Nada no início é fácil. Quase todo desafio profissional, no começo, é recheado de percalços, obstáculos e particularidades que tornam o trajeto mais difícil. A hotelaria, claro, não é diferente. Aceitar os defeitos e reparos necessários à sua profissão é mais do que importante para ascender ao nível desejado. Além disso, seja qual for o período ou segmento no qual está, a análise sobre a atuação precisa levar o antes, o agora e o depois em consideração. A entrada no mercado de trabalho pode ser difícil, mas se manter é o principal.

Antes dos relatos pessoais de profissionais consultados, algumas informações trazidas por Daniel Battistini, gerente de Relações do Trabalho na Capih (Comissão dos Administradores de Pessoal da Indústria Hoteleira), embasam a realidade da hotelaria no país. Questionado pela reportagem do Hotelier News sobre polos de contratação no Brasil, o executivo foi enfático: acredito que não há polo de contratação.

“Na maior parte dos casos, pelo que nós temos conversado, houve uma redução de cerca de 40% dos quadros. Quando surge uma vaga, geralmente, são recontratados os melhores que saíram. Diante disso, o surgimento de vagas está bem escasso”, afirma. A fala de Battistini, neste caso, serve como divisor de águas aos que realmente aceitam o desafio do setor hoteleiro e quem, seja qual for o motivo, sentiu-se desencorajado. Em seguida, ele complementa.

“A expectativa é que, no segundo semestre, se a vacinação realmente avançar, o que trará segurança aos viajantes para se deslocar, haverá um movimento natural de recomposição dos quadros reduzidos. Isso acontecerá, em um primeiro momento, no turismo de lazer e, depois, nas viagens de negócios. Provavelmente em breve, regiões que são mais voltadas ao turismo de lazer, como o Nordeste, devem iniciar esse movimento”, celebra. Por mais negativo que pareça, a recuperação acontece gradativamente.

Além da vida nômade

Hotelaria

“O conhecimento na hotelaria nunca é demais”, diz Julio Neto

 

O hoteleiro, a depender das escolhas, pode ter uma vida imprevisível. A prova viva disso é Osvaldo Julio Netto, CEO e fundador do Hotel College e, recentemente, da Aros Hotéis & Resorts. Com passagem por 23 cidades e dois países em mais de 20 anos de carreira, o executivo acredita que a criação de um plano de carreira é o primeiro degrau para entender por onde iniciar.

“Você quer se aposentar com quantos anos e ganhando quanto? É assim que começamos a entender o que deve ser prioridade no começo da carreira, principalmente na hotelaria. É preciso construir esse processo do final para o começo, norteando-se dessa forma. No caso do profissional nômade, acredito que a metáfora correta é de ser camaleão. Adequar-se à cultura do local, levar em consideração fatores familiares e nunca cometer o erro de aceitar a vaga sem conhecer a cidade antes. Se for esse seu plano de carreira, entenda que a vida é volátil e você terá vínculos, mas em muitos lugares”, explica.

Além disso, o entendimento sobre rede ou hotel independente, na visão dele, sempre vai depender dos anseios profissionais. A primeira pode dar mais conhecimento geral e acesso a processos atualizados constantemente. Já no hotel independente os processos são menos burocráticos e podem dar ascensão mais rápida, em certos casos. O ponto, antes de optar pelo segmento, está na inspiração. Julio Neto acredita que ter profissionais como modelo também pode servir como bússola para alcançar os objetivos do plano de carreira.

A seguir, ele cita o ‘chacoalhão’ que teve sobre a importância da formação acadêmica e diversificação. “Estudo, atualização e especificação são hábitos a serem adotados por toda carreira. Além disso, diversificar as experiências no começo vai ajudar a compreender tudo, atuando em todas as áreas e entendendo-as. Por fim, tenha paciência e acredito no seu projeto profissional. Assumir um cargo menor, nem sempre, é algo ruim”, conclui.

Hotelaria

Beatriz: hospitalidade está em tudo

Hotelaria vista de fora

No posto de chefe de Admissão da Les Roches, Beatriz Catto conhece os dois modelos de hotelaria — apesar de estar fora do país há alguns anos. Ela afirma compreender a desmotivação de alguns estudantes, mas faz questão de ressaltar a importância do recém-formado ao mercado de trabalho. Sobre a procura destes, ela explica que as opções dos jovens pode estar mais conectada à bandeira do empreendimento do que o segmento.

“O começo depende muito do objetivo do aluno, mas a inclinação está para um ambiente mais global. Neste caso, empresas maiores darão um escopo global maior, o que não significa que hotéis independentes não sejam referência. Em ambos os casos, penso que a opção por unidade está mais relacionada ao nível dela, não a qual grupo pertence”, diz. Além disso, entre as principais habilidades, Beatriz cita as soft skills como essenciais à área de hospitalidade.

De modo geral, por entender muito do modelo suíço de formação hoteleira, a executiva acredita nas muitas oportunidades promovidas pelo curso certo do setor. A ideia de departamento de carreira, entendendo que é possível aplicar os conhecimentos adquiridos em áreas avessas à hotelaria, é libertadora. A garantia de capilaridade ao recém-formado ou estudante é uma das principais questões das escolas do exterior e que podem, na perspectiva dela, serem implementadas às instituições de ensino brasileiras.

“Tenha a mente aberta e foco para fazer o que te faz feliz. A absorção de habilidades e o olho vivo nas oportunidades são atributos decisivos para inserção na atmosfera de trabalho. Isso pode ser facilitado se adequarmos o conteúdo aprendido na hotelaria a cargos de gestão em outros setores. Não importa. Lembre-se que a hospitalidade está em tudo e é mutável em acordo ao seu desafio”, salienta Beatriz.

Dois lados da mesma moeda

Em abordagem mais específica, Elizabeth Wada, professora do curso de Hotelaria da Universidade Anhembi Morumbi, mostra os lados de redes e hotéis independentes. Com base na vasta experiência mercadológica e acadêmica que tem, Beth – como prefere ser chamada – fala da empresa familiar como mais compacta e menos burocrática. O perfil compreensivo na maioria das situações, acesso rápido às lideranças e humanização das relações com o colaborador são as marcas deste modelo.

Já nas grandes companhias, a instalação de processos bem definidos e a isonomia nas decisões torna o trato interno mais “frio”, mas redireciona o funcionário ao desempenho da sua função da melhor forma possível. A queixa de que o empregado, independente de seu nível, pode se sentir apenas ‘um crachá’ é, na sua opinião, um equívoco. A visão sobre o colaborar é constante e a valorização pode demorar, mas também acontece. Por fim, como outros já citaram anteriormente, o contato com pessoas diferentes representa a mescla de culturas e características.

“Depois de colocar essas informações, entenda o valor da organização na qual está se aplicando antes de entrar nela. O critério da propriedade pode indicar a forma de gestão, ou seja, os processos falam por si e servem de alerta ao potencial colaborador que está em fase de contratação. Não é para você? Procure um lugar melhor e que te faça feliz. É mais fácil falar, óbvio, mas o caminho é esse”, complementa.

Durante a conversa, Beth também bateu na tecla de buscar experiência profissional o mais cedo possível. Alinhar estudos e trabalho, segundo ela, é uma boa forma de aplicar o que é aprendido em sala de aula e levar mudanças ao mercado. Qualquer oportunidade, até intercâmbios, são formas de usar a hospitalidade naquele cotidiano e demonstrar engajamento com o setor. Outra dica é a criação de um perfil no LinkedIn para mostrar-se presente aos recrutadores.

Ao final, o assunto se volta à pandemia da Covid-19. “Não podemos deixar de falar disso”, ela afirma. “Qualquer crise é positiva no sentido de trazer um alerta à necessidade de atualização. O investimento na carreira é essencial e ajuda na luta contra o cansaço da profissão. A hotelaria é importante e precisa e se reinventa a cada dia. O profissional, não só o recém-formado, deve acompanhar esse ritmo também”, finaliza.

(*) Crédito da capa: Sonja Langford/Unsplash