Como a formação profissional numa área tão ampla e em constante evolução como turismo pode ser relevante nos dias de hoje? Essa e outras perguntas são respondidas por Mariana Aldrigui no artigo Vale a pena correr para chegar atrasado? No texto, a professora, doutora e pesquisadora da USP (Universidade de São Paulo) traz um panorama geral sobre a educação e qualificação no setor, contemplando aspectos de seu surgimento, crescimento, declínio e transformação.

O artigo é fruto dos estudos realizados por Mariana e das reuniões do Conselho de Turismo da FecomercioSP, do qual ela preside, em que os membros discutem sobre tendências e desafios da indústria de viagens. O texto integra o e-book A Gestão da Jornada do Viajante: novo contexto, transformações nos negócios e soluções digitais, parceria da Resorts Brasil com a FGV (Fundação Getulio Vargas).

Com os textos de Mariana Aldrigui e Tricia Neves, o Hotelier News dá início à divulgação dos 24 artigos do e-book. A cada final de semana, dois artigos serão repercutidos por meio de entrevistas do nosso time de jornalistas com os autores. As matérias ficarão durante uma semana no ar, disponibilizando um link para quem quiser ver o documento original. Então, voltemos à doutora e pesquisadora da USP!

Na primeira parte, o artigo explora a própria origem do turismo como área de conhecimento formal, abordando a evolução do setor até a explosão de cursos de graduação em turismo no Brasil, durante as décadas de 1990 e 2000. “A ideia era fazer investimentos na educação superior privada para atrair maiores investimentos externos para o Brasil, o que multiplicou o número de cursos em várias cidades”, elucida.

A professora também explica que o custo de implementação desses cursos são baixos, necessitando apenas de uma sala de aula e professores, diferente de outras áreas. “Essa explosão também aconteceu quando as viagens não eram tão usuais e acessíveis, então gerava interesse de poder viajar”, acrescenta Mariana.

Declínio

Na visão da pesquisadora, um dos principais motivos para o curso não ter se sustentado foi a questão do desequilíbrio entre o investimento e a remuneração posterior do profissional formado. Além disso, muitas cidades que implantaram essas disciplinas não tinham um mercado muito claro para este setor.

“Ao mesmo tempo, outros cursos que atraem o mesmo tipo de aluno explodem, como Moda, Design, disciplinas que envolvem criatividade ou um aspecto mais humanista. Agora, também estamos perdendo para o desejo de ser influenciadores, social media e produção de conteúdo”, alega Mariana. “No fim, a carreira no turismo permanece com esse aspecto de muito trabalho para pouca remuneração. Então, jovens não têm sido apresentados ao setor de forma atraente.”

“Aqueles que estão se graduando, passando por processos seletivos, começam a perceber que estão sendo recusados e substituídos por profissionais de outros cursos. Com isso, acabam com duas opções: procurar cursos complementares ou até desistir da área”, conta Mariana. “Sem troca de experiências por meio de painéis, palestras ou debates com ex-alunos inseridos no mercado de trabalho, os graduados vão se encontrando cada vez mais obsoletos e sem alternativas, buscando apenas cargos operacionais e não estratégicos”, continua.

Segundo a pesquisadora, diferentemente da hotelaria, em que o foco é muito mais claro, turismo é uma área muito ampla. “Muitos graduandos em Hotelaria têm a ideia errada de que vão sair do curso já atuando como gerentes gerais de algum hotel. No caso do turismo, há a ideia de que estamos formando planejadores de turismo. Este emprego não existe”, afirma Mariana. “Essa ocupação costuma ser por indicação política ou contratos de consultoria, então é algo muito etéreo”, complementa.

Perspectivas

Para a pesquisadora da USP, e justificando o título do artigo, independentemente do esforço que vier a ser feito para fazer mudanças, assim que estas estiverem implementadas, o curso já nascerá desatualizado, por conta da rapidez com que o setor adota novas tecnologias. “Só nos últimos dois anos de pandemia, a hotelaria e o turismo evoluíram no uso de tecnologia e produção de conteúdo muito mais do que nas últimas duas décadas somadas”, relata Mariana.

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Mariana Aldrigui preside o Conselho de Turismo da FecomercioSP

Neste ritmo, torna-se praticamente impossível atualizar todos os professores de turismo e hotelaria com os dados mais recentes do mercado, segundo Mariana. “O que tem sido a melhor estratégia é estimular o aluno a sempre buscar informações em fontes diversas e confiáveis, a desenvolver a capacidade de serem leitores mais críticos e nunca deixarem de aprender”, explica. ”Com isso, os alunos adquirem uma base consistente para serem mais flexíveis e capazes de perceber para onde as coisas estão indo”, avalia.

De acordo com Mariana, na época do boom do setor, fazia mais sentido haver uma formação que explora venda e atendimento ao turista. “No entanto, conforme vão crescendo o portfólio de empresas e as possibilidades de atuações, o curso tenta ser centralizador”, relata Mariana. “Como um paralelo, a Engenharia se chamava politécnica até perceberem a necessidade de haver uma segmentação. Então hoje, temos diferentes tipos, como Elétrica, Civil, Química e etc. O mesmo ocorreu com Hotelaria, Gastronomia e Eventos.”

Considerando que até hoje ninguém conseguiu estabelecer uma relação clara com ter um diploma e ter um projeto bem sucedido na área, Mariana acredita que o turismo como graduação poderá deixar de existir. Ainda assim, esse processo deve levar bastante tempo, o que pode afetar o mercado de trabalho do setor.

“É provável que os jovens agora passem a desprestigiar ainda mais o setor, reduzindo ainda a quantidade de mão de obra qualificada. O mercado vai perceber isso e começar a mudar as exigências, levando a criação de cursos mais especializados”, espera Mariana. “Um hotel que exige que o empregado fale inglês, espanhol e tenha várias outras qualificações pagando salário mínimo, vai ter de pagar mais ou reduzir as exigências.”

“Um dos resultados da imensa oferta de formados do começo dos 2000 foi o excesso de qualificação com baixa remuneração”, recapitula Mariana. “No momento em que os empregados percebem que outros setores podem pagar mais, eles deixam de se sujeitar aos horários e condições de trabalho pelo baixo salário. Com isso, o setor de turismo acaba tendo que empregar pessoal menos qualificado, o que afeta o setor drasticamente”, finaliza.

Para acessar o artigo completo de Mariana Aldrigui, acesse o link.

(*) Crédito da capa: arquivo pessoal

(**) Crédito da foto: Christian Parente/FecomercioSP