Julio Serson com um quadro do pai ao fundo, o hoteleiro Luiz Serson
(fotos: Dênis Matos)

Em se tratando de mercado hoteleiro, Julio Serson não se intimida. Também pudera. Ele é um dos que atendem o indumentário padrão do setor – o bem-servir – desde os saudosos tempos da adolescência.

Começou a trabalhar em meios de hospedagem nos idos de seus 18 anos, quando aceito pela Fundação Getúlio Vargas, a FGV, para cursar Administração Hoteleira. “Quando você começa a trabalhar?” – foi a primeira pergunta de seu pai, Luiz Serson, à época; quando o patriarca dirigia o grupo que leva o sobrenome da família e atua na indústria hoteleira com os hotéis Vila Rica.

Serson, o filho, me recebeu numa sala arejada e de iluminação natural num edifício do Jardim Paulista, em São Paulo. O mote da conversa era a nova fase que a empresa vem passando ao ampliar a atuação no setor da hospitalidade. Mesa de reuniões ao centro, luneta para perscrutar a metrópole da janela e cápsulas de café suficientes para encher uma sacolinha de supermercado compunham o cenário. De esguelha, o que mais me chamou a atenção foi a coleção de livros que figurava na estante – com títulos somente relacionados, notadamente, à hotelaria.

Casado, pai de duas filhas – que ele define como “o orgulho de sua vida” -, urbano por essência, Julio Serson tomou à frente do grupo quando do falecimento de seu progenitor. Hoje, a empresa tem outras atividades – apesar de a hospitalidade ser a principal – que foram se expandindo nos últimos seis anos. A incorporação é uma delas, com um trabalho direcionado a shopping center e residenciais. Agronegócios e agência de turismo completam o rol.

Típico paulistano, ele conta que a correria das viagens em função da vida profissional lhe traz uma sensação boa: “A de voltar para a capital”. A paixão por São Paulo, sublinhe-se, é latente.

Paralelamente ao trabalho empresarial, foi presidente da ABIH-SP (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis – São Paulo) por quatro anos. Permanece vice-presidente da ABIH-SP, especializou-se em Hotelaria pela Cornell University, dos Estados Unidos, e foi secretário de Esporte e Turismo no então governo de Mário Covas – chegando a trabalhar também com Geraldo Alckmin.

“Além de ser interessante atuar com o Covas e o Alckmin, duas pessoas que preso muito, isto me deu uma experiência de trabalhar do ‘outro lado do balcão’. Pude ver de perto como funciona o poder público”, conta.

“É complexo trabalhar com a máquina pública. Mas tive sorte em trabalhar num governo muito correto, sério. Mas há a burocracia, as dificuldades, a falta de recursos, enfim, é outro mundo que eu consegui entender”, completa.

Adiante, sempre atrelado à gestão do coletivo e às articulações da sociedade civil organizada, Serson foi convidado para assumir, há cerca de dois anos, a presidência de Relações Institucionais do Fohb (Fórum Nacional dos Operadores Hoteleiros). “Uma área que gosto muito, que tem relação com governo, com outros parceiros da indústria, com as associações”, ele define.

Daí nasceu a parceria profícua, inclusive, que levaria Roberto Rotter, presidente do Fohb, ao grupo, quando este assumiu em meados de maio a direção dos hotéis Vila Rica. Rotter está capitaneando todo o processo de reestruturação da rede – que congrega a administração de hotéis de terceiros e a negociação para trazer uma nova bandeira hoteleira internacional para o Brasil.

Nesta entrevista exclusiva ao Hôtelier News, Julio Serson relembra um pouco de todo esse processo atual, fala de sua ânsia em atuar na gestão pública e, principalmente, debate o tema que lhe é cotidiano: a hotelaria.

Por Dênis Matos

Hôtelier News: Nos últimos anos é perceptível um reposicionamento da marca Vila Rica. Como nasceu isto?
Julio Serson: Este termo é bom: o Vila Rica está mesmo se reposicionando. O processo começou, digamos, há uns três anos. Nós realmente resolvemos, em tese, ser mais agressivos no mercado. Culminou de estarmos no seu ápice agora, com a chegada do Roberto Rotter. E por que esta escolha? Porque pretendemos, além de tocar a expansão dos hotéis Vila Rica, abrir uma operadora multimarca – na qual, além de operar nossos hotéis, vamos operar hotéis de terceiros.

Este processo, na verdade, começou até um pouco antes desses três anos se pensarmos bem. Foi quando resolvemos passar a ser investidores da Accor com hotéis ibis, ou seja, começamos a injetar dinheiro – mas continuar com unidades Vila Rica. Já agora, com a vinda do Rotter, este processo está num terceiro momento: de atuar com outras bandeiras. Ou seja, vamos atuar em todas as pontas: com hotéis próprios, de marcas próprias; hotéis cujo investimento é 100% nosso, que são os ibis de Belém e Porto Velho, mas operados por uma bandeira; e vamos também utilizar nossa expertise em administração para operar hotéis de terceiro.

HN: Este novo modelo será com bandeira Vila Rica?
Serson: Não há uma preferência de bandeira. Teremos a Vila Rica, com certeza, mas nossa ideia é oferecer para este potencial cliente desde a marca própria até uma grande bandeira internacional. Estamos em fase final de negociação, só não podemos adiantar o nome, com uma cadeia hoteleira internacional.

HN: É algo ainda para este ano?
Serson: Nós estamos fazendo vários contatos, pois é um mercado também muito competitivo, com redes grandes que já atuam em outros países. Não temos condições de bater de frente com grandes cadeias, mas podemos ser uma alternativa, este é o nosso posicionamento. Eu imagino que até o final do ano já haja contratos assinados. Nós próximos 90 dias devemos assinar um contrato com alguma bandeira internacional que será representada por nós no País.

HN: De um lado você é administrador, de outro investidor e proprietário e até mesmo alguém que pensa o setor. Como é para você atuar em tantas frentes e o que te agrada mais?
Serson: Esse é um ponto muito importante, mas em certa medida é fácil responder, muito objetivamente. O que eu gosto é de hotelaria. Nasci nisso, acho que sei trabalhar neste setor. Quando eu entrei na faculdade meu pai não me deu nem parabéns, ele só perguntou: Quando você começa a trabalhar? E olha que eu entrei na FGV, que é uma boa faculdade e até hoje tem processos seletivos complexos, mas ele só se preocupou com essa questão de eu ir trabalhar no grupo.

HN: Como foi este início na profissão?
Serson: Eu trabalhava pela manhã num hotel no centro da cidade e saia de lá direto para a faculdade. Lembro-me que tinha um gerente, um espanhol que já faleceu, o senhor Tomas, que ia comigo até a garagem e dizia: Bom, agora você vai para o segundo tempo, não é, Julio? Então eu tinha o primeiro tempo no hotel, que era das 8h às 18h, e depois saia direto para a faculdade, voltando para cá lá pelas 23h.

Acontece que eu gosto muito de hotelaria, e isto em certa medida está ligado ao fato de eu gostar do que faço. Entendo também que o empresário, na medida do possível, tem que dar sua contribuição para o setor em que ele atua, para a comunidade. Não adianta apenas cobrarmos do poder público – o governo não tem condições de fazer certos ajustes, seja municipal, federal, estadual. Não adianta: a sociedade precisa, junto com o poder público, fazer com que as coisas andem ou sejam resolvidas. Não é assumir o papel de Estado, mas é participar junto do poder público.

Participando do Fohb, da própria ABIH e de outras entidades de classe, até mesmo as Associações de Moradores de Bairro, estamos ajudando a melhorar o lugar onde vivemos e a nossa sociedade. É uma contribuição que pode refletir amanhã para nossos filhos. Não é fácil, eu sei, mas eu gosto.

HN: A percepção que se tem é que esta articulação é sempre necessária para que a hotelaria amadureça. Como você vê isto?
Serson: O Brasil está descobrindo que os setores de prestação de serviços – como a hotelaria e o turismo – são a bola da vez. O País tem uma vocação grande de prestador de serviços, na qual, dentro deste prisma, a hotelaria se inclui. Mas não podemos nos iludir: a hotelaria hoje é um setor muito competitivo, muito globalizado, no qual o padrão de comparação do cliente é algo de São Paulo com Miami, de Salvador com Caribe, e assim sucessivamente. O cliente hoje, constantemente, tem outras bases.

O próprio brasileiro hoje viaja muito para o exterior. Por isso o padrão de qualidade que ele exige de seu negócio é comparado a qualquer outro destino do mundo.

HN: Essa frente da mão de obra qualificada, ou a ausência dela, é vista de que forma por você?
Serson: O maior desafio que temos é sim a qualificação da mão de obra. Posso dizer que tem melhorado, nesses mais de 20 anos que eu estou no setor tem melhorado – mas existe um longo caminho a ser percorrido. Nós temos hoje, dentro desse assunto, mais do que um desafio, eu diria. São na verdade dois desafios: uma boa qualificação, até mesmo por conta da competitividade do mercado; e outro ponto, muito claro, é a retenção desses profissionais no setor.

Isto porque, com uma economia aquecida que temos observado nos últimos anos, ainda que em 2012 isto tenha se arrefecido um pouco, o que temos notado é que estamos perdendo profissionais para outros setores.

Antigamente se você falasse de mão de obra ouviria que era difícil conseguir gente e preparar essas pessoas. Isto perdura, mas uma vez eles preparados, uma vez eles atuando no setor, é necessário segurar esse profissional para que ele não vá para companhias aéreas, agências de viagens, hospitais, entre outros.

HN: A dinâmica da hotelaria quanto à operação, no que diz respeito a horários e à velocidade que os profissionais precisam ter para atender o cliente, acaba estimulando essa migração para outras áreas?
Serson: Veja, o profissional de hotelaria não tem final de semana, os horários são dispersos, a pressão é muito grande, o contato é direto com o cliente, o nível cultural tem que ser elevado, ou seja, é uma pessoa que precisa estar muito bem preparada para vários setores. Mas, no meu entender, contudo, a hotelaria continua tendo grandes atrativos.

Um deles é porque é uma profissão globalizada: um bom profissional trabalha em São Paulo, em Paris, em Salvador, em qualquer lugar. É uma profissão em que a ascensão é muito rápida, diferente de outros setores. Se o profissional é bom, ele sobe muito rápido porque o trabalho aparece muito rápido, junto ao cliente e junto ao seu chefe imediato. Sem dúvidas, o nível salarial também tende a se elevar nos próximos anos, principalmente pelo crescimento do setor.

HN: Quais foram os maiores problemas que você viu nesses mais de 20 anos de atuação no mercado hoteleiro do País?
Serson: É difícil apontar um erro, mas posso dizer pontos gerais. Primeiro, a mão de obra é sempre uma dificuldade. Eu diria que os setores de hotelaria e turismo no Brasil até pouco tempo não tinham o devido reconhecimento da sociedade civil na importância econômica destas atividades. Isto está melhorando, mas há um longo caminho a ser trilhado, são atividades que precisam ser entendidas como importantes para o desenvolvimento do País, são setores que pagam muitos impostos e geram muitos empregos.

Quando vemos problemas em qualquer indústria, como os recentes da automobilística, o governo intervém e dá uma série de benefícios, baixa o IPI. A linha branca a mesma coisa, a construção civil a mesma coisa. Nós na hotelaria, quando precisamos de apoio – e não estou falando de benefícios – sofremos muito.

Há uma melhora. Hoje temos espaços em veículos jornalísticos como o de vocês, estamos começando a ganhar os cadernos de economia da grande imprensa, mas é um grande desafio. Falando como empresário e como alguém que atua nas entidades de classe, assinalo que precisamos vencer barreiras e mostrar que a hotelaria e o turismo são grandes alavancadores do crescimento estável para o Brasil.

HN: E quanto aos recursos públicos para a expansão do setor?
Serson: Recursos hoje para o crescimento do setor existem. Quem for aos bancos oficiais com um bom projeto, tecnicamente correto e economicamente viável, vai ser aprovado. Diferentemente de 20 anos atrás, quando não existia nenhum recurso para esta área.

Agora, o que nos faz sofrer muito é a questão da burocracia para levantar este recurso. Seu projeto é aprovado, está em ordem, é economicamente viável, mas a burocracia faz com que o processo demore sete meses para sair, para que você efetivamente tenha acesso à verba.

A primeira vez que fui ao BNDES [Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social] para levantar recurso para construção de um hotel nosso, eles pediram tantos documentos que só faltaram exigir as passagens de navio dos meus avós imigrando para o Brasil. Melhorou um pouco isto? Melhorou, eles não pedem mais esta passagem.

Lembro-me também quando estávamos construindo um hotel em Brasília. Por regra do BNDES, eles pedem que coloquemos uma placa em frente ao estabelecimento dizendo que a obra tem recursos do Estado. À época eu ainda estava começando na empresa, mas já cuidava dessa parte e ia inspecionar a obra. O engenheiro da obra sempre me cobrava da placa, e meu pai dizia que eu não deveria colocá-la. Eu obedecia, mas meu pai nunca me dizia o porquê de não a colocarmos. Depois de muito tempo, e de o engenheiro ficar cobrando, nós colocamos o tal anúncio.

Acontece que fiquei com aquilo na cabeça e um belo dia questionei meu pai sobre. Ele me disse que não queria colocá-la, mas que um amigo passou por lá e disse: Luiz, se você tem apoio do BNDES nesta construção, por que você não põe a placa? Meu pai argumentou dizendo que era desagradável deixar claro que a obra tinha financiamento, tinha dinheiro do Estado para que fosse tocada, o que não o deixava muito à vontade. Mas seu amigo retrucou: Luiz, ao contrário, você tem que por a placa, porque no Brasil, quando se consegue dinheiro financiado, é sinal de que está tudo em ordem. E foi aí que ele permitiu.

HN: Você acha que deveria haver formas de aproximar os empresários neste sentido?
Serson: Hoje, se você olhar o balanço desses bancos oficiais, você vê que sobra dinheiro. A burocracia é tanta que se chega ao final de um exercício sem se ter emprestado todo o dinheiro disponível. Isto por que os projetos não são bons? Não, isto porque a burocracia inibe.

Claro, eles precisam ser também ainda melhor adequados à realidade. O prazo de maturação ainda é curto, ou não é tão longo quanto deveriam ser para o setor. As taxas de juros no País ainda não são as ideais, elas estão começando a cair – e eu espero que seja um processo irreversível. Isso precisa melhorar, mas acima de tudo é a burocracia que atrapalha.

HN: No Grupo Serson vocês têm um braço voltado à agropecuária, com um haras. É uma paixão pessoal isto?
Serson: Devo dizer que sou uma pessoa muito mais de cidade do que de fazenda ou campo. É uma coisa que vinha do meu pai e estamos mantendo. Mas pensamos, inclusive, de fazer neste haras – que é na região de Itatiba, que teve um crescimento muito grande recentemente –, claro que a médio e longo prazos, uma parceria com uma incorporadora para fazer um loteamento de casas de alto padrão. Estamos fazendo um estudo de viabilidade econômica para tanto.

O setor de agropecuária toma muito tempo – igualmente à hotelaria. E se dividir nessas duas atividades é complicado. Estamos mantendo, pois é algo viável, mas não faz uma participação grande no grupo.

Uma empresa que tem origem quase que 100% hoteleira, como a nossa, deve diversificar o negócio um pouco. A hotelaria também oscila um pouco, pois depende de outros setores da economia. Hoje estamos ampliando isto em outros setores da economia justamente para se defender um pouco dessas possíveis nuances que a hotelaria pode enfrentar.

HN: Esta diversificação até mesmo dentro do segmento hoteleiro pode ajudar?
Serson: Claro, isso contribuiu para que nós sejamos mais articulados e possamos nos defender melhor e nos solidificarmos um pouco mais. Isso é uma tradição, de ser uma empresa sólida, consistente, proprietária de alguns ativos, quer dizer: ter uma solidez.

Serviço
www.gruposerson.com.br