O Hotelier News gosta de conversar com executivos estrangeiros – e por diferentes razões. Uma delas é porque consideramos interessante passar ao público a visão deles sobre o mercado brasileiro. Agora, a opinião de um gringo só ganha real validade se, de fato, ela é bem embasada, o que, pensando nas especificidades da hotelaria nacional, demanda muitas vezes uma pós-graduação sobre nossa realidade. Não esqueça nunca do ditado: o Brasil não é para amadores!

Diante disso, se hipoteticamente entrevistas como essa se transmutassem em avaliações escolares, pode-se dizer que Laurent de Kousemaeker foi aprovado com nota 10. Atual Chief Development Officer da Marriott International para América Latina e Caribe, ele nos surpreendeu ao conhecer bem as características do nosso mercado, de predominância midscale e econômica e, claro, marcado pela existência de uma jaboticaba típica para financiamento de projetos.

Na fala abaixo, Kousemaeker faz menção à forma como investidores tomam decisões relacionadas a ativos hoteleiros. Ao mesmo tempo, com sua afirmação, ele de certa forma coloca o dedo na ferida sobre a estruturação do mercado nacional e, principalmente, sobre a maneira como o desenvolvimento hoteleiro ocorre por aqui.


Marriott e o Brasil por Laurent de Kousemaeker

“No final das contas, tudo se resume a curto prazo versus longo prazo. “Se você tem um mindset que busca retorno rápido, então a hotelaria não é um negócio para ti.”

Laurent Kousemaeker


Quem trabalha na área de Desenvolvimento sabe exatamente sobre o que o executivo da Marriott está falando. Importante ressaltar que ele não faz, ao longo da entrevista, juízo de valor sobre o assunto. Ele apenas descreve como as coisas são por aqui e como essa característica acaba moldando a oferta de quartos no Brasil. Como citado no início do texto, nota 10 para ti, Mr. Kousemaeker! Aos nossos leitores, recomendamos a leitura até o final. Abraços!

Marriott: entrevista completa

Hotelier News: Brasil não é mais o país da capa da The Economist. Ao contrário, vive uma situação econômica bem difícil. Dessa forma, existe real e genuíno interesse da Marriott pelo mercado brasileiro?

Laurent de Kousemaeker: Lembro-me bem da capa da The Economist, assim como me recordo também das que vieram a seguir. Vivemos tudo isso com nossos hotéis no Brasil e estamos atentos ao que ocorre no país. Bem, hotelaria é um negócio de longo prazo, então não estamos nele só por alguns anos para depois sair. Nossos contratos tipicamente são de 20 ou 30 anos, com oferta de extensão. Fazemos parcerias visando ao longo prazo e, na verdade, atuamos no setor para criar relações de longo prazo.

A outra parte da resposta é que, nos últimos 15 ou 20 anos, migramos de um posicionamento de uma empresa norte-americana que faz negócios internacionalmente para nos tornarmos, de fato, uma companhia global. Além disso, nossa base de clientes não é apenas formada por norte-americanos que viajam internamente ou mundo afora. Ela conta com muitos europeus e brasileiros, por exemplo, tendo realmente um perfil globalizado. Por essa razão, e considerando o tamanho do mercado brasileiro, é fundamental para nós ter uma presença relevante no país – e sempre crescer. Entenda, é muito mais do que construir e operar hotéis. Tem muito mais a ver com gerar engajamento com clientes no mundo todo. Temos milhões de usuários no nosso programa Marriott Bonvoy, e muitos deles brasileiros. Então, sim, temos genuíno interesse em continuar crescendo no Brasil, e isso nunca cessou. Tivemos sucessos e desafios, como em qualquer empreitada, e não vamos parar agora ou no futuro.

HN: Pensando em segmentação de clientes, as melhores oportunidades de expansão no Brasil estão agora no segmento de lazer? Ou, no curto e médio prazos, hotéis corporativos em grandes cidades ainda farão sentido?

LK: Obviamente, hoje mais do que nunca em função da demanda global, o lazer está aquecido. As pessoas não veem a hora de viajar, seja para visitar a família ou ir a casamentos, entre outras ocasiões. Como costuma dizer Brian King, presidente da nossa região, haverá uma demanda tão forte, que as viagens serão quase motivadas “por vingança” por tudo isso que passamos. Já o segmento corporativo, especialmente de altos executivos, deve vir a seguir nessa recuperação, seguindo por grupos e eventos. Agora, tudo vai depender do ritmo de vacinação em cada país. É isso que os dará conforto para viajar, seja para lazer, corporativo ou Mice – e não há muitas dúvidas disso. A demanda de projetos seguirá essa tendência.

HN: Um banqueiro brasileiro costuma dizer que a hotelaria é o menos imobiliário dos ativos imobiliários. O que você pensa sobre isso?

LK: No final das contas, tudo se resume a curto prazo versus longo prazo. Se você tem um mindset que busca retorno rápido, então a hotelaria não é um negócio para ti. Vou fazer uma comparação com prédios de escritórios. O retorno, traduzido em salas ocupadas, vem mais rapidamente. No entanto, em crises econômicas, o edifício pode ficar vazio mais rápido também. No caso dos hotéis, leva-se alguns anos até que a ocupação atinja um patamar estável e satisfatório, mas uma vez que isso ocorre… Veja o exemplo do Renaissance São Paulo. Desde sua abertura, o Brasil passou por alguns ciclos econômicos difíceis. Na última crise antes da atual (2015 a 2018), que, convenhamos, é diferente de qualquer coisa que já vivemos, ficaria surpreso se a ocupação média tenha ficado abaixo de 65%. Então, na hotelaria, uma vez que o hotel começa a girar bem, é difícil perder tração, muito embora possa haver um ano ruim aqui, outro ali. Uma coisa é certa: não vai ficar vazio como pode ocorrer com um prédio de escritórios. No longo prazo, portanto, é um negócio mais estável.

Agora, afora a volatilidade da economia brasileira, há também outro ponto importante nessa equação, que é a forma como os empreendimentos no Brasil são estruturados. Os investidores de condo-hotéis, por exemplo, têm variadas perspectivas e visões sobre o retorno do investimento. Nos anos bons, eles vão te agradecer, enquanto nos ruins farão o contrário. O que quero dizer com isso? Que, usualmente, eles têm uma visão de curto prazo sobre o “negócio” hotelaria. Levando em conta o perfil de longo prazo necessário para a hotelaria, não tenho dúvida que um JW Marriott ou um Ritz-Carlton em São Paulo seriam um tremendo sucesso, e conheço a cidade suficientemente para afirmar isso. Então, é interessante perceber que existe viabilidade para projetos desse porte em São Paulo, mas não se tornam realidade em função da maneira como a estruturação de capital para construi-los acontece, em vez de uma possível falta de demanda de hóspedes ou investidores.

Certa vez, conheci o CEO de uma grande incorporadora brasileira. Ele me disse: “hotéis de luxo no Brasil não são viáveis, apenas econômicos”. Questionei-o sobre o por quê disso, afinal pensava justamente o contrário, como expus há pouco. E ele me respondeu com outra pergunta: “quanto custa para construir uma propriedade de luxo da Marriott?” Respondi que seriam alguns milhares de dólares por quarto e ele complementou: “está vendo? É muito caro!” Veja bem, em nenhum momento ele estava pensando no “negócio” hotelaria. Estava, na verdade, fazendo contas sobre a venda de cada unidade habitacional antes mesmo de construir o hotel. E, veja, quantos brasileiros poderiam preferir investir na compra de um condo-hotel de uma marca de luxo do que de uma bandeira econômica? Eu acho que existe mercado para isso. Então, voltando à primeira pergunta que você me fez (leia o Três perguntas para com Kousemaeker), parte expressiva do mercado brasileiro é formada por hotéis econômicos ou midscale, certo? Isso não quer dizer, contudo, que parte expressiva da demanda potencialmente existente é para esse tipo de produto. Na verdade, marcas econômicas “dominam” a oferta de quartos em função da forma como o mercado é estruturado. É muito mais “vantajoso”, do ponto de vista do perfil do investidor de condo-hotel no Brasil, construir propriedades do segmento econômico.

HN: Cadeias internacionais como Marriott têm dezenas de marcas. No entanto, é comum os investidores acabarem escolhendo as mais consolidadas e conhecidas. Então, qual a necessidade de ter tantas bandeiras? Não confunde a cabeça de investidores e consumidores?

LK: Na verdade, o número grande de bandeiras não tem relação com os investidores, mas com os consumidores finais. Essencialmente, os primeiros buscam o melhor retorno possível. Ele vai olhar a localização, vai ver o orçamento que tem disponível e vai nos perguntar qual a marca ideal para aquele projeto de acordo com o retorno de investimento que busca. Então, em algumas situações, um Courtyard faz todo sentido, enquanto, em São Paulo, talvez seja a hora de apostar em um projeto lifestyle como W Hotels, que pode dar um retorno de investimento maior do que um midscale, por exemplo. Falei isso tudo para concluir o seguinte: no final das contas, tudo depende do perfil do cliente naquele mercado, de quanto ele está disposto a pagar e qual experiência está buscando naquela cidade. Então, as 30 marcas que temos em nosso portfólio têm muito mais a ver com as 30 diferentes experiências que podemos oferecer aos consumidores em nossos hotéis.

Marriott - expansão no Brasil_W São Paulo

Exemplo da aposta lifestyle da Marriott no Brasil, o W São Paulo deve abrir em 2023

 

HN: Com as prováveis mudanças no mercado corporativo e a ascensão das bandeiras lifestyle, o que acontecerá com o segmento midscale? Ele pode deixar de existir?

LK: Continuará existindo, não tenho dúvidas. Tudo depende do cliente, como disse na resposta anterior. Fazemos muitas pesquisas com nossa base de clientes para entender suas preferências e, sim, temos que evoluir para nos adaptar à clientela, assim como nossas marcas. Então, hotéis construídos há mais tempo precisam de investimento para estar de acordo com as necessidades dos consumidores. Temos unidades da marca Courtyard bem antigas, mas que passaram por renovações ao longo dos anos para estarem em linha com o que o cliente deseja. Então, se uma marca, ou um hotel, não recebe novos investimentos, ficará obsoleta com toda certeza. Voltando à pergunta anterior: se o projeto tem apenas um investidor com uma visão de longo prazo, é muito provável que ele entenda a importância das renovações periódicas na infraestrutura. Agora, se há centenas de proprietários em um hotel, é mais difícil convencê-los da importância das atualizações. Então, em 15 ou 20 anos, essa propriedade estará obsoleta. Dessa forma, é importante ressaltar que uma das questões centrais da hotelaria brasileira é esta estrutura de financiamento baseada nos condo-hotéis. Isso vai muitas vezes contra a necessidade dos empreendimentos de receberem investimentos para atualizações que vão mantê-las competitivas ao longo do tempo.

HN: E, falando de marcas lifestyle, elas são mesmo a nova tendência ou essa moda vai passar?

LK: Não vejo razão para passar. Olhando nossas marcas atuais, temos todo espectro de bandeiras lifestyle no portfólio, desde as mais luxuosas, como Edition e W, às de perfil mais midscale, como Moxy e AC Marriott. Hotéis lifestyle já provaram que podem atingir melhores avaliações dos clientes do que outros que custaram a mesma quantia para serem construídos. É por isso que se tornaram atrativos para os investidores, além dos consumidores, é claro! Agora, há um ponto importante: esses projetos dependem de mais espaço físico para poderem transmitir a experiência que o cliente busca. Não pode ser como um prédio de apartamentos apenas, em que você passa pela recepção, pega o elevador e chega ao quarto. Você poderá usar o melhor design do mundo no apartamento, mas não vai funcionar. Não vai criar a energia comum dos hotéis lifestyle. Os projetos precisam das áreas comuns cheia de vida tão típicas desses empreendimentos. As pessoas agora não viajam mais pelo quarto básico dos hotéis de antigamente. Buscam experiências. Então, acho que as marcas lifestyle vieram para ficar!

(*) Crédito das fotos: Divulgação/Helbor

(**) Crédito das fotos: Divulgação/Marriott International