Netto Moreira: "A gente se acostuma com o frio"
(fotos: Chris Kokubo)
Guyancourt, Paris, Nova York, Toronto, Chicago, Montréal. Até agora a trajetória profissional passou sempre por cidades fora do Brasil. Quando decidiu estudar hotelaria na França, ele sabia que não voltaria tão cedo ao país natal.
 
Perguntei despretensiosamente naquela tarde: "tem algum brasileiro que trabalha aqui?". Marie Pierre Brancaleoni, então diretora de Vendas e Marketing do Sofitel Montréal, no Canadá, respondeu prontamente: "Nosso gerente de Guest Relations é brasileiro. Ele queria te conhecer, mas teve um compromisso fora do hotel". Alguns dias depois eu estava lá novamente para uma conversa com Netto Moreira, que há dez anos saiu de Bragança Paulista, no interior de São Paulo, para tentar a vida hoteleira no exterior. Parece que deu certo.
 
José Heleno Moreira Netto estudou Hotelaria na Ecole d'Hôtellerie et Restauration de Guyancourt, cidade próxima a Paris, na França, onde se formou em 2002. Sua primeira experiência no setor foi no Hotel Concorde La Fayette, na capital francesa, como estagiário na área de A&B. Em 2001 fez um trainee gerencial de quatro meses no Sofitel New York, nos Estados Unidos. De volta à Europa, atuou no Mercure Saint Quentin Centre, na França, e retornou ao empreendimento novaiorquino, agora para uma temporada de um ano, como gerente de A&B, Guest Relations e Operações Noturnas.
 
Nesse meio tempo, Moreira investiu em outros cursos, como o de operações que realizou na New York University, nos Estados Unidos, o de gerência, na Ryverson University, em Toronto, Canadá, e outro, na área de vendas, em Chicago.
 
Sofitel Montréal
 
Veio então o convite para se mudar para Montréal e assumir como gerente assistente de Vendas e Marketing no meio de hospedagem do leste canadense. Ele aceitou e ficou seis meses no setor, passou para a área de recursos humanos, na qual trabalhou por outros oito meses, e chegou a gerente de Operações Noturnas, que acumulou com a gerência de Guest Relations. Ficou no cargo por três anos. Em 2008 mudou novamente de área e agora responde como gerente de Eventos.
 
O executivo gosta da vida que leva no hemisfério norte e, mesmo com o frio de trincar os ossos – no dia em que nos falamos pelo telefone, quase dois anos depois de nos conhecermos pessoalmente no hotel, São Paulo registrava 25ºC e Montréal, -16º C – ele acha que ainda não é hora de voltar para sua terra natal. Mas afirma: "Quero me aposentar no Brasil". Confira o bate-papo nas linhas a seguir.
 
Por Chris Kokubo
 
Hôtelier News: Quando você percebeu que queria estudar hotelaria?
Netto Moreira: Essa pergunta é interessante. Eu fiz dois anos de cursinho para prestar medicina. Meu pai é médico. Sempre gostei de cuidar de pessoas. Na época do vestibular comecei a viajar para fazer as provas em diferentes cidades. Fui para Salvador, São Paulo, para o Sul do país, e comecei a me hospedar mais em hotéis, a conhecer mais restaurantes. Eu adorava lidar com pessoas, sentia-me bem em proporcionar-lhes prazer, então resolvi mudar para hotelaria.
 
HN: E seus pais aceitaram bem a idéia?
Moreira: Não, não. Meu pai dizia: “Poxa, Netto, você estudou tanto para prestar medicina, tem certeza de que não quer mais?”. No entanto, minha mãe não me via como médico e acreditou muito desde o começo da virada. Mas há sempre aquelas inquietudes de pais. No Brasil, estudar hotelaria era algo muito novo, isso dificultava as coisas. Como a reputação das escolas na França e na Suíça eram muito boas, resolvi viajar, e quando eles viram que não tinha jeito, me apoiaram. Eu queria buscar o melhor conhecimento para mim, então peguei o avião e fui. Pesquisei quando já estava na França, escolhi a escola e tive uma ótima experiência. Os estágios que realizei foram muito importantes, a prática é extremamente necessária nessa área. Fiquei quatro meses em Paris no primeiro ano, depois outros quatro em Nova York no segundo, para onde eu voltei no final do curso. Até hoje tenho ótimo contato com alguns professores, inclusive a filha de um deles vem fazer um estágio conosco em breve.
 
Netto com os pais, José Leopoldo Lima Moreira e Zuleide Fávero Moreira, e a noiva, Adriana da Matta Apostólico, em churrasco
no último domingo no interior paulista 
 
HN: Como é trabalhar em Montréal?
Moreira: A cidade é uma grande mistura de americanos com europeus. Mesmo com o frio, as pessoas guardaram esse calor humano que faz muita diferença. O povo aqui é mais receptivo do que na França. Quando trabalhei nos Estados Unidos, convivia mais com brasileiros, Nova York tem muitos. Mas quando cheguei no Canadá, havia poucos, o governo ainda não tinha começado essa política de incentivar a imigração. O chef do hotel, Deff Haupp, é alemão, mas é casado com uma brasileira e ele adora o país, já trabalhou em restaurantes de São Paulo, fala português super bem. Já usamos caipirinha e outras iguarias do tipo em eventos do Sofitel e fazem muito sucesso.
 
A imigração brasileira tem aumentado no Québec, o que é uma coisa boa, me aproxima de casa.

 

Moreira no lobby do Sofitel Montréal

 
HN: Tem algum outro brasileiro no hotel? Você fala português frequentemente?
Moreira: Há dois meses contratamos um novo diretor de Manutenção, o Amarildo. Ele é brasileiro também, mas já está no Canadá há alguns anos. Além disso, vivo com a Adriana, minha noiva, que trabalha em uma pousada brasileira aqui em Montréal, a Chez Brasil.
 
HN: Como é a relação com a concorrência?
Moreira: É bastante amigável. Trocamos e-mails, telefonemas, números, informações. Disputamos os mesmos clientes, mas sabemos competir saudavelmente. Com o fechamento do Ritz-Carlton para reformas, Lows e InterContinental são nossos principais concorrentes no setor de eventos.
 
 
HN: Quanto da receita do Sofitel Montréal vem do departamento de eventos?
Moreira: Aproximadamente 15%, sem contar a hospedagem que os encontros geram. O ano inteiro é muito corrido para esse departamento. No final e começo do ano, por causa das festas, os pedidos de noivado e casamento aumentam bastante. E no verão, em julho e agosto, acontecem as festas que foram programadas durante o inverno.
 
HN: Qual foi a maior alegria que a hotelaria já te trouxe?
Moreira: Eu acredito que não há um momento específico, mas toda vez que um hóspede ou um colaborador me agradece eu fico extremamente contente. Em um hotel como este, é simples realizar as vontades das pessoas. Uma vez uma moça me disse que tinha passado a noite mais feliz da vida dela por ter estado no Sofitel. Realizar um pequeno ou grande sonho de um cliente ou colaborador é o que faz a alegria de um hoteleiro.
 
HN: E o frio canadense, não incomoda?
Moreira: Hoje às 9h da manhã tínhamos 20 cm de neve fresca cobrindo as ruas. Faz cinco anos que moro em Montréal, adoro o Québec, o povo quebequense é muito caloroso. Para mim, que sou de um país tropical, o inverno é muito exótico. Para eles, areia branca e coqueiro é diferente, mas para mim, o pitoresco é a neve. O frio é difícil, o inverno é longo demais, mas a gente se acostuma. Porém, como ninguém é de ferro, as três últimas semanas de fevereiro eu passo no Brasil. É muito importante, porque eu corto o inverno, sinto o calor brasileiro e volto renovado.
 
Bicicletas em frente à Université de Montréal
 
HN: E pensa em mudar de hotel, de cidade, país?
Moreira: Este é, sem dúvida, o melhor hotel em que eu já trabalhei até hoje. Quero ficar no Sofitel Montréal por pelo menos mais um ano e meio, até o verão canadense de 2010. Depois, gostaria de mudar. A equipe aqui é excepcional, eu já tinha trabalhado com o Jean-Christophe Gras, o gerente geral, em Nova York. Foi dele, aliás, que veio o convite para eu vir para cá. Uma equipe boa ajuda muito você a gostar do trabalho no dia-a-dia. É isso que me faz querer ficar aqui mais tempo. Já estou há cinco anos, o que é um tempo bem razoável, e mudar faz parte da carreira na hotelaria. Como já atuei na Europa e na América do Norte e vim da América do Sul, tenho vontade de ir para a Ásia. É um lugar cujas características humanas e culturais me atraem muito. Tenho saudades do Brasil e vontade de voltar para casa, mas vai demorar um pouco. Ainda não estou pronto para atuar definitivamente no mercado brasileiro.
 
HN: Você tem contato com pessoas do mercado daqui?
Moreira: Sim, sempre falo com o pessoal do Sofitel do Brasil, principalmente nos congressos e reuniões da Accor. Além disso recebo informações internas das unidades Sofitel e leio a mídia especializada brasileira. Sei que tenho as portas abertas quando estiver preparado. O país tem um potencial imenso para a hotelaria de luxo e sua grande vantagem é o povo brasileiro. A generosidade, gentileza, motivação, garra e o sorriso são fatores que contam muito nessa indústria do turismo. Se a pessoa não tem isso, não adianta ter a melhor formação acadêmica do mundo, ter estudado na escola mais conceituada.
 
Lobby do Sofitel Montréal iluminado com velas à noite
 
HN: Você vê muita diferença entre a hotelaria que estudou e viveu na Europa e na qual trabalhou na América do Norte?
Moreira: Na hotelaria de luxo internacional, as exigências são praticamente as mesmas: é preciso estar muito atento aos detalhes. É necessário ser perfeccionista, servir com paixão, pouco importa se você está na Ásia, na América, na Oceania. O seu hóspede é um viajante internacional. Quando a gente gosta do que faz, não conta muito o que você precisa fazer para trabalhar bem. Quem quer trabalhar nessa área tem que ser apaixonado por serviços.
 
HN: E como é estar à frente de uma equipe com vivência diferente da sua?
Moreira: É preciso sempre motivar os colaboradores, não importam as diferenças culturais. É claro que é necessário observar as diferenças. Por exemplo: trabalhar na América do Norte anglossaxônica é uma coisa, no Québec, francês, é outra. Mas o essencial é não esquecer de mostrar suas características humanas, tomar conta das pessoas. Se você não se importa com o profissional, não adianta colocar desafios e metas, é preciso saber onde cada um da sua equipe quer chegar, ter calor humano. Com o público, o tratamento será o mesmo se você está num Small Leading Hotel ou em um grande meio de hospedagem.
 
A hotelaria trabalha com dois tipos de clientes: os internos, que são os colaboradores, e os externos, que são os hóspedes. Se você não tem cuidado com sua equipe, é difícil fazê-la ter prazer para atender o hóspede.
 
HN: O que você gosta de fazer no seu tempo livre?
Moreira: Gosto de praticar esportes, como natação, tênis e esqui, agora no inverno. Faço ioga há cinco anos e recentemente comecei a praticar uma nova modalidade com incentivo da minha noiva: massagem ioga tailandesa. Já fiz dois cursos. É uma massagem que você faz com a roupa no corpo, no tapete, mistura shiatsu, alongamento e movimentos da ioga. Mesmo nas horas vagas gosto de estar em contato com pessoas.
 

Moreira em trilha pelo parque Mont Royal
(foto: arquivo pessoal)

 

Eu também adoro comer. Os restaurantes são uma grande aventura, mas gosto também de receber as pessoas e cozinhar em casa. Outra coisa que eu gosto é ir aos restaurantes em que você leva o vinho que quer beber. São locais que não têm licença para venda de bebidas alcoólicas, então dão mais ênfase na qualidade da cozinha e o cliente fica à vontade para levar a bebida. Faço isso praticamente toda semana.
 
Além disso, a vida cultural de Montréal é muito rica, vou ao cinema, teatro, aos festivais na Place des Arts. A cidade tem uma ótima reputação quanto aos eventos culturais e eu tento aproveitar. Meus amigos mais próximos são franceses, québécois (pronuncia-se quebecoá) e brasileiros.
 
Mas como hotelaria é uma profissão muito exigente, tenho pouco tempo livre.
 
HN: Quais as características importantes que uma pessoa deve ter para trabalhar com hotelaria de luxo?
Moreira: Como eu disse, é indispensável a paixão em servir. Quando a gente ama o que faz, não se importa em trabalhar. Além disso, línguas são muito importantes, uma ferramenta essencial, mas isso você pode aprender na escola. A paixão deve ser inerente à pessoa.
 
HN: Quais idiomas você fala?
Moreira: Português, inglês, francês, espanhol e um pouco de italiano. Mas repito: as qualidades técnicas você aprende. As mais importantes são as humanas.
 
HN: O que você faz hoje no Sofitel?
Moreira: Eu cuido dos eventos, tanto da venda quanto da produção. Trabalho com a equipe de vendas, de hospedagem, de A&B. É importante conhecer o máximo do hotel e eu estou bastante satisfeito. Trabalho cinco vezes por semana, de terça a sábado, renovei meu contrato por mais um ano, estou alcançando meus objetivos e muito satisfeito com as minhas conquistas até agora.

 

Contato
 
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