Márcio Moraes

Você tem prazo de validade? Essa pergunta é provocativa porque assim pensam muitos profissionais, “estou muito velho para conseguir uma nova oportunidade”. Lá do outro lado, no extremo estão os jovens questionando o mesmo motivo: por que não me contratam para oportunidades de trabalho? Não estou falando da experiência júnior, pleno, sênior, e sim de candidatos no mesmo grau de competência e diferenciados pela idade. 

Numa das conferências no palpel debatedor sobre carreira em hotelaria, entramos num tema polêmico: a idade da alta produtividade. Alguns defendiam que existe esse momento na carreira, uma faixa de idade, quem está nela é altamente desejável pelo mercado, na visão deles não são os muito jovens, nem mesmo os com idade muito avançada. Permita não colocar essa faixa aqui, explicarei meu motivo no decorrer desse texto. 

Em uma das falas nesse debate, profetizaram que profissionais com idade avançada não aguentariam as tribulações da gestão de um resort, segmento citado como exemplo. Esses estão cansados, enfatizou um dos debatedores.  Muito menos os jovens, ainda não tem maturidade nas decisões, colocando-os como muito informais e imaturos.  Respondi que nunca vi profissional de idade avançada chegar ao trabalho de pijama e, muito menos jovem em posição de gerência trabalhar de bermuda com uma prancha de surf ou skate debaixo do braço ou jogado no sofá, caso a empresa não permita tais atitudes.

W. Chan Kim (1951) e Renée Mauborgne (1963): Autores do livro Estratégia do Oceano Azul

Os candidatos estão na prateleira do mercado de trabalho, porém alguns os tratam como mercadoria. Se consideram recrutadores precavidos, como fazem em supermercado, analisam a data de validade para ver quanto tempo esse profissional ainda poderá servi-los. Felizmente, não andamos com essa especificação de prazo estampado na testa, porém no currículo sim. Onde normalmente ocorrem as injustiças, nem mesmo analisam o perfil do profissional, são facilmente excluídos por um pequeno detalhe, a idade. 

Recentemente, tive contato com um profissional nascido em 1954, não espere que eu diga a idade, prefiro não facilitar aos preconceituosos, quem quiser saber faça o cálculo ou como deveria acontecer com todos os currículos – leia até o final. Ele estava receoso pela idade.  Devido a essa parcela, espero que mínima, de recrutadores motivadores desse preconceito, exceção para os perfis de vagas que exigem forte condicionamento físico. Ainda assim, há muitos profissionais com idade avançada trabalhando como pedreiros, agricultores, aguentando muitas horas “debaixo de sol” e utilizando a força física como ferramenta de sustento.

Michael Eugene Porter (1947) – Influencia a Administração com livros relacionados a competitividade e estratégia

 Muitos dos profissionais com idade avançada atuantes no segmento da hotelaria viveram num período em que a presença do gestor para as mais diversas demandas, mesmo operacional, era considerada obrigatória, sinônimo de eficiência. Trabalhavam de 12 a 16 horas por dia, sem tempo para estudos. Lembro-me de um Gerente Geral que não importava o horário de visita do proprietário, era para avisá-lo imediatamente.  

“O olho do dono engorda o gado” era a frase preferida, transferindo ao gerente essa incumbência de representar o olhar do proprietário, com objetivo de atingir a onipresença no empreendimento. Imagina fazer um curso superior nessas condições? Muitos trabalhavam sem se preocupar com a carreira ou com a qualidade dela, o crescimento de salário era conquistado na confiança. 
Há poucos anos a exigência do curso superior não aparecia nem mesmo na descrição das vagas para gerentes em hotelaria, o aprendizado era na prática – tempo de experiência. Alguns profissionais nascidos na década de 50 conseguiram seguir o caminho da formação acadêmica, são advogados, engenheiros entre outras funções, atuando na hotelaria.  Outros sentaram na cadeira de aluno, muitas vezes com mais tempo de experiência na hotelaria que o professor, humildemente ouviram a academia.  Mesmo porque, os primeiros cursos superiores em hotelaria criados em São Paulo e Canela são recentes quando comparados com outros tradicionais, como administração de empresas, que na época era focado na indústria. 

Nesse período distante, não se falava em Revenue Management e sim em política de desconto. Lembro ainda muito jovem ao assumir a chefia de recepção de um hotel independente na minha cidade natal, Porto Belo, litoral de Santa Catarina, em que o proprietário nos ensinou “a negociar” com os clientes sem reservas na baixa temporada. Deveríamos oferecer a tarifa cheia, se ele não mostrasse nenhuma aprovação, 5% de descontos, ao ensaiar virar as costas rapidamente dizer 10%, se mesmo assim completasse o movimento 15%, caso desse um passo com clara evidência de desistir 20%, 25%, 30%, essa era nossa autoridade máxima e por último: “Se o senhor me permitir posso telefonar para o Gerente Geral e conseguir um valor mais atrativo”. A base de análise de desempenho era muito focada na taxa de ocupação, casa cheia significava um sorriso largo de todos. 

Reid Garrett Hoffman (1967) – Co-fundador e presidente executivo do LinkedIn

Os tempos mudaram e com ele muitos profissionais acompanharam as tendências porque sabiam exatamente a essência da hospitalidade e bastava incorporar novas ferramentas, para ter em mãos maior facilidade e eficiência na tomada de decisão. São experiências esculpidas de material bruto, onde não havia computadores e por consequência softwares, contudo sabem como esses “pensam”, porque na sua vida profissional lidavam, por exemplo, com mapa de reservas impressos, marcados suavemente com lápis para não rasgar o papel se tiver que apagar devido às mudanças de situações ou de apartamentos.  Todos os encaixes de entrada e saída nas categorias de apartamentos eram feitos no visual, com a missão de não deixar lacunas. Também realizavam cálculos numa planilha de papel para fechar o caixa ou analisar o índice de desempenho, horas para descobrir uma comanda lançada errada. 

A maioria das atividades que hoje são feitas pelo software eram realizadas na mente e no manual, as decisões também precisavam ser rápidas e eficientes. O resultado é o mesmo, salvo as proporções de valores: lucratividade e longevidade com desempenho positivo.  Eles presenciaram o brotar dos concorrentes de todos os lados. Muitos empreendimentos tornaram-se obsoletos, na maioria dos casos por ausência de atualização predial, conforto, comodidade e tecnologia, porque os bons administradores estavam em desenvolvimento constante e a sua essência mantida ao conduzir uma equipe para cordialidade e a fidelização dos hóspedes era através do acolhimento. 

Esse profissional nascido em 1954 não parará de trabalhar tão cedo, na última empresa conseguiu colocar o empreendimento entre os melhores resultados, superou expectativas, elevou o GOP, o RevPar, subiu 24 posições na classificação do Booking e reduziu despesas pensando, como sempre fez, em contribuir com o meio ambiente, reduziu a energia, não a dele e sim da conta elétrica e de abastecimento de água. Os demais índices de desempenho cumpriram como boa parte dos ótimos administradores realizam: elevar a satisfação dos hóspedes, melhorar a motivação dos colaboradores, aumentar a distribuição aos investidores e conservação do empreendimento. 

Já que você chegou até aqui, leu tudo, posso falar, conheci outro profissional nascido em 1984, que conseguiu a mesma proeza. O profissional coloca na prateleira a competência e essa não tem data de validade. 

Mark Zuckerberg Elliot (1984) um dos fundadores do Facebook

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Márcio Moraes é gerente de Carreira na QI Profissional, especializada no mercado de hospitalidade. Professor Universitário. Formado em Hotelaria,  especialista em Qualidade e Produtividade, Planejamento e Marketing, formação avançada em DISC (ferramenta de análise de competências comportamentais).

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