas impressões sobre as reações de outros players frente a pandemia.

Thomas Dubaere - thomas e patrick

Thomas Dubaere e Patrick Mendes durante a passagem do bastão

Thomas Dubaere: entrevista completa

Hotelier News: Como está o inventário atual? Quais foram os impactos da segunda onda no primeiro semestre?

Thomas Dubaere: Atualmente, temos 399 hotéis na América do Sul, sendo 325 deles no Brasil, totalizando 62 mil quartos. São 42% em contratos de franquia e 58% de administração. Esses números são importantes, pois o que nos diferencia do restante da indústria é o fato de estarmos acelerando nosso desenvolvimento de franquias.

Tivemos resultados relativamente positivos. Com os feriados e as pessoas começando a sair de casa, o lazer é o segmento que melhor sobreviveu à pandemia. Tivemos a segunda onda, novas variantes e restrições em diferentes estados do país, e tudo isso teve impacto. Ao final do segundo trimestre, enxergamos uma relação direta entre a aceleração da vacinação e a recuperação dos negócios. Para te dar um número exato, no segundo trimestre nosso RevPar foi 62% mais baixo quando comparado a 2019 na América do Sul. Estamos acompanhando semanalmente os resultados e enxergamos um viés de recuperação e tendências positivas.

É claro que, no Brasil, temos diferenças de estado para estado, mas, em linhas gerais e pensando nos países hispânicos, o único que está ficando para trás é a Argentina. No entanto, não há grandes correlações com a pandemia, mas por questões econômicas.

A vantagem da Accor é que temos hotéis em mais de 100 países, o que significa que podemos monitorar o que está acontecendo em diferentes regiões e como os empreendimentos estão se adaptando. Então, conseguimos aprender uns com os outros.

Nós também trabalhamos com diferentes tipos de parceiros analistas e consultores, pois queremos saber de tendências da indústria e não apenas da Accor. Então, trabalhamos com a STR, TripAdvisor, Booking, Expedia, ou seja, todos que estão no mercado nós pedimos para que compartilhem seus números.

HN: O room office foi uma das soluções encontradas pela Accor para driblar a crise. Quais os resultados práticos da iniciativa até aqui?

TD: Prefiro falar sobre as conexões que temos, que são as pessoas interessadas no serviço, que já são 55 mil. Precisamos diferenciar o room office, os private offices e os espaços de coworking da WOJO. No private office, o cliente busca mais privacidade, paga pelo quarto e fica o tempo que precisar. Também temos muitas empresas que fecharam seus escritórios, mas que, às vezes, precisam de algum espaço e não querem ficar presas a um aluguel. Então, transformamos algumas de nossas salas de reuniões e demos a oportunidade de serem alugadas por três meses, seis meses, um ano…. Atualmente, temos 40 contratos em negociação. É tudo muito novo. E, para algumas empresas, o que é novo não é visto com bons olhos, mas temos três companhias utilizando rotineiramente.

Quando você começa a investir em algo novo, não coloca todas as suas fichas, pois leva tempo para ser consolidado. Agora, estamos vendo tração, trabalhando em um site e app próprios. Os quartos estavam vazios e nós fomos criativos. Fizemos isso em 127 hotéis e começamos com os espaços da WOJO. Aprendemos a procurar novas fontes de receita e esta foi uma das lições da pandemia.

HN: Quais cidades se destacaram no primeiro semestre? E quais tiveram maiores dificuldades para se recuperar?

TD: Em linhas gerais, o Rio de Janeiro está indo muito bem. O ponto não é tanto a cidade, mas a complexidade do destino. O Rio sempre foi voltado ao lazer, apesar de ter sua demanda corporativa. Todos os destinos que são orientados pelo lazer estão se recuperando mais rápido.

São Paulo sofreu mais, pois é mais corporativo e possui uma demanda internacional maior. Por isso, esses lugares vão se recuperar mais tarde. No fim do segundo trimestre, vimos uma boa demanda na cidade, com as companhias aéreas retomando seus voos novamente e também com o lazer aos finais de semana. O Dia dos Namorados, por exemplo, foi fantástico. Fez toda a diferença no mês de junho na cidade.

Falando de países, Colômbia está indo bem, Peru é mais difícil por conta da vacinação que ainda está um pouco atrasada, Argentina pela economia, Chile por conta das eleições. Em geral, onde estamos hoje, quase todas as regiões estão se recuperando.

HN: Quantos hotéis foram abertos ou convertidos no primeiro semestre? E quais são as perspectivas de aberturas e conversões para o segundo semestre?

TD: Nós tivemos em 2020 a pior crise da história da hotelaria. Ainda assim, abrimos 14 hotéis na América do Sul, o que não foi o suficiente, mas mostrou que os investidores ainda acreditam no mercado. Este ano, vamos inaugurar 30 hotéis, sendo que nove deles já estão em operação. A maioria será no Brasil, cerca de 80%. Temos um pipeline de 97 empreendimentos a serem inaugurados em até quatro anos, entre projetos que estão assinados ou em fase de negociação.

Estamos com um novo segmento a ser desenvolvido na América do Sul. Durante a pandemia, fizemos um acordo com a Ennismore para a expansão do lifestyle. Fechamos esse contrato porque, olhando para o setor globalmente, não apenas na Accor, ele representa apenas 2% dos hotéis. Quando olhamos para o apetite do consumidor por esses empreendimentos, ele chega a 10%. No pipeline global, 10% dos projetos são lifestyle. No pipeline da Accor, globalmente, ele representa 20%.

Hoje, temos 13 marcas lifestyle em todas as categorias, pois quando você chega a um novo segmento, não adianta focar apenas em uma. É uma ambição global. Também vamos manter nossas conversões, que estão indo muito bem, mas a ideia é trazer mais bandeiras lifestyle, que é um nicho importante. Resorts de luxo também não temos o suficiente, então, vamos perder em alguns segmentos e ganhar em outros.

HN: E as multipropriedades? Podem ser uma oportunidade para a Accor?

TD: Sempre peço para as minhas equipes observarem onde podemos ter mais resorts. Hoje, posso te dizer que nós já temos quatro ou cinco que podem chegar nos próximos três anos. Não podemos esquecer que, comparado a um ibis, são negócios completamente diferentes. E, de fato, precisamos de ambos.

Não preciso de 100 resorts, mas apenas alguns nos lugares certos. Fracionados podem fazer sentido, mas não posso dizer que é a nossa prioridade. Ainda assim, não podemos fechar portas. Hoje, não está em nosso mapa, mas por que não?

HN: Em uma entrevista, Sébastien Bazin afirmou que a Accor precisa de mais agilidade nas tomadas de decisão e menos hierarquização em sua organização. Você concorda?

TD: Concordo 100%, mas isso é uma mudança cultural e leva tempo. Nós já estamos fazendo essa transformação. E por isso a tecnologia será um grande passo no nosso negócio.

(*) Crédito das fotos: Vinicius Medeiros/Hotelier News