Otavio Novo é profissional de Gestão de Riscos e Crises

Primeiro, vale lembrar: Ninguém, independentemente de quem seja ou do que faça, quer passar por uma crise. Isso é fato. Afinal, qualquer situação inesperada e sensível que traga grandes impactos negativos, como uma crise costuma ser definida, é naturalmente indesejada e sempre que possível, evitada. Até mesmo aqueles que passaram por crises e a superaram e se fortaleceram, quando perguntados, normalmente vão dizer que preferiam não ter passado pelo fato e suas perdas. 

Dito isso, nosso assunto de hoje, remete a duas histórias conhecidas: i) aquela antiga e desatualizada piada, que narra a reunião de criação do nosso planeta, com a liderança de Deus e o suporte do seu time de anjos do primeiro escalão, e ii) uma recente manifestação de um famoso jornalista sobre as marcantes diferenças entre o Brasil e o Japão e seus povos.  

Para quem não conhece a piada, aviso que não a contarei aqui por duas razões, primeiro porque não quero estragar o seu efeito, e, segundo, por achar, que com o tempo e “os novos tempos” que vivemos, a história perdeu um pouco da sua graça. 

De toda forma, o que importa dizer é que na anedota, o nosso país é um lugar protegido pelo chefe da reunião, que decide, de ofício, livrar-nos de todo o tipo de exposição aos grandes riscos e crises naturais, embora esses, fossem devidamente distribuídos para os demais territórios recém criados. Ou seja, em princípio, nos foi dada uma vantajosa oportunidade, dependendo só de nós, usufruir sabiamente dessa condição.  

Mas e então? Soubemos ou sabemos aproveitar essa condição privilegiada? Ou será que como na piada, sofremos uma compensação que nos impede disso? 

E sobre a segunda história, recentemente um jornalista muito conhecido, durante uma palestra corporativa, sugeriu que se trocássemos o povo brasileiro pelo japonês, o Brasil com suas vantagens naturais logo se transformaria numa potência, enquanto o Japão, com suas limitações naturais, teria um destino bem diferente, ”nem quero pensar”, disse o jornalista, colocando na conta dos brasileiros a total responsabilidade pelo insucesso do país que habitam.

É como se a tal piada da reunião de criação do mundo, fosse real, com o Brasil ainda na mesma posição privilegiada com relação aos grandes riscos e limitações inerentes a sua existência, mas cujas vulnerabilidades, especialmente, de ordem humana, e que servem  de desfecho jocoso e de deixa para as esperadas risadas finais, causem tais efeitos, trazendo consigo uma reflexão séria e necessária, sobre a qual trataremos a seguir.

De toda forma, podemos dizer que sim, continuamos fora do circuito da maioria das ocorrências e crises de ordem natural ou de grandes e duradouros conflitos. E para demonstrar esse posicionamento privilegiado, vale mencionar os riscos de terrorismo e de surto do novo coronavirus. Ameaças atuais, também para o turismo e hotelaria, que tem causado transtornos para outras regiões, mas que por aqui ainda passam com seus efeitos reflexos e ou indiretos. 

Dois riscos reais, importantes e muito difundidos na mídia, seja em noticiários, postagens ou até mesmo filmes que abordam de forma explícita e potencializada, a real capacidade de impactos negativos severos que esses riscos já possuem naturalmente. 

Muitas vezes, o objetivo é de melhor informar, outras tantas vezes não, e aí começam os efeitos negativos das desinformações. Sensacionalismo, fake News, produções sangrentas para os lucrativos seriados, muitas vezes se misturando com dados e informações verídicas, fazendo com que cada vez mais as pessoas vivam o que não é totalmente real, como se assim fosse. 

O coronavirus, que ainda pode se expandir e causar mais prejuízos e perdas do que vem causando, assim como o terrorismo, tão cruel, agressivo e imprevisível, têm no seu apelo midiático uma força equivalente ou ainda maior do que seus impactos reais. Obviamente, reforçando que os impactos reais, como os prejuízos financeiros diretos e, especialmente, as perdas humanas, são extremamente sensíveis em qualquer aspecto. 

Entretanto o que vemos, nesses dois riscos, e em outros tantos, é que parte considerável do impacto se origina da sensação de insegurança que se gera. Ou seja, uma interpretação subjetiva tomando a frente de dados e informações concretas e verificadas. 

E, apesar desse desafio de ressaltar a verdade diante das narrativas infundadas, mas poderosas, ainda existe um cenário promissor no sentido de aproveitar cada vez mais as situações adversas para crescer e se desenvolver. E isso é possível tanto quando a crise acontece conosco, ou ainda de forma mais simples, quando a crise acontece com outros. 

E é nesse ponto que os riscos citados, coronavirus e terrorismo, podem se apresentar como boas oportunidades ao Brasil, apesar de continuarem sendo tristes e totalmente indesejáveis realidades. 

Nosso país é alternativa viável para todos os turistas que se preocupem com um ou os dois riscos. Segundo algumas informações, o clima do Brasil dificulta a propagação do coronavirus e não temos nenhum caso registrado passadas algumas semanas no início do surto. O terrorismo, por sua vez, tem visado outras localidades e deixado nosso país de fora dos atos que além de causar as perdas irreparáveis imediatamente, significam grandes e duradouras perdas para um destino atingido.

E ainda tentando evitar um “spoiler” sobre o fim da história da reunião de criação do mundo, é preciso reforçar que a forma como nos portamos e nos preparamos para sermos a alternativa ideal para esse e outros problemas do mundo, é o que nos fará evoluir para novos estágios. 

Esses momentos são propícios para crescermos e deixarmos a 124ª posição em 140 países de acordo com Fórum Econômico Mundial e seu estudo de competividade turística mundial no quesito estratégico da segurança ampla (security and safety). E fazer Gestão de Riscos para conhecer as nossas fraquezas e ameaças reais, e Gestão de Crises para nos fortalecermos diante das respostas necessárias, são práticas fundamentais nesse sentido.

Medidas assim, práticas e viáveis, devem ser tomadas por todos nós, desde o governo com as políticas e comportamentos adequados, as empresas e entidades com interesses equilibrados entre a geração de lucro e o desenvolvimento amplo, e também pelo nosso povo, incluindo os profissionais do setor de hospitalidade, ao assumir sua responsabilidade fundamental, mas não exclusiva. 

Considerando nossa realidade, superando nossas limitações e aproveitando nossos diferenciais presentes nas pessoas e na natureza, nos posicionaremos cada vez mais como um destino confiável, preparado e interessante para todos os viajantes do mundo. 

 

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Otavio Novo é profissional de Gestão de Riscos e Crises, atuando desde o ano 2000 em empresas líderes nos setores de serviços, educação e hospitalidade. Consultor e idealizador do projeto Novo8, mencionado pela ONU no IY TOURISM 2017.  Advogado, coautor do livro "Gestão da qualidade e de crises em negócios do turisno" , durante 6 anos foi responsável pelo Departamento de Segurança e Riscos da Accor Hotels para cerca de 300 propriedades e 15 mil colaboradores em nove países da América Latina.

Contato: [email protected] | www.novo8.com.br