Philippe SeigleSeigle entra numa fase na sua carreira

Ele já foi eleito o melhor diretor geral do mundo. Acumulou passagens por hotéis de diversos países. Tem um tsunami na Tailândia, em 2004, na bagagem profissional. Depois do susto, um longo, trabalhoso e gratificante trabalho de reconstrução dos empreendimentos afetados. Sentar na mesa com Philippe Seigle é ver o tempo passar sem perceber. É conversar horas a fio sobre hotelaria e não perceber. Quem trabalhou com ele teve a oportunidade de aprender. 

O executivo deixou a operação em fevereiro deste ano e, agora, na maior parte de seu tempo, gerencia seus pincéis para levar seus conceitos e emoções às telas que produz. Morando em Marrocos, desde o início de maio, o principal foco do profissional agora é cuidar de suas exposições no exterior. Já tem, inclusive, agenda nas principais capitais da Europa. Mas, ele continuará com um pé na hospitalidade. “Não dá para largar uma carreira assim, por isso darei palestras e aulas na Escola de Hotelaria de Casablanca, e farei consultorias”, diz. Além disso, ele começa a se enveredar na literatura. “Vou contar as histórias que vivenciei nos 20 países onde morei”, declara.

Este que vos escreve conhece Seigle há um bom tempo. O primeiro contato se fez no Rio de Janeiro, em 2006, quando ele comandava, como regional da América do Sul, o extinto Le Meridien Copacabana, atual Hilton Copacabana. Seguimos o executivo quando ele foi abrir o Sofitel Cardales, na Argentina, e depois no Sofitel Buenos Aires, um clássico portenho que já não existe mais, onde recebeu o prêmio de Melhor Hotel Accor das Américas.

Seu sonho de voltar para o Brasil, país que sempre amou e com quem manteve uma relação íntima, aconteceu nesta década, quando assumiu o segmento de Luxo da Accor. Morando no Rio de Janeiro, comandou o Sofitel Copacabana, Sofitel Ipanema, o MGallery e o Mama Shelter, ambos em Santa Teresa. Junto com Netto Moreira, transformou o empreendimento num ícone local, numa referência para os cariocas, em especial dos moradores e frequentadores do bairro feito famoso mundialmente por Tom Jobim e Vinicius de Moraes.

Philippe SeigleSeigle e uma de suas pinturas

Seigle conta que foi sua avó que o incentivou a atuar na hotelaria. As viagens em razão da profissão de seu pai foram também uma das razões em querer entrar no mundo da hospitalidade. “A princípio, foi bem difícil, não estava tão atraído, mas continuei porque sabia que as coisas melhorariam com o tempo. Depois peguei gosto. Na hotelaria é isso, muito trabalho duro e com horários rígidos. Os jovens devem ser sólidos para aguentar isso hoje em dia”, avalia o francês.

Seigle finalizou sua formação em Hotelaria em 1974. Trabalhava em restaurantes, hotéis. Quando saiu da escola, retornou para a África. Trabalhou em hotéis internacionais, fez de tudo um pouco. “Comecei realmente por baixo, pois para aprender era necessário passar por várias etapas. Hoje, os alunos saem da escola e começam como assistentes ou chefes de departamento e querem logo ser gerentes gerais. Antes era bem diferente”, relembra o executivo, com seu sotaque inconfundível.

“Aprendi muito na hotelaria. A riqueza extraordinária que tive foi trabalhar nos cinco continentes: América, Europa, África, Ásia, Oceania. Ainda assim, minha maiores experiências foram as pesagens nos Emirados Árabes e na Arábia Saudita. Lembro que, em Abu Dhabi, eram 20 nacionalidades diferentes, e todos juntos no mesmo trabalho. Aí que você começa aprender. Eu era gerente de A&B (Alimentos & Bebidas). Preocupava-me com quem estava falando e assumia que não sabia tudo. Aproveitei o máximo o que eles podiam me ensinar. Isso foi a grande riqueza de minha vida. Foi ali que aprendi a falar com as pessoas de diferentes culturas e me colocar nos níveis delas, respeitando as diferenças culturais”, diz.

Philippe Seigle: novo momento

Morando em Casablanca, Seigle pretende voltar ao Brasil pelo menos duas vezes por ano. “Minha relação com este país é profunda. A paixão é eterna e aqui aprendi muito em aprimorar a arte da hospitalidade, a melhor acolher o hóspede. Entender e atender a suas expectativas”, diz. “O Brasil é um país de grande inspiração artística e foi uma honra ser elegido como embaixador do Turismo na cidade do Rio de Janeiro. Continuarei, sem dúvida, promovendo o Rio lá fora, com muito orgulho”, completa.

Seigle teve uma carreira de mais de 45 anos, trabalhando em um número superior a 20 países, nos cinco continentes. Sua experiência absoluta foi a de conhecer hóspedes e colocar o cliente em primeiro lugar. “É o hóspede que paga nossos salários. É ele quem decide se o hotel prospera ou não. Por isso, precisamos saber escutá-lo e aprender com ele. Na hotelaria, o show está nos hotéis e não em escritórios afastados da realidade”, reflete o executivo, em entrevista exclusiva ao Hotelier News.

Compartilhando suas ideias, o executivo nascido no Marrocos e filho de pai diplomata, faz uma análise de como a hotelaria está sendo gerida no momento. "Muitos aspectos mudaram. As decisões são tomadas em patamares que muitas vezes não representam a verdadeira essência da hotelaria, que significa acolhimento, relação com o hóspede e entrega de serviços. As pessoas precisam ser ouvidas e as decisões precisam vir de um conceito de aprimoramento e não estarem baseadas apenas em números", avalia. "Nunca é tarde para aprender e quem realmente deseja aprender algo que será compartilhado deve deixar o ego de lado", completa.

Na opinião de Seigle, as companhias contratam um profissional para fazer um bom trabalho. "No entanto, se você começa a se destacar muito, sendo inteligente e dando boas ideias, muita vezes isso soa como perturbador. Muitos profissionais chegam em patamares altos por ser politicamente corretos, sempre concordando com tudo sem tomar grandes decisões, uma competência que deixa a desejar. Só que muitos, nessa trajetória acabam mudando a cabeça. Acabam vendo o poder de outra forma. De uma forma negativa", reflete.

Philippe SeigleSeigle: "se o gerente se conhecer é possível fazer uma carreira linda"

Seigle: a importância do gerente

Os gerentes, segundo Seigle, muitas vezes acabam se afastando das pessoas, dos clientes e colaboradores. A burocracia e o grande número de relatórios para serem feitos tiram do gestor a verdadeira essência, que é a de servir. "Alguns meses atrás estava conversando com um gerente que não sabia de assuntos importantes. Muitas vezes são blindados para não receberem informações, cuja maioria delas é importante. Tive sorte de ter comigo pessoas que me escutavam, não sei se seguiam tudo, mas me escutaram. Com todos meus chefes fui 100% franco. Sou muito sincero. Antes disso tudo, somos humanos”, comenta. “Se o gerente se conhecer é possível fazer uma carreira linda. Não escutar ninguém, lamentavelmente faz tudo ruir, a carreira dele e do próprio negócio”, acrescenta.

Seigle é enfático ao dizer que quem paga o salário, até do CEO, é o hóspede.

Na visão do executivo a hotelaria deveria ter mais contato com hóspede, mas, gradualmente, essa proximidade está se perdendo. "Somos vítimas da tecnologia. O que era para ser um aliado no trabalho acabou tomando quase todo o tempo que é necessário para se ter com o cliente. Temos hoje, dentro dos hotéis, pessoas que, em vez de focarem o contato com os clientes, estão no computador. Tornaram-se vítimas dos teclados. Na minha época, os gerentes gerais passavam apenas algumas horas em seus escritórios. Estavam o tempo todo em busca de hóspedes para buscar o feedback e criar o relacionamento para fazer ele voltar”, observa. “Acabo generalizando um pouco”, mas os clientes também estão felizes com toda essa tecnologia. Fazer o check-in ou abrir a porta pelo celular, mas acima de tudo, merecem ser reconhecidos pela gerência do hotel. Não existe mais o calor que existia antes, vejo isso como um problema”, completa.

Cortes, reduções e mais cortes

Para explicar melhor o que pensa, Siegel narra um caso que aconteceu com ele, na França. ”Fiquei 40 minutos para fazer o check-in, não havia ninguém para me atender, não houve aquele troca de olhares, quando o recepcionista olha para você e diz com os olhos ‘já vou te atender’. A receptividade te faz se sentir em casa! Sempre me preocupei com isso. Fazia coquetéis para recepcionar alguns clientes, conhecia eles e muitas vezes acabávamos amigos. Depois quando eu mudava de hotel, eles continuam meus clientes", ensina. 

"Tenho a sensação que, hoje, os clientes são enganados. Algumas redes cortam custos, oferecem poucos serviços e cobram a mesma quantia. Como pode se exigir que um cliente pague mais, quando se oferece menos?”, questiona. “Falta criatividade em como oferecer o melhor serviço, apesar da redução do custos. Cortar é fácil, difícil é conquistar clientes.”

Segundo ele, as marcas são diferentes e não podem ser geridas da mesma forma. O luxo tem um custo e uma filosofia que não pode ser implementada de um dia para o outro e muitas vezes é algo que precisa estar imbuído na essência há muito tempo. "Muitos hotéis não alcançam os padrões de luxo porque os investidores não querem colocar as ferramentas e os recursos necessários no produto. Além disso, alguns gestores muitas vezes aumentar o número de hotéis sem se preocupar com a reputação das marcas".

Philippe Seigle"Muitas vezes as empresas fazem uma gestão feudal", diz Seigle

Criatividade 

Olhando de uma forma positiva, Seigle diz que existem hotéis que efetivamente se destacam por sua originalidade. Eles incrementam as vendas, abrem as portas para um público da cidade, promovem eventos sociais, fazem barulho no destino, seja ele bairro ou município, para fazer desse lugar um local conhecido. "As pessoas gostam de ir para hotéis, que são locais onde sempre está acontecendo algo", comenta.

"É preciso ter imaginação para criar algo durante o ano. Em vez de passarem horas no computador, os gerentes gerais deveriam sair um pouco, sentir a temperatura social da cidade. Hoje, não existe tempo para pensar em estratégias, os colaboradores estão com mil coisas para fazer. Oferecerem várias idéias por minuto, sem saber se são aptas para o seu negócio”, Ilustra.

Bom senso 

Seigle menciona também o bom senso para a tomada de decisões. “Se não entendermos que as pessoas mais importantes são aquelas que gerenciam, temos um problema. Não se pode dirigir um hotel, por exemplo, localizado em São Paulo, cuja sede corporativa está em Brasília. Não é possível dar instruções para gerenciar o hotel que está em São Paulo. Ou seja, se você não está no lugar, não interfira nos trabalhos. Isso não é gerenciar. A hierarquia te permite ter um título, isso não te faz mais inteligente que os demais. As pessoas deveriam reconhecer os talentos, mas não o fazem. Infelizmente, em alguns casos, se você tem talento, significa que você perturba.”

“Muitas vezes as empresas fazem uma gestão feudal, é quando aparece o problema do chefe que, por ser chefe, pensa que sabe tudo. Triste não se dar conta do potencial que existe em qualquer nível”, coloca Seigle

O executivo conta que quando realizava as reuniões com as suas equipes convidava os colaboradores de todos os departamentos. “Digo sempre que escutar a base sempre nos faz grandes. São nesses momento que podemos descobrir talentos. Quando vejo um colaborador com grande potencial, vou ajudá-lo. Isso pra mim é um presente. Depois eles agradecem pelo reconhecimento. Se você trata bem o colaborador, ele tratará bem o seu cliente”, ensina.

Seigle comenta que muitos executivos tem  insegurança quando algum colaborador demonstra habilidades até superiores do que as dele. “Não se pode ter insegurança. Nós, gerentes, devemos ter confiança. Ninguém pode sentir medo dentro de uma equipe. Esse sentimento de puxar o tapete para que o outro apareça mais é muito ruim. Sem a confiança dos colaboradores, você não avança. Digo que, cada um na sua especialidade, e todos juntos em prol de um único objetivo, tentando sempre se ajudar. É preciso ter respeito um pelo outro. Se o profissional tem talento, deixe-o saber, não sinta ciúmes, sinta-se honrado por saber que seu colaborador se destaca dos demais. Todos nós temos talento.”
 
O executivo diz que sua mensagem como ex-hoteleiro é a seguinte: "Vamos nos preocupar com nosso clientes. Um líder não é imbatível por ser apenas o comandante. Muitas das coisas que aprendi foi com a base. É preciso saber olhar para baixo para poder alcançar os altos patamares. A humildade é primordial", finaliza.

(*) Créditos das fotos: Peter Kutuchian/Hotelier News
(**) Crédito da foto: divulgação/Philippe Seigle