Andando de mãos dadas com a hotelaria, o setor de eventos está no topo da lista dos segmentos mais afetados pela crise. Com quase 100% das atividades paralisadas, o Mice encontrou alternativas para sobreviver com formatos híbridos e digitais. Entretanto, as medidas paliativas não foram suficientes para evitar demissões em massa no olho do furacão da pandemia. Mas se após toda a tempestade vem a bonança, players do mercado se voltam para outra preocupação: a escassez de mão de obra especializada.

Enquanto a vacinação ganha corpo, entidades como o SPCVB (São Paulo Convention & Visitors Bureau) trabalham em paralelo realizando análises e levantamentos com perspectivas positivas para o setor. Apesar de 32% dos eventos previstos para acontecerem este ano terem sido adiados para 2022, 27% sofreram mudanças de data ainda para 2021.

Marcada para acontecer entre os dias 21 e 22 de julho, a Expo-Retomada também promete ser um divisor de águas. A ocasião marcará a realização do primeiro evento-teste oficial do governo paulista, guiando os protocolos para a retomada definitiva do segmento. A ação terá como sede o Santos Convention Center e abrirá o calendário de iniciativas piloto do setor.

Entre os organizadores e fornecedores do segmento Mice, o clima é uma mistura de alívio e tensão. Primeiro, porque a possibilidade de oxigênio já é realidade. Em contrapartida, com o colapso passado em 2020 e início de 2021, grande parte dos profissionais debandaram para outros mercados.

“É uma constatação. Conversando com pessoas dos pavilhões de eventos, hotéis e centros de convenções, a retomada será mais difícil do que o esperado. Diante de um ambiente caótico, os profissionais desligados pelo agravamento da crise se recolocaram em outras atividades. Muitos estão saindo do setor pela instabilidade que o mercado apresenta em busca de posições mais seguras”, avalia Raffaele Cecere, presidente do Grupo R1.

Para piorar o cenário, Cecere ressalta que a exigência dos clientes quanto a protocolos, medidas sanitárias e atendimento será ainda maior. E a falta de uma mão de obra qualificada coloca em risco a recuperação do segmento.

“Tanto hotéis quanto espaços de eventos não estão preparados para isso. Algumas empresas chegaram a 60% de demissões e as mesmas não vão conseguir recontratar rapidamente. É uma mão de obra que não está mais disponível. A retomada só será possível se os players se planejarem agora”, complementa Cecere.

Mice - mao de obra - raffaele

Cecere: retomada será mais complexa do que o esperado

Mice: evasão de profissionais

Dentre os departamentos com maior esvaziamento de profissionais estão as operações e montagem. Quem está no front da entrega, ou seja, na base da pirâmide, optou por migrar para outros setores, como o de logística e alimentação, por exemplo. Por outro lado, o mesmo movimento não foi visto em posições de gestão de eventos.

Cecere explica que a própria R1 vem sentindo dificuldades em recontratar pessoal. “Aconteceu em uma quantidade razoável. O mercado, de algum modo, está reaquecendo, mas as pessoas estão com receio de trabalhar em eventos. Notamos que muitos funcionários não querem arriscar a voltar para o setor. Estamos retomando as contratações e pegar profissionais sem experiência é ruim para nós”.

Empreendimento com forte atuação no Mice, o Hilton Morumbi reduziu sua equipe em 35% no departamento de eventos. Fernando Bacala, diretor de Vendas, afirma que os cortes foram necessários. “Fizemos ajustes tentando operar com menos gastos em todas as áreas. Uma vez que não havia demanda ocorrendo, optamos por desligar alguns profissionais”.

Com os sinais de recuperação, Bacala conta que o hotel já está em fase de recontratação, mas de forma cautelosa. “Vamos retomar a equipe aos poucos. A partir de agosto e setembro sentimos um pick up na demanda. Até o momento, chamamos de volta cinco pessoas, todos ex-colaboradores. Mas boa parte da mão de obra ou migrou para outro setor ou já foi recontratada por outro hotel.

Um dos principais pavilhões de eventos de São Paulo, o Expo Center Norte manteve quase todo o time, mesmo nas fases mais drásticas da pandemia. Paulo Ventura, diretor do espaço, salienta que o momento do setor é de reavaliação. “Tentamos manter a equipe ocupada de outras formas e abrimos mão de algumas pessoas no escritório. Mas isso só foi possível porque somos uma empresa sólida. O setor vai precisar se preocupar não apenas com capacitação, mas pensar em como melhorar como um todo. Rever salários, tipos de montagens, processos e uso de materiais. Precisamos deixar de ser um segmento rude para ser mais humano”.

De 98 colaboradores fixos do Expo Center, 70 ficaram. Para Ventura, apesar das perdas, os desligamentos foram baixos comparados às outras empresas. “Mantivemos a maior parte do nosso staff e equipes necessárias de manutenção. E já estamos recontratando, pois temos um evento dia 30 de agosto que deve ocupar todas as áreas do pavilhão, então é preciso recompor o quadro”.

Mice - mao de obra - Paulo ventura

Para Ventura, a informalidade precisa ser revista

Captação e treinamentos

O Mice tem como característica, a informalidade. Trabalhadores temporários, intermitentes e freelances operavam diariamente no mercado pré-pandêmico. E a falta de regulamentação é uma dos empecilhos para captar profissionais. “Ofertar um cargo com carteira assinada faz toda a diferença para o colaborador. Agora, retomamos treinamentos e vamos voltar a capacitar, mas isso gera custos. Estamos buscando pessoas de outros setores para abrir o leque, mas existe um timing entre a pessoa entrar e ir a campo. O setor de eventos precisa dar mais garantias aos funcionários”, acrescenta Cecere.

Com expectativas de demanda a partir de setembro, o Hilton Morumbi está com duas produções em aberto. Bacala explica que o hotel está em busca de colaboradores no mercado, com duas posições no departamento comercial em fase de contratação. “Ainda existe uma grande quantidade de profissionais capacitados para trazer de volta. Nossa estrutura de treinamento sempre foi muito forte e estamos focando nisso. A mão de obra que retornar terá que passar por novas capacitações, pois o mercado sofreu alterações. Logo, a preparação constante desse staff é fundamental”.

Para o segundo semestre, o Expo Center Norte já possui 18 eventos de grande impacto em seu calendário. E a corrida pela mão de obra especializada não será simples, de acordo com Ventura. “Esses dois anos criaram um buraco na capacitação, pois o treinamento é vivido no dia a dia. Em cima disso, estamos pensando em fazer uma universidade de feiras, pensando na especialização de profissionais de cenografia, iluminação, atendimento e montagem”.

O diretor do pavilhão acrescenta trazendo uma reflexão sobre a valorização dos funcionários do Mice. Para o executivo, é preciso tornar o setor mais atrativo aos olhos dos profissionais, com maior formalidade e melhores condições trabalhistas. “Já passou da hora dos funcionários serem reconhecidos e transformá-los em especialistas. É preciso fazer grandes mudanças, pois muitas pessoas não tiveram como comprovar que trabalharam. Somos um setor que opera de forma invisível aos olhos do governo. E em contrapartida, o mercado de eventos tem um enorme impacto na economia. E nada é regularizado. É um catado de pessoas fazendo uma atividade extremamente relevante. E ninguém nos colocou aqui, a culpa é do próprio segmento”.

(*) Crédito da capa: Divulgação/BNT Mercosul

(**) Crédito das fotos: Divulgação