Antonio Setin, na sede da Setin Incorporadora, em São Paulo
(foto: Hugo Massahiro Okada)

Natural do Norte do Paraná, Antonio Setin começou a trabalhar aos catorze anos, auxiliando os irmãos mais velhos (são oito no total) no negócio da família, uma marcenaria que funcionava no quintal da casa onde fixaram residência em São Paulo, no Parque Peruche, zona norte da capital. Passado um tempo, desenvolveu o talento para as peças de madeira e logo após, começou a nutrir o sonho de construir imóveis. Buscando atingir esse objetivo, preparou-se para a engenharia, mas foi na arquitetura que encontrou a sua realização profissional.

Fundou em 1979, a Setin Incorporadora, em uma pequena casa no bairro da Casa Verde, na zona oeste da capital. Dividia-se entre as tarefas do novo negócio, que no primeiro momento tinha foco na construção de casas populares, e na produção da marcenaria, que prosperava. Chegava a fazer até 18 horas de jornada de trabalho. Logo, todo o esforço empregado obteve resultados com a entrega das primeiras seis casas de um e dois dormitórios, construídas na mesma região onde morou e trabalhou desde a sua chegada a São Paulo. 

Já inserido no mercado imobiliário, o empreendedor percebeu as dificuldades que as classes C e D estavam tendo para o financiamento de imóveis durante a década de 1980 e resolveu transferir a Setin para a zona sul. Foi neste período que construiu seus primeiros edifícios em Moema e detectou novas oportunidades de atuação no mercado, em áreas pouco exploradas pela concorrência. 

Na década de 1990, inovou ao se tornar o primeiro incorporador no segmento da hotelaria, firmando parceria com a francesa AccorHotels e lançando o conceito econômico no País por meio das bandeiras Ibis, Mercure e Formula 1, entregando em cinco anos mais de 4 mil UH´s hoteleiras. 

Com o começo de um novo milênio, Antonio Setin colocou a empresa em patamares mais elevados, lançando empreendimentos residenciais, comerciais, hoteleiros e mixed-use. Com os produtos da linha Downtown, por exemplo, buscou otimizar o estilo de vida urbano e moderno, aliando arquitetura arrojada à multiplicidade de serviços e boa localização, no centro da capital paulista.

Hoje a marca está presente em mais de 17 mil unidades entregues, com atuação sustentável e atenta às necessidades socioambientais. A Setin foi também a primeira incorporadora da América Latina a obter a certificação ambiental ISO 14001, no ano de 2004. Preocupada com a capacitação e o desenvolvimento, patrocinou projetos voltados à educação, artes e aperfeiçoamento profissional nos canteiros de obras, com apoio a iniciativas como Mestres da Obra, Projeto Tapume e Hora de Aprender.

Em sua segunda entrevista para o Hôtelier News (confira a primeira clicando aqui), Antonio Setin fala sobre o processo de implantação dos empreendimentos, desde o estudo de viabilidade à marca mais adequada, desafios do setor imobiliário em meio a um cenário político instável, efeitos da hiper-oferta hoteleira, próximos projetos e preferências pessoais quando o assunto é hospedagem.

Por Hugo Massahiro Okada

"Temos alguns hotéis em construção, estamos entregando alguns ainda neste primeiro semestre e outros programados para o início de 2018. Temos também projetos aprovados que estamos aguardando o mercado dar uma desanuviada para que possamos lançar ou construir como investimento. São bandeiras da AccorHotels que já construímos anteriormente e que estão em expansão, nenhuma inédita no País", adianta.

Planejando o hotel
No processo de planejamento de um hotel, a decisão por uma bandeira adequada é feita por meio de um estudo de viabilidade que apura a melhor categoria para a região com base no perfil do público, da proximidade com pontos de interesse, entre outras considerações mais complexas. Em parceria com o Grupo Accor, a Setin Incorporadora ergueu na capital paulista, o Grand Mercure Ibirapuera (atual Pullman); o Ibis Budget Paraíso (antigo Formula 1); o Ibis São Paulo Expo; e o Ibis Styles São Paulo Anhembi. No entanto, conforme revela o empresário, "há casos em que a iniciativa de se fazer um hotel de determinada bandeira precede os estudos". 

"Existem casos em que o feeling precede os estudos de viabilidade"

"Por exemplo, o antigo Formula 1 que hoje se chama Ibis Budget (hotel com apartamentos e tarifas de categoria econômica), surgiu pela minha vontade de fazer um primeiro empreendimento há coisa de 15, 16 anos atrás. Quando apresentei a proposta, a Accor não criou interesse. Após muita insistência minha é que eles aceitaram que fizessemos o primeiro, que fica no início da Avenida Paulista, na rua Vergueiro. E este foi um caso que surgiu sem estudo, tínhamos o feeling de que fazia muito sentido essa bandeira em São Paulo, e eles achavam que não. Então comprei o terreno e chamei novamente o Grupo Accor para uma visita e a partir daí, nasceu o entusiasmo da companhia e decidiram: vamos fazer. Há casos em que um estudo desencadeia a viabilidade. Assim como este Formula 1, o meu primeiro Ibis, que é o Ibis Expo, na Marginal do Tietê, já com cerca de 18 anos de operação, também foi uma coisa que eu pensei em fazer e convidei um especialista para o estudo de viabilidade, embora eu já soubesse o que queria. Chamei-o e falei o tipo de hotel que eu tinha em mente, mas gostaria de saber o que ele tinha para me falar sobre o projeto, quantos apartamentos, e o que fazia mais sentido", explica Setin.  

Com a transformação do mercado, impactado pelas constantes mudanças na política econômica e pelo crescimento ostensivo da concorrência, o estudo de viabilidade tornou-se indispensável. "Agora, em um mercado mais competitivo – de dez a 12 anos para cá – em função até dos condo-hotéis – quando temos um terreno que faz sentido, que cheira bem, pedimos um ou mais de um estudo para saber que bandeira colocar, para que as informações científicas justifiquem o feeling. Então é fundamental que se faça isso, em função da enorme concorrência que se tem e do mercado, mais estreito agora do que há 20 anos atrás", afirma.

No mundo dos negócios, assim como na vida, tanto erros como acertos levam ao aperfeiçoamento daquilo que se propõe a fazer. Para Antonio, a atuação da incorporadora dentro da hotelaria de um modo geral e analítico, é positiva, visto que em muitos casos, o sucesso de um empreendimento independe da sua estrutura e atrativos. "Por exemplo, eu não fiz hotel no Rio de Janeiro. O Estado teve dois descompassos, com o incentivo repentino da prefeitura na construção de novos hotéis e, ao mesmo tempo, a crise e o setor de petróleo quebrando. Portanto, as vezes não depende da conta que você fez e sim da conjuntura. Temos casos em que fizemos hotéis mas a cidade momentaneamente perdeu indústria, como em São José dos Campos (SP), onde as indústrias do petróleo e automobilística enfraqueceram, fazendo os hotéis pagarem a conta. Eu não diria que foram erros estratégicos e sim que coisas imponderáveis aconteceram. Outro exemplo é o de Santos (SP). Por muito tempo, tentei comprar um bom terreno para a construção de um hotel em Santos. Não consegui, mas hoje, quem fez está pagando um preço pelo fato da Petrobrás ter praticamente abandonado a nova sede e a exploração de petróleo. É complicado você fazer empreendimentos em que a maturação é de longo prazo. Na hotelaria, o payback é de longo prazo, você está falando de dez a 15 anos. E o País nesse período experimenta quatro ou cinco politicas econômicas e nós temos de aguentar isso e rezar por algo melhor, como é o que está acontecendo agora, a hotelaria está sofrendo muito os efeitos da crise", revela o empresário.

"Condo-hotéis respondem atualmente por 40% a 50% da oferta nacional organizada"
(foto: divulgação/Madia Marketing)

Definição de segmentos
A Setin Incorporadora, dentro do negócio da hotelaria, trabalha exclusivamente com empreendimentos do segmento corporativo, ou "hotelaria urbana", nas palavras de Antonio. A preferência pelo segmento se dá por conta da existência de uma demanda maior, como explica o empresário. "Só atuamos na hotelaria de business, ou hotelaria urbana.  A hotelaria urbana experimenta de segunda à quinta, uma ocupação muito maior do que nos finais de semana. A taxa de ocupação no final de semana em São Paulo, de uma maneira geral é bem inferior à registrada durante a semana, até porque é no meio da semana que acontecem feiras, eventos, encontros e business em geral. Nos últimos cinco, dez anos, isso melhorou muito. Eu acho que temos chance de nos tornar – mantendo as devidas proporções – uma Nova York aqui do Brasil. Mas ainda operamos com menor taxa de ocupação e com diárias menores como incentivo para trazer mais pessoas para a cidade. Nós (Setin Incorporadora) não temos vocação para o turismo", explica.

Setin afirma ainda que, para exercer o negócio do turismo com sucesso dentro do ramo imobiliário, deve-se considerar fatores como proximidade com a praia e presença de natureza exuberante, como na Serra Gaúcha. "Esta é uma hotelaria mais específica, vendida de uma outra forma, inclusive por meio do timeshare. A hotelaria urbana não, ou é um investidor institucional, maior, ou em formato de condo-hotel, vendido por unidade para pequenos investidores. Por que o condo-hotel no Brasil virou ´moda´? Porque não tem financiamento. Fora do Brasil, na Europa, se financia um hotel inteiro com taxa de juros bastante baixa e dez, vinte anos para pagar. No Brasil a taxa de juros é enorme, você tem cinco anos para pagar e a conta não fecha. E, se você conseguir, é prazo curto e 50% dos custos da obra. Então, acaba que, não fosse pelos condo-hotéis, eu diria que o Brasil hoje sofreria com uma falta enorme de hotéis, porque o condo-hotel responde atualmente por 40% a 50% da oferta nacional organizada", esclarece.

Sobre o recente interesse das companhias hoteleiras nas cidades secundárias e terciárias, onde a oferta hoteleira ainda é amadora, Setin demonstra cautela: "São Paulo já está com uma oferta bastante equilibrada, com hipo-demanda para uma super-oferta. As cidades com um milhão ou 500 mil habitantes, essas têm uma oferta hoteleira mais caseira. São hotéis construídos por comerciantes locais ou famílias. Trata-se de uma hotelaria pouco profissional, com ar condicionado de parede, sem proteção acústica, sem tecnologia e dificilmente modernizados. Então, essas cidades foram atacadas após os grandes centros urbanos. De um tempo pra cá, não só a Accor como outras hoteleiras começaram a prestar atenção nas cidades pequenas e médias. Com um agravante: a elasticidade de uma cidade como São Paulo, é enorme. Se você colocar um hotel aqui de 200 quartos, você estará aumentando a oferta em 1%. É um número fácil de ser assimilado. Por exemplo, se você tirar 1% do seu sangue, nada acontece. Mas se você for uma pessoa pequena e frágil, e tirar um pouco de sangue, aquilo pode significar 50% e te matar. É o caso das pequenas cidades", diz.

"Outro exemplo: São Bernardo do Campo, onde estarei entregando no próximo mês, 500 quartos. A cidade não tem 500 quartos. Os hotéis que estão lá, estão acabados. Os clientes inevitavelmente irão migrar, obrigando-os a ou fechar suas portas ou fazer investimentos em reformas. Numa cidade pequena ou média isso pode ter um efeito tão grande que obrigará aquele investidor pequeno a fechar. Ou o entrante se dá mal, ou aquele que já está lá vai se dar mal. É preciso muito cuidado. Já vi estudos de viabilidade que atestam o potencial, só que, ao mesmo tempo, pode existir outro player fazendo o mesmo movimento. De repente os dois estão aumentando a oferta em 50%. A maioria das redes está olhando para as pequenas e médias cidades, mas existe o risco de, em algumas, acontecer esse tipo de canibalismo. Eu particularmente tenho algum receio disso", comenta.

Hiper-oferta 
"Temos dois casos muito evidentes no Brasil. A prefeitura de Belo Horizonte (MG) promoveu incentivos há cerca de dez, 12 anos, quando ainda era um mercado hoteleiro pujante. Eu nunca esqueço que, nessa época, vi uma reportagem que dizia que a candidata do PSOL, Marina Silva, de passagem pela capital mineira, não havia encontrado um quarto disponível para pernoitar. A prefeitura incentivou a construção de hotéis e o uso do potencial construtivo gratuito e deu no que deu: hoje existem hotéis fechados, parados, inacabados e mudando a sua natureza", observa o empresário sobre a questão da hiper-oferta hoteleira na capital mineira.  

"No Rio de Janeiro aconteceu a mesma coisa. Com a Copa do Mundo, criaram-se incentivos, mas a indústria do petróleo, paralelamente, foi embora, a criminalidade voltou e hoje o Rio de Janeiro é um caos. O que eu acredito que o governo deve fazer é desenvolver o País. O resto, as pessoas e os empresários fazem. É preciso deixar o curso da natureza da economia agir. Senão, se cria artificialismos nos quais quem paga a conta no final, é o próprio consumidor, que paga mais caro porque falta ou  – tendo em excesso – canibaliza, criando uma cena em que não se recolhe imposto, não se cria empregos e se assiste a mais empresas quebrando. A minha grande defesa é que não haja interferência do Poder Público na questão da iniciativa privada, e que haja só a regulamentação e o respeito às regras, principalmente às regras econômicas", completa.

"Gosto de hotéis onde eu vivencie uma experiência"
(foto: divulgação/Madia Marketing)

A hotelaria ideal por Antonio Setin
"Gosto de hotéis onde eu vivencie uma experiência. Não estou entrando em um Volkswagen, em que eu já sei que irá me levar no lugar que eu quero e é econômico. Eu gosto de me sentir em uma aventura. Pode ser um hotel design ou um hotel com uma construção diferente em uma micro-região descolada. Acredito muito nessa hotelaria como a do futuro e também do presente", declara.

O impacto da crise econômica
"No mercado imobiliário no geral, a crise econômica foi sentida violentamente. E não foi apenas no sentido de que, com a economia estagnando, as pessoas parem de comprar imóvel porque isso é normal. Em toda crise, o mercado imobiliário é o primeiro que para e é o último que reage. Isso é histórico. Nos últimos 30 ou 40 anos, tivemos diversos planos de governo, recessões e crises – nenhuma tão forte como esta – mas em todas, o mercado imobiliário parou primeiro e retomou depois. Só que agora veio, associado a isso, a falta do respeito aos contratos, chamado comumente de destratos. Então junto com a não-venda, veio a questão dos destratos, onde os compradores, encontrando essa brecha no judiciário, pedem todo o dinheiro de volta. Assim, além de deixar de vender o que se tem em estoque, gera-se mais estoque, e isso faz com que o mercado imobiliário sofra violentamente com as consequências da crise", afirma.

No entanto, mesmo com as adversidades impostas pelo atual cenário econômico, e também sentindo na pele as questões levantadas em relação a estoque, a Setin Incorporadora registra índices positivos. De acordo com o empresário, "o mercado fala em 50% e 60% de destratos e nós estamos trabalhando em torno de 25% e 30% talvez caracterizado pela linha de produtos, porque nossos produtos não se limitam a residenciais. Temos residenciais de diversas configurações e metragens, escritórios, condo-hotéis, então estamos com uma oferta bastante variada. Talvez por isso, estejamos com uma média razoável em comparação com os outros".

Para Antonio Setin, o alcance do cenário ideal para a fomentação do negócio imobiliário no Brasil não requer transformações radicais ou a necessidade de "implodir para reconstruir". Um modelo de legislação que proteja o consumidor mas que também faça o contraponto, garantindo os direitos das empresas, segundo o empresário, é o ponto de partida. 

"Precisamos de algumas poucas coisas. Eu diria que a principal, é o respeito aos contratos. O Brasil se não é o único, é um dos raros países onde um contrato não tem valor nenhum na mão de um juiz. Se você comprar uma camisa ou uma geladeira, você tem 24 horas para devolver ou sete dias para trocar. No caso de um imóvel, você tem cem anos. Você pode estar morando no apartamento e, enquanto você estiver devendo alguma coisa, você questiona e possivelmente o juiz dará ganho de causa para você. Então, enquanto não houver respeito às regras do jogo e respeito aos contratos, há geração de estoque que acaba depreciando o valor do imóvel, diminuindo as garantias do banco, e causando a desvalorização do patrimônio para alguém que comprou de boa fé, ou seja, é um perde-perde incrível por causa de 20% de mal-intencionados que levam 80% ao prejuízo. De acordo com pesquisa da Abrainc – Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias, na maioria dos países, inclusive na América do Sul, quando o cliente desiste, ele perde tudo. Aqui ele recebe tudo. É uma desestruturação do setor, é uma falta de regras que acaba fazendo com que as empresas fragilizem, gerando menos imposto e menos emprego. Em algum momento, esses valores vão ser retomados e o consumidor pagará a conta", opina.

Atualmente a Setin Incorporadora  pleiteia junto ao Poder Executivo e Legislativo em Brasília, a criação de regras para as questões mencionadas. "Evidentemente não vamos conseguir o ideal, mas estamos em busca de um caminho intermediário no qual o cliente não perca tudo, mas a empresa também não perca.  E também para que os maus advogados não possam mais atuar de forma oportunista, enviando e-mails para clientes prometendo o valor corrigido do imóvel de volta", finaliza Setin.

* Crédito da foto de capa: Hugo Massahiro Okada
* Crédito das fotos da matéria: Hugo Massahiro Okada e Madia Marketing e Comunicação