Quando garoto, Paulo Roberto era realmente bom com a bola nos pés. Nos campinhos de terra de Vicência (PE) não tinha para ninguém – ou para quase ninguém. Então, quando o Náutico foi fazer um amistoso contra o time da pequena cidade de 30 mil habitantes da Zona da Mata pernambucana, um olheiro do centenário clube do Recife ficou de olho naquele esguio meia direita da seleção local. Logo após a partida, veio o tão esperado convite para um período de treinos na capital, juntamente com outros dois amigos.

“Minha mãe não queria que eu fosse”, relembra Paulo Roberto, o primogênito da família Melo, que tem ainda uma irmã. “Ela disse para o olheiro que não eu havia terminado os estudos ainda e que, por isso, não poderia ir. Ela soubera também que a estrutura dos alojamentos do clube para os garotos não era boa. Então, não teve jeito”, completa. E, de fato, mãe tem sexto sentido: os outros dois garotos selecionados foram para o Recife, mas… logo voltaram para casa.

Então com 18 anos, Beto, como é conhecido por todos na pequena cidade pernambucana, combinou com a mãe que continuaria a estudar, mas que, ao concluir o segundo grau, já tinha definido seu futuro: tentaria a sorte na cidade grande, mais especificamente em São Paulo. “Tinha um amigo que estava na cidade e trabalhava no Maksoud Plaza. Ele me garantiu que em poucos dias me arrumaria um emprego. Foi um chororô danado em casa quando comuniquei meu objetivo, mas dessa vez minha mãe topou”, relembra.

E lá foi Paulo Roberto cumprir o seu destino. Aos 19 anos, chegou a São Paulo após quase três dias de viagem dentro de um ônibus. Era o dia 9 de março de 1996 – e ele jamais o esqueceu. “Rapaz, na minha cidade mal tinha um sobrado. Cheguei aqui, vi esse mundo de prédios, trânsito pesado, gente para tudo que é lado… Tirei da cabeça a ideia de ser jogador e o destino me levou para São Paulo. E contra ele não se briga, né?”

E, de fato, o destino é mesmo uma coisa incrível, certo? Pois com menos de 10 dias em São Paulo, Beto teve o rumo de sua vida selado. Lembra do amigo do Maksoud Plaza? Pois bem, ele matou a cobra e mostrou o pau, cumprindo sua promessa: arrumou uma entrevista no hotel. “Entrei pelo P3 e nunca mais saí”, diz Melo, em referência ao portão de entrada dos funcionários do tradicional cinco estrelas paulistano, localizado na Alameda Ribeirão Preto.

Uma vez em São Paulo, Beto arrumou seu primeiro e único emprego da vida, comprou sua casa própria em Itaquera, casou-se com Alessandra, teve dois filhos, criou-os e, hoje, os vê seguir seus próprios caminhos. “O nascimento do Vinicius e da Victória são os dias mais felizes da minha vida. E, para mim, felicidade mesmo significa estar com a minha família”, diz. “Hoje, ver o Vinicius cursar Direito é uma grande alegria. Já a Victória quer fazer Psicologia e a hora dela vai chegar”, revela Paulo Roberto, que completa. “E para todas essas conquistas, devo muito ao sr. Henry Maksoud e a essa casa que me acolheu muito bem desde o primeiro dia”, complementa.

Maksoud Plaza - especial 1_Paulo Roberto e família

Victória, Alessandra, Paulo Roberto e Vinícius moram em Itaquera, Zona Norte de São Paulo

Maksoud Plaza Especial

Com a relação de 25 anos entre Paulo Roberto e Maksoud Plaza, o Hotelier News inicia hoje (8) uma série de reportagens especiais sobre este que é um dos principais símbolos da hotelaria paulistana. Inaugurado em 1979, o eterno cinco estrelas terá sua trajetória contada a partir da visão de hóspedes habitués e funcionários, além de relatos de personagens e de fatos que ajudaram a construir a mítica em torno dele.

Sim, hoje o momento é de intensos desafios para o Maksoud Plaza, mas essa realidade vale também para o restante da hotelaria paulistana e do Brasil. Com foco nos segmentos corporativo e de eventos, o empreendimento viu a receita despencar com a pandemia. As demissões e a posterior recuperação judicial foi um “remédio” duro, mas necessário diante da situação. Hoje, o hotel tem fôlego para renegociar suas dívidas e planejar a retomada.

“Sem pandemia não haveria recuperação judicial”, assegura Henry Maksoud Neto, presidente do hotel, que também concedeu uma longa entrevista ao Hotelier News que será publicada nas próximas semanas. “Até a chegada da Covid-19, o hotel era rentável. Tínhamos problemas aqui e ali, mas avançávamos para resolvê-los. Agora, fica difícil fazer previsões em cima de questões que não temos controle total. Trabalhamos para o hoje, para o momento”, completa.

Além dele, Bruno Guimarães, contratado para assumir a área de Vendas e Marketing, vai falar alguns dos planos para o curto prazo e a estratégia para o Maksoud Plaza voltar aos tempos de glória. “O Maksoud é um ponto turístico da cidade, com uma localização maravilhosa. Queremos resgatar isso, buscando parceiros para fazer isso acontecer. É o que estamos nos dedicando no momento”, revela Guimarães.

Já o passado será retratado com uma entrevista exclusiva com o arquiteto que projetou o imponente edifício, cuja marca principal é o grandioso atrium – talvez o maior do país em um hotel. Além disso, noites clássicas como o show de Frank Sinatra e os muitos eventos que o hotel sediou serão lembrados por quem viveu esses imperdíveis momentos.

Então, acompanhem nossa série especial, que atravessará todo mês de maio, sempre com novos capítulos aos sábados. Eles ficarão uma semana no ar, de modo que o leitor tenha o tempo para degustá-lo e compartilhá-lo com quem quiser. Agora, para continuar, voltemos ao Paulo Roberto Melo, um dos nossos personagens de hoje.

Maksoud Plaza - especial 1_Paulo Roberto Melo

Beto chegou a São Paulo e logo arrumou trabalho no hotel, seu único emprego até hoje 

O craque da lavanderia

Veja, o Maksoud Plaza é um pedacinho do Nordeste na hotelaria paulistana. Vários funcionários atuais e do passado são da região, dando aquele conhecido toque acolhedor ao bom (e reconhecido) atendimento do hotel. Mais do que isso, o grande número de nordestinos ajudou Beto a se ambientar rapidamente, ajudando-o ainda a vencer sua timidez.

“Nunca esqueço o meu primeiro dia. Tudo novo, era um garoto com 20 anos recém-completos”, relembra Melo, hoje já grisalho e aos 45. “Aquela estrutura enorme, lobby lotado… aquilo tudo me impressionou bastante. Entrei como Serviços Gerais, onde permaneci durante o período de experiência de três meses. Wagner e Pedro, dois nordestinos, é claro, foram minhas primeiras amizades aqui dentro.”

Na sequência, ele foi alocado na Lavanderia, onde trabalhavam 48 pessoas à época. “Acho que o Maksoud Plaza devia ter quase 1 mil funcionários nesse período”, estima Melo. Primeiro, ele atuou como auxiliar de lavanderia, que consistia em um trabalho mais pesado de secar e passar o enxoval. “Fui sendo promovido, mas só a partir do momento que me tornei valet é que saí dos bastidores e passei a circular pelo hotel. Entregava a rouparia nos quartos”, conta.

Nesse movimento pelos andares , ele viu de perto inúmeras personalidades do mundo da música, como Julio Iglesias e Rick Martin, além de ter conhecido seu ídolo. “Fui entregar o pedido de uma camisa de um tal José Roberto Gama. Toquei a campainha e, quando a porta se abriu, estava o Bebeto, ainda na ativa. Ele era meu ídolo dos gramados”, conta Paulo Roberto, com certo grau de emoção e se referindo ao atacante campeão mundial com a Seleção em 1994.

Hoje, Beto é supervisor de lavanderia, coordenando o trabalho de outras seis pessoas, como José Airton de Freitas (27 anos de Maksoud Plaza) e Maria José Magalhães (18 anos de casa), que estão aí na foto abaixo com Melo. “Em 2019, mudou tudo por aqui. Uma empresa terceirizada passou a lavar e passar todo o enxoval. Hoje, cuidamos apenas da rouparia dos funcionários e a que vem a partir das solicitações dos hóspedes. No passado, lavávamos quatro toneladas de roupas todos os dias”, relembra.

Maksoud Plaza - especial 1_Airton, Paulo Roberto e Maria

Maksoud Plaza é uma casa nordestina, como mostra a trajetória de Airton, Beto e Maria José

A pandemia, para ele, foi um período de muitas incertezas e medo, como foi para todos os demais profissionais da hotelaria, mas houve também aprendizados. O temor de perder o emprego ou de levar a doença para casa estavam sempre na cabeça, principalmente no começo, quando ainda havia poucas informações sobre as formas de contágio.

“Trabalhei normalmente no início da pandemia, ao longo dos meses em que o hotel ficou fechado temporariamente. Era um dos membros da equipe que cuidava da manutenção. Admito que era estranho chegar aqui e ver esse gigante sem gente, os quartos vazios e a luz apagada… Pensei, sim, na possibilidade de não voltar às atividades, mas ainda bem que isso passou”, revela. “O medo, então, foi gradualmente dando lugar à confiança. Os protocolos de segurança e higiene realmente funcionam. Até hoje não peguei o vírus”, conta.

O ensinamento? Bem, Paulo Roberto Melo sabe exatamente qual é. “Foi ver que o ambiente de trabalho aqui é muito bom. O time é bastante unido e trabalha junto há muito tempo. Nossas confraternizações de fim de ano são sempre boas demais. Acho que a pandemia uniu ainda mais quem ficou”, avalia. “Quem entra aqui pela primeira vez, não tem vontade de sair.”

E se pudesse voltar no tempo? Se fosse possível convencer a mãe a deixá-lo tentar a sorte nos gramados? Iria se aventurar no Náutico? Faria alguma coisa diferente? “Olha, sinceramente, faria tudo exatamente igual. Sou feliz e, se pudesse resumir o Maksoud Plaza em três palavras, citaria orgulho, prazer e amor. Aqui consegui tudo: comprei minha casa própria, construí minha família e vivo minha vida com tranquilidade. Por que mudar?”

E, vem cá, será que ele tem razão?

(*) Crédito das fotos: Vinicius Medeiros/Hotelier News

(**) Crédito da família: Arquivo pessoal