Há muito que a transformação digital deixou de ser uma tendência para se tornar uma necessidade para qualquer negócio e, neste contexto, inovação é atualmente um dos pilares de competitividade de mercado. Pensando em um mundo pós-pandemia, a demanda ganha moldes ainda mais exigentes. Quando se trata da hotelaria brasileira, um dos pontos polêmicos é o debate sobre o atraso tecnológico no setor.

Se colocarmos uma lupa no mercado nacional, existe pouca expressividade de marcas internacionais. Ainda que a Accor seja detentora de um vasto portfólio por aqui e que a Hilton e Marriott estejam elevando a oferta no Brasil, existe uma gama de empresas que nem sequer cogitam empreender no país.

Entretanto, a inovação ainda não faz parte das prioridades da maioria dos hotéis brasileiros. E mudar tal cenário depende, antes de tudo, cultivar a veia tecnológica dos empreendimentos. Para Mario Sérgio Salerno, professor da Fundação Vanzolini e titular do Departamento de Engenharia de Produção da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, a tecnologia está intimamente atrelada aos setores de serviços.

“Um hotel é serviço puro, como uma aula ou uma entrevista. Ambos só acontecem quando o consumidor e o prestador de serviços estão simultaneamente conectados. É uma relação muito pessoal e tangível. É desse tipo de relacionamento que surgem muitas oportunidades de inovação”, pontua.

inovação - augusto rocha

Para Augusto Rocha, a resposta está no modelo de distribuição do setor

Inovação e o atraso tecnológico

Augusto Rocha, vice-presidente de Marketing & Vendas da Pmweb, acredita que a falta de recursos tecnológicos no mercado hoteleiro nacional não possui ligação direta com a escassez de marcas internacionais. Segundo o profissional, um cenário semelhante pode ser observado em outros setores, como o varejo, e nem por isso as empresas deixaram de investir em inovação.

“Existe também uma falta de players internacionais em outros mercados como varejo e aéreo, por exemplo. E são dois setores em que a tecnologia é infinitamente superior. O que acontece é que o modelo econômico utilizado na hotelaria, no qual um administrador direciona a venda a intermediários, faz com que as margens de lucro sejam estreitas”, explica.

Seguindo a linha de raciocínio, empreendimentos hoteleiros não possuem capacidade financeira de investimentos. “Esse dinheiro sobra no pagamento de comissões de intermediários, sejam eles b2b ou b2c. Quanto mais a venda é terceirizada, menor é a margem de lucro, criando um ciclo vicioso”, acrescenta.

Rocha ainda provoca dizendo que a maioria dos hoteleiros estão cada vez mais dependentes de intermediários, enquanto do outro lado do balcão startups surgem para questionar o modelo de negócios. “Essa margem apertada de distribuição diminui a capacidade de investimentos”, acrescenta.

Transformando a cultura

Como pontuamos inicialmente, a transformação da cultura de inovação das empresas é o passo inicial para a mudança. “No setor hoteleiro, a inovação passa pelo equipamento, infraestrutura e atendimento. Isso eleva o preço da diária, principalmente em empreendimentos de perfil corporativo, que têm maiores necessidades de escritórios, coworkings e internet de alta velocidade”, afirma Salerno.

O professor acrescenta que é preciso montar um sistema de inovação e, se necessário, contratar consultores especializados no assunto. “Outro ponto é introduzir um esquema de geração de ideias interno, com a participação dos colaboradores. Porém, de nada adianta realizar um brainstorm se não for pensado em como colocá-las em prática”.

O vice-presidente da Pmweb acrescenta que empresas como o Magazine Luiza implementaram a cultura de inovação durante uma fase negativa e, atualmente, colhem os frutos da transformação. “Quem veio primeiro? O ovo ou a galinha? O Magazine Luiza é um exemplo reconhecidamente bem-sucedido. A mudança cultural veio antes do aporte de capital. Há seis anos, o valor da ação da empresa era 1% do que é hoje. Naquela época, foi pavimentada a transformação e, por isso, digo que a visão da marca precisa ser mudada”.

“As coisas precisam acontecer juntas. Um programa que ajuda a criar uma cultura apenas no discurso não adianta nada. Ela precisa de algo para realmente acontecer. O mundo empresarial é assim”, pontua Salerno.

Rocha destaca que, para conseguir mudar o mindset das empresas, é necessário que as mesmas sejam protagonistas das suas próprias distribuições e receitas. “Quem mais lucra mais com o seu negócio? É uma pergunta pouco feita em vários setores econômicos. No caso da hotelaria, é o Google. E quem lucra mais, consequentemente investe mais em tecnologia. A resposta está na distribuição, no Revenue Management, na gestão de receita”.

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CEO da Asksuite acredita que a mentalidade do hoteleiro evoluiu

O olhar do fornecedor

Startup fornecedora de serviços de chatbot e canais de atendimento para a hotelaria, a Asksuite vem inovando seus produtos. Atualmente com uma base de 1,1 mil empreendimentos brasileiros, a empresa acredita que a visão do setor vem passando por mudanças nos últimos anos.

“Tivemos um crescimento rápido, pois o hoteleiro evoluiu em termos de digitalização. O WhatsApp mudou a forma de compra, de comunicação. O Instagram transformou a forma de vender. Todas as plataformas digitais trouxeram consciência de que a internet é o canal número um de vendas e, para estar forte nesse ambiente, é preciso inovação tanto na parte comercial, quanto de gestão”, comenta Rodrigo Teixeira, CEO da Asksuite.

De cinco anos de atividades pra cá, Teixeira afirma que o setor está mais aberto à inovação e que a startup não teve grandes dificuldades em avançar no mercado. “Quando você chega com uma proposta de valor clara e mostra que existe um retorno, tudo fica mais fácil. Acredito que ainda exista falta de visão de otimização de processos. Muitas vezes pagar uma plataforma te ajuda a ganhar produtividade. É um tempo investido em como levar seu hotel a outro nível”.

O CEO ainda discorda com a afirmação de que a falta de grandes redes possa trazer algum atraso tecnológico ao setor hoteleiro nacional. “Redes são burocráticas. Uma marca internacional precisa da aprovação da matriz para implementar uma nova ferramenta. Marcas nacionais têm mais agilidade nas tomadas de decisão, mas tudo depende do mindset do gestor. Não adianta o profissional estar sentado na mesma cadeira há 20 anos sem perceber as mudanças ao seu redor”.

Em contrapartida, Teixeira acredita que a oferta de tecnologias lá fora seja, de fato, superior ao mercado nacional. “Por aqui as ferramentas ainda são muito restritas a PMS, motor de reservas, reviews e gestão de canais. Existe uma série de demandas de inovação como os setores de marketing, financeiro e eventos, por exemplo. Estamos começando a ver mais opções nascendo, mas toda tecnologia precisa de um tempo de amadurecimento para a entrega”.

Cases

O hotel Gran Marquise, localizado em Fortaleza, entendeu o recado. Com o departamento de Vendas integrado ao RM, o empreendimento realiza campanhas de marketing estratégicas nas redes sociais, além de utilizar ferramentas como chatbot e PMS. “Um hotel independente pode ser tão forte como qualquer marca e temos muitos exemplos disso no mundo. Nossa espinha dorsal é atuar com parceiros comerciais como as OTAs, mas o site é a nossa base. Reformulamos o motor de reservas e estamos com uma performance responsiva”, explica Philippe Godefroit, gerente geral da propriedade.

O executivo ainda ressalta que o Gran Marquise investe em ferramentas de análise de mercado para agir de forma ágil. “Trabalhamos com o CRM para conhecer o nosso cliente e segmentá-lo em faixa etária, estado de origem, etc. Atuamos com nichos de mercado e vem funcionando muito bem”.

O empreendimento também promove investimentos em capacitações e cursos para os colaboradores estarem sempre atualizados. “Priorizamos nosso posicionamento no Google, para nós é algo primordial. Nosso chatbot realizou em 2020 4,2 mil atendimentos. A cada 15 dias, procuramos atualizar as respostas em reuniões com o RM de acordo com o que acontece no mercado”.

O WhatsApp é um dos principais canais de atendimento do hotel. No caso do spa, 50% das reservas são feitas pela plataforma. Hoje, 60% dos clientes do espaço são locais, uma demanda relevante para o empreendimento. Já no restaurante, 50% da clientela é de fora e outros 50% são hóspedes.

“Infelizmente, poucos hotéis independentes têm o nosso posicionamento. No Nordeste, grandes redes têm pouca cobertura. Vejo muitos empreendimentos entregando sua distribuição ao Booking e Expedia, o que é um absurdo. Trabalhar com parceiros é importante, mas é preciso acreditar no potencial do negócio”, avalia o gerente.

Para 2021, investir em inovação é uma das prioridades da Atlantica Hotels. De acordo com Leonardo Rispoli, vice-presidente de Marketing, Vendas e Tecnologia, a operadora lançará um novo site que oferecerá serviços como early check-in, late check-out, pontos no programa de fidelidade e produtos de parceiros.

“Além dessa iniciativa, também lançamos uma Central de Reservas unificada que atende aos hotéis do grupo. Já temos 18 empreendimentos utilizando esse serviço e a ideia é que, até o final do ano, tenhamos cerca de 50. Com essa central, conseguiremos garantir um nível de excelência ainda maior nos atendimentos realizados aos nossos hóspedes, uma vez que há uma padronização de atendimento, todos os funcionários passam por treinamentos periódicos, etc”, explica.

“E fechando o ciclo de investimentos em tecnologia, vale mencionar o chatbot de atendimento para o suporte às vendas em nosso site. Esse canal, que é Omnichannel, permite que os hóspedes escolham o meio que preferem interagir (chat, e-mail ou telefone). Todas essas iniciativas têm como objetivo central oferecer aos nossos hóspedes uma experiência ainda melhor, garantindo um alto nível de atendimento, vantagens exclusivas do canal, mais comodidade e flexibilidade a eles”, detalha Rispoli.

(*) Crédito da capa: geralt/Pixabay

(**) Crédito das fotos: Divulgação