Maria José Dantas
(fotos: arquivo HN) 
 
“Fiz teatro quando eu era adolescente. Acho que vem daí essa grande facilidade que eu tenho para falar”, brinca Maria José Dantas, presidente da Associação Brasileira de Governança Hoteleira (ABG). Mas, suas atividades relacionadas à arte não se resumem ao período em que estudou interpretação. “Já trabalhei com moda, o que me ajudou a escolher melhor os uniformes das camareiras, e toco violão. Mas eu não toco bem não, só engano”, declara. “Música é o que me tranquiliza: gosto muito de Beatles e Led Zeppelin e adoro Rolling Stones”, enumera ela – que foi ver o show do Paul McCartney, inclusive.

Seu próximo desafio pessoal é voar num avião da Esquadrilha da Fumaça. Maria José já está acostumada com as alturas por conta dos dezenas de voos de asa delta e parapente que fez da Pedra Bonita, no Rio de Janeiro, cidade onde mora. “Nasci em Natal (RN), mas vim morar no Rio quando ainda era muito pequena”, conta. E não é só de cima que ela gosta de ver a cidade: caminhar pela orla é uma atividade que está entre seus hobbies prediletos.

 
Já seu desafio na vida profissional é tão “radical” quanto voar no céu abençoado pelo Cristo Redentor, mas exige os pés tão firmes no chão quanto as caminhadas pelo calçadão da Cidade Maravilhosa: ajudar a capacitar mão de obra suficiente (dentro de sua área de atuação) para suprir a demanda da Copa, das Olímpiadas e do aquecimento do mercado hoteleiro.
 
O cálculo feito para avaliar quantas camareiras são necessárias para atender a uma cidade envolve os seguintes índices: número de leitos, taxa de ocupação e produtividade média da profissional – que é de cerca de 14 UH’s, durante uma carga horária de pouco mais de 7 horas. Assim, só no Rio de Janeiro, a estimativa é de que serão necessárias três mil colaboradoras nesta função até 2014. “Onde esses profissionais estão? Eles não estão, não existem. Falta mão de obra qualificada para o trabalho operacional de base”, diz.
 
Conversamos com a profissional sobre o que o setor precisa melhorar para os grandes eventos e também sobre sua carreira. 
 
Por Aline Costa
 
Hôtelier News: Quais as características do programa “Eu sou brasileiro”, que visa capacitar camareiras para suprir a demanda gerada até 2014?
Maria José: Nosso foco é o treinar, formar e capacitar governantas, camareiras e supervisores por meio de um curso com carga horária de 120 horas, sendo 20 delas em auditório com uma réplica de UH, para que eles vivenciem mesmo a realidade do trabalho.

Vemos a governança como prioridade e todo programa será voltado para participação em grandes eventos e feiras para divulgar os

projetos e conseguir adesão. Quanto mais gente souber e quiser ajudar, mais fortalecida será a ação.
 
HN: Qual o perfil esperado para esse profissional? Por que a capacitação é tão importante?
Maria José: O profissional precisa ser versátil e criativo. O objetivo do projeto é formar profissionais com essa nova visão de formação plena.

 

Desde a década de 90, quando comecei a trabalhar no setor,  

eu acompanhei diversas “hotelarias” até a de hoje. E não foi a governança que mudou, a mudança ocorreu no mercado. Nós tínhamos uma hotelaria fora da realidade. Hoje podemos pontuar três fatores que determinaram o cenário atual: o cliente, o enxugamento dos quadros de colaboardores e a chegada das grandes redes.
 
O cliente hoje é outro. Seu nível de experiência e exigência é mais elevado que há 20 anos. Contudo, naquela época havia o dobro de colaboradores para fazer a mesma coisa. Governança que trabalha agora com 60 fixos, naquela época tinha em torno de 100, 110. Essa era a proporção. 
 
A chegada das grandes redes foi uma revolução, trouxe muita coisa boa, nova visão, novo modelo de gestão, novo processo. Quem é independente se beneficia dessa visão mais pragmática que observou nelas.

  
 
HN: Qual a importância do networking para associação?
Maria José: Relacionamento é tudo. Hoje a ABG tem muitos associados, mas nossa fonte de receita era somente dos mantenedores que conheceram e aceitaram dar apoio a partir da nossa fundação. Estabalecimentos parceiros importantes e fundamentais pra gente existir, bem como profissionais do mercado que dão contribuições com palestras que nem sempre temos condições financeiras para pagar seus honorários. Às vezes fazemos apenas o reembolso de viagens e mesmo assim as pessoas vão com o maior prazer fazer a palestra gratuitamente.
Entre esses profissionais estão o Márcio Moraes, da QI Consultoria; a Fernanda Rodrigues do L’Hotelier; a Ilma Lira que é psicóloga; o Edward Mazzei; além das próprias governantas. Temos a Ana Gonçalves, do Fasano, e Margarete Aldeir, do Mussulo By Mantra, por exemplo.
 
  
  
 
HN: Como foi a criação da ABG?
Maria José: A ABG surgiu em 2003, quando eu já tinha planos de carreira solo. A Regina Célia tinha tentado implantar a ideia em São Paulo, mas não conseguiu.
 
Depois ela veio para o Rio para atuar no Sheraton, e acabamos nos conhecendo em um encontro de governantas promovido pela ABIH – evento raro. Normalmente as governantas nem se conheciam, mesmo as que atuavam na mesma rede. Ninguém parava para sair do seu hotel.
 
Conversamos sobre o projeto dela e eu disse que ela podia contar com meu apoio. Isso foi em 2002. Em março de 2003 fizemos a primeira reunião para apresentar o projeto. Convidamos 45 profissionais e foram 37. Pra gente foi maravilhoso saber que as pessoas gostariam e queriam uma entidade do tipo, mas não tinham ninguém que fizesse. Saimos de lá com os 13 membros já escolhidos. Em 4 de outubro do mesmo ano, a ABG surgiu legalmente. Visitamos várias cidades para apresentá-la e tivemos muitas adesões.
 
Nosso objetivo principal é a profissionalização da área. Temos programas de desenvolvimento, capacitação, formação e reciclagem para profissionais de base, até supervisores.
 
O filme Bastidores da Hotelaria (produzido pela profissional) deve nos ajudar nessa empreitada. Por meio dele, queremos difundir e dar visibilidade a profissionais que nunca aparecem. Quem são esas pessoas?

 
É justamente esse atendimento “invisível” que fideliza o cliente.
A proposta é mostrar e ouvir cada profissional, suas expectativas e sugestões sobre qual o caminho ideal em termos de serviço. É um filme que vai deixar uma grande reflexão e conhecimento.
 
HN: Como surgiu seu interesse pela hotelaria?
Maria José: Meu primeiro contato com a hotelaria foi por acaso. Eu estava procurando emprego e uma amiga que já atuava na área me convidou para trabalhar com ela.
 
Eu não tinha muita noção do que era, mas de qualquer forma, os hotéis em geral sempre chamaram minha atenção. Achava tudo muito bonito, havia uma aura que me cativava. Eu tinha uma certa ilusão mesmo, e ela acabou virando realidade, pois a medida que trabalhava me encantava ainda mais.
 
Comecei na recepção. A missão de atender o hóspede realmente é muito gratificante. A rotina é bem cansativa, e no começo eu senti um pouco falta de poder sair aos fins de semana, mas depois a gente acaba se acostumando e gostando cada vez mais do trabalho. Cada dia é um desafio e aprendizado novo.

 
 
HN: Depois da recepção, por quais áreas você passou?
Maria José: Depois da recepção fui para reservas. Foi neste setor que eu me descobri vendedora. Muitas vezes nem o cliente sabia o que ele estava querendo, e me tornei especialista em identificar qual era a necessidade dos hóspedes. Assim, eu conseguia indicar o melhor produto e agregar serviços importantes para ele.
Uma peculiaridade importante da diária é que ela é um produto extremamente perecível. Eu me esforçava para vender muito durante o dia, porque meu produto vence todo dia a zero hora. Cada oportunidade que eu tinha para vender era muito importante para minimizar as perdas. 
 
Em seguida, passei a trabalhar com Eventos. Esta é outra área que me fascinou muito. Se eu não tivesse me encontrado na Governança, continuaria em Eventos. São áreas parecidas porque o trabalho não acaba nunca: quando um evento termina, logo vem outro e depois mais outro. Isso quando o cliente não pede para mudar algumas coisas na última hora. Toda ação é decisiva, é um trabalho que envolve muita logística e planejamento. Até hoje eu adoro.
 
Na sequência fui supervisora de Recepção. Depois, veio o desafio que me abriu as portas para governança. Atuei na coordenação de Hospedagem, que correspondia a gerência. Aí que precisei me tornar governanta, uma função com a qual tinha tido pouquíssimo contato ao longo da minha carreira. Eu interagia pouco. Supervisionava os vips e fazia bloqueios, mas não tinha na minha mente a logística do apartamento, me faltava essa precisão.
Um dia minha gerente me disse que precisava muito de mim na governança. O que me restou? Aceitar o desafio! Eu me senti muito prestigiada porque embora achasse interessante, não conhecia bem o setor, não tinha a verdadeira dimensão do que era. E assim que descobri fiquei ainda mais feliz pela confiança que foi depositada em mim.

Eu fiquei dias dentro do empreendimento para fazer o mapeamento das UH’s, pois só assim eu entenderia a logística. Trabalhei em todos os horários, inclusive de madrugada, e isso me acrescentou muito. Eu não estaria completa se não tivesse atuado em todos os turnos. Claro que ainda falta muito para eu aprender, aprendemos o tempo todo! E sei que não teria entendido o verdadeiro sentido da hospitalidade se não tivesse passado pela governança. Não era claro o que é receber um hóspede e a interação com os demais departamentos. Claro que todos setores são importantes, mas a governança é estratégica. Ela tem papel fundamental na dinâmica do hotel e quando ela falha provoca um efeito dominó, pois ela é o maior departamento de apoio e suporte para os prestadores de serviço, eventos, reservas, áreas comerciais, manutenção: em todas as áreas há de ter alguém da governança prestando algum tipo de serviço.

Foi isso que me fez apaixonar cada dia mais por essa atividade tão interna, intrínseca e extraordinária. É muito prazeroso ver as pessoas no hotel se dedicando para atender com qualidade e presteza.

 
HN: Já pensou em atuar em outra área?
Maria José: Pensei em deixar a operação para me dedicar a família. A entrega é muito grande. Demanda muito tempo do dia a dia. Mas sabia que não conseguiria me desligar totalmente, então em 2006 só trabalhava com treinamento e consultoria na área de governança e hospedagem.
 
Comecei a trabalhar em 1987, com 23 anos. Em alguns momentos fiz outras atividades, mas sempre voltava para o hotel com a certeza de que era aquilo que eu queria fazer. Quando eu decidi que finalmente não queria mais trabalhar na operação, surgiu a ABG.