Chega agosto ou setembro e a movimentação começa nos escritórios dos controllers e gerentes gerais, além das lideranças das operadoras hoteleiras: é hora de pensar no orçamento para o ano seguinte. Sim, no ano passado essa tarefa foi um desafio tão grande que, não raro, fazia-se pelo menos três orçamentos: conservador (ou pessimista, fica a seu critério), moderado e otimista. E para 2022? Será que a missão continua tão difícil assim? O que é necessário se atentar? Quais as possibilidades e problemas à frente? Para auxiliar o hoteleiro, convidamos na sessão Opinião de hoje (4) Pedro Freire, diretor de Valuation & Advisory Services da JLL, para dar o caminho das pedras. Boa leitura!


A elaboração dos orçamentos dos hotéis no Brasil para 2022 certamente será uma das mais complexas dos últimos anos. Isso é verdade, mesmo considerando que, entre 2015 e 2018, passamos por momentos de fortes emoções. Pois enfim, quando parecia que estávamos superando a recessão e os hotéis estavam com uma perspectiva positiva, veio a pandemia.

De qualquer modo e independentemente do cenário, essa fase de elaboração e negociação dos orçamentos é um dos momentos mais importantes e complexos de uma operação de um hotel e da relação entre proprietários e cadeias hoteleiras.

Essa análise requer um conhecimento profundo do mercado onde o empreendimento está inserido, dados históricos sólidos e um bom entendimento das perspectivas futuras para que se possa elaborar um plano de marketing adequado, com estratégias para gerar receitas e controlar os custos. Não basta simplesmente copiar o que foi o ano anterior e aplicar uma taxa de crescimento ou retração.

Um orçamento bem elaborado é um exercício muito mais amplo. O seu resultado deve ser um desafio, mas algo tangível, baseado em estatísticas e estimativas concretas e bem fundamentadas. Deve alinhar as visões e expectativas do proprietário e do operador do hotel, o que não é uma tarefa simples. Afinal, ainda que todos os envolvidos tenham como objetivo final maximizar o retorno, existe sempre a questão de manter os padrões de qualidade e as metas de desempenho para os funcionários, que são baseadas nos resultados financeiros, estimulando muitas vezes a apresentação de um orçamento mais conservador.

É justamente nesse ponto que os objetivos das partes envolvidas podem divergir sobre as projeções, pois para as cadeias o principal ativo é a marca, os padrões de qualidade e serviços, enquanto para os proprietários o ativo é o hotel e quanto pode gerar em termos de resultados financeiros. Se toda essa equação já é complexa em condições e mercados mais previsíveis e estáveis, para 2022 o tempero será ainda mais forte.

Para a hotelaria urbana, que depende do hóspede corporativo e do segmento de eventos, os dois últimos anos (2020 e 2021) foram terríveis em termos de resultados. Mais ainda, a ansiedade para uma retomada em 2022 é muito grande. Já para as propriedades com foco no turismo de lazer, que tiveram um desempenho melhor, a dúvida é se o número de viajantes domésticos se manterá ou se os brasileiros voltarão a viajar para o exterior assim que puderem e a demanda para esses produtos diminuirá internamente.

Pedro Freire - Opinião_Orçamento 2022_interna

 

“Será fundamental ter coragem e competência para reajustar as diárias na medida certa, assim como os valores cobrados nos restaurantes, bares e demais serviços, além de continuar com o trabalho de contenção máxima de gastos. As margens precisam melhorar, e os operadores serão cobrados por isso.”

Pedro Freire, diretor de Valuation & Advisory Services da JLL

 

De todas as formas, é fundamental ter em conta que houve uma mudança recente no humor do mercado. E para pior. As projeções para 2022, que no início do ano eram mais positivas, com a expectativa de uma retomada mais acentuada da economia e de crescimento do PIB acima de 2%, mudaram e, hoje, são mais negativas, com projeções mais próximas de 1%.

Além do PIB, a inflação alta, que conforme as projeções dos analistas em 2021 tende a ficar próxima de 10%, contribui para que o cenário do próximo ano seja mais negativo. Isso tem forçado o Banco Central a elevar a taxa Selic, o que, apesar de me parecer necessário, traz como efeito colateral a redução da atividade econômica.

A combinação desses fatores, somados à instabilidade política, à falta de avanço concreto na reforma tributária e à piora no cenário da economia externa, fez com que o mercado olhasse para o ano que vem com muito mais cautela. E, como se não tivéssemos elementos suficientes, ano que vem é ano de eleição presidencial.

Sendo assim, acredito que, ao planejar 2022, os hotéis devam se programar para uma retomada gradual da demanda, mas com as diárias ainda pressionadas. Em relação às despesas, itens como gastos com funcionários, que já vêm de dois anos com reduções salariais e baixo ou nenhum dissídio, e energia, principalmente elétrica, que tem sofrido reajustes consideráveis na sua tarifa, impulsionados pela atual crise hídrica, devem ser estimados de maneira cuidadosa.

Além desses, merece uma menção pouco honrosa o custo dos alimentos, que ultimamente subiu muito e tem um impacto direto no resultado do departamento de A&B (Alimentos & Bebidas).

Todos esses pontos mostram como a tarefa dos administradores hoteleiros não será fácil. Se por um lado deverão lidar com a ansiedade dos proprietários de finalmente verem os hotéis com resultados positivos, por outro deverão ainda atravessar águas incertas e muito turbulentas.

Será fundamental ter coragem e competência para reajustar as diárias na medida certa, assim como os valores cobrados nos restaurantes, bares e demais serviços, além de continuar com o trabalho de contenção máxima de gastos. As margens precisam melhorar, e os operadores serão cobrados por isso.

Para não tratar o tema de maneira muito genérica e dar um direcionamento um pouco mais claro, pode-se usar como referência o que aconteceu entre 2017 e 2018.

Guardadas todas as proporções possíveis, naquele momento estávamos atravessando nossa pior recessão e, em 2018, principalmente a partir do segundo semestre, tivemos uma retomada, mesmo que ainda tímida e em um cenário incerto. Outra semelhança entre esses dois períodos é que 2018 também foi ano de eleição presidencial.

É o que estimo para 2022: um ano com a economia fragilizada e instável politicamente, mas com um movimento claro de retomada, ainda que com desafios e freios importantes, assim como foi há quatro anos.

Finalmente, é importante comentar que essa projeção considera que até o final do ano tenhamos a pandemia ainda mais controlada. Caso haja algum retrocesso nesse sentido, será necessário voltar para a prancheta. Enfim, só para não deixar de colocar mais uma pitada de incerteza…

(*) Crédito da capa: Ben_Kerckx/Pixabay

(**) Crédito da foto: Divulgação/JLL Hotels & Hospitality Group