Imagine ter a comodidade de apenas descer alguns lances de escada ou pegar o elevador para jantar em um restaurante renomado. Cada vez mais, a união entre gastronomia e hospitalidade tem se mostrado uma receita acertada. Essa fusão subiu de patamar, a partir do momento em que grandes marcas gastronômicas passaram a ocupar espaços dentro de empreendimentos hoteleiros.  Tal combinação, além de ser altamente atrativa também para clientes externos, entrega a promessa de uma experiência mais elaborada para o A&B (Alimentos & Bebidas).

Terceirizar o departamento é uma alternativa, ainda mais quando as parcerias são firmadas com marcas consolidadas no mercado, o que traz notoriedade aos restaurantes dentro de hotéis. Dentro da experiência de hospitalidade, a alimentação é um dos pontos altos, traçando uma linha tênue entre a satisfação ou decepção do cliente.

“Mesmo no conceito mais simples, quando estamos fora de casa, precisamos nos alimentar. É uma necessidade fisiológica. Conforme sofisticamos esse conceito, a variedade de alimentação também se torna fundamental, até para gerar fluxo que não seja apenas de hóspedes”, explica Marcelo Traldi, professor do Senac que também atua como consultor hoteleiro, em entrevista ao Hotelier News.

“Temos ali um ativo imobiliário que necessita gerar receita, em especial em lugares em que o custo do metro quadrado é bastante elevado, como é o caso de São Paulo”, acrescenta Traldi. “Mas não só isso: mesmo que você tenha uma ótima hospedagem, mas oferece uma experiência ruim no restaurante, a percepção do cliente sobre o conjunto da obra cai demasiadamente”.

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A&B é parte da percepção do cliente, diz Traldi

De vilão para mocinho

Tradicionalmente, o A&B sempre foi visto com desconfiança e tratado como o bandido da história, mas ao que tudo indica, o departamento ganhou ares de mocinho, tendo uma força relevante durante a retomada da crise.  “Antigamente, muitos empregavam o A&B como um mal necessário. Hoje, vejo como um bem necessário. Quanto melhor gerido for, mais agrega ao empreendimento. E, enquanto isso, o restaurante ganha um público garantido do hotel”, explica Miler Bairros, gerente geral do LK Design Hotel.

“Falar de hotelaria e não falar de gastronomia é praticamente inviável em alguns produtos. E isso é especialmente verdadeiro para o LK. Vale ressaltar também que a gastronomia não é apenas um ponto de receita, mas uma fonte de resultado, e, portanto, deve ser tratada como tal”, continua Bairros.

No início da pandemia, por exemplo, o restaurante oriental Hai Yo, do Grand Mercure Curitiba Rayon, implementou o delivery, que chegou a compor 35% da receita total do espaço. “Com a flexibilização das medidas, o faturamento de A&B alcançou a marca de 45% da receita do hotel”, relata Fernando Kanbara, gerente geral do empreendimento.

“A tendência que vemos para os próximos meses e ciclos é de que o A&B tenha potencial de se manter ou até mesmo passar a marca dos 50%. Como um hotel de eventos, somado a intenção de fazer do empreendimento um ponto de encontro da cidade, entendemos que o departamento tem um papel crucial no negócio”, complementa Kanbara.

Atração e fidelização de clientes

Traldi também ressalta a capacidade do restaurante de atrair clientes para o hotel e melhorar a visibilidade do produto. “É o caso do Emiliano, que nomeou o restaurante com o mesmo nome do hotel, e do Fasano, que construiu uma marca internacional em volta do reconhecimento do restaurante, elemento central dos empreendimentos da bandeira”, exemplifica.

Com o mesmo objetivo, mas apostando em uma estratégia um tanto diferente, o recém-renomeado LK Design Hotel apostou em uma divulgação independente para o Osli Restaurante. “Nos últimos anos, a hotelaria vem tentando desmistificar o conceito de ‘comida de hotel’, que carrega certo estigma de ser inferior, mais caro ou até ter apenas o café da manhã como relevante”, relata Bairros.

Miler Bairros

Bairros: Osli opera de forma independente

“Por este motivo, tratamos o Osli como marca independente em sua divulgação, além de apostar no público local. Dessa forma, não é o restaurante do hotel que é aberto ao público, é o restaurante do público que é aberto ao hotel”, salienta o gerente.

Considerando o que foi discutido, não é apenas o hotel que garante o público do restaurante, mas o restaurante também tem capacidade de levar clientes para o hotel. E isso acontece principalmente em datas comemorativas. “Após a experiência no Osli, os clientes querem conhecer a experiência completa do LK. Por este motivo, inclusive, optamos por criar o pacote Eat and Stay, para moradores da cidade e clientes do restaurante”, acrescenta Bairros.

O Osli não é o único exemplo disso: o Hai Yo também observou o mesmo fenômeno. “Temos muito disso aqui, especialmente em datas comemorativas que casais costumam celebrar. Tanto é que estamos criando o produto Dine & Stay”, conta Kanbara.

“Aproveitando que estão com a noite reservada para a celebração, muitos casais decidem se hospedar para estender essa experiência bacana da gastronomia”, relata Kanbara. “No Dia dos Namorados, por exemplo, tivemos 100% das camas de casais reservadas, resultando em uma ocupação geral de 92%”.

Terceirização

Por se tratar de uma operação complexa, principalmente quando inserida no meio da hospitalidade, muitos empreendimentos optam por terceirizar o departamento de A&B, ou pelo menos parte deste. A discussão sobre as vantagens e desvantagens, no entanto, vão longe.

“Dependendo do caso, você consegue atrair um player interessante do mercado e gerar uma visibilidade que complemente o negócio com uma marca renomada da região, gerando um composto de produto positivo”, afirma Traldi. “Contudo, você abre mão de uma operação que é bastante abrangente e abandona parte da capacidade de geração de receita e do controle de parte da experiência de seu hóspede”, pondera o professor.

Kanbara traz outros pontos importantes para a discussão. “Existe uma carência muito grande de mão de obra, o que dificulta o gerenciamento de hotéis com restaurantes próprios. É difícil encontrar pessoal capacitado, com menor turnover possível, e seguindo procedimentos de segurança e padrão de qualidade”, explica.

Fernando Kanbara

Carência de pessoal dificulta a gestão, aponta Kanbara

“Isso, no entanto, pode ser tornar ainda mais difícil quando há um terceiro na equação, pois você precisa cobrar dele o mesmo nível de atendimento”, avalia Kanbara. “Apesar de contratualmente existir certos artifícios que permitem fazer certas cobranças, em muitos casos não é possível, posto que são decisões gerenciais que envolvem o proprietário do restaurante, que muitas vezes não entendem a percepção do negócio do hotel”, acrescenta.

Outra desvantagem da relação com o terceiro é a redução da flexibilidade do hotel, o que se faz necessário um operador especializado em gastronomia hoteleira. “Apesar de não parecer tão complexo gerenciar room service, eventos e café da manhã, o fato da demanda ser 24 horas e sete dias por semana dificulta bastante. Fora os espaços definidos em termos de estrutura, que exige investimento maior para ter cozinhas separadas”, alega Bairros.

Além de encontrar um bom operador de A&B que entenda de hotelaria, o que não é uma tarefa simples, principalmente para empreendimentos com diversos pontos de venda, Bairros traz outro ponto de atenção para a terceirização. “É importante também ter escopos bem definidos que delimitem quais são as atribuições de cada um, não só em relação a espaços físicos, mas também em relação a investimento e qualitativo. Portanto, é crucial ter um contrato mais amarrado possível”, finaliza Bairros.

(*) Crédito das fotos: Divulgação