É difícil mensurar quando, de fato, a hotelaria nasceu. As raízes da hospitalidade são datadas de séculos atrás, com pequenas pensões e hospedarias. Naquela época, o proprietário fazia as vezes de anfitrião, do lado de trás do balcão, recebendo seus hóspedes e clientes. Em pleno século XXI, muita coisa mudou, mas algumas não deveriam. Nos dias atuais, o gerente geral acabou deixando de lado o bem-receber para lidar com questões burocráticas e administrativas. O conceito de lobby leadership ganha espaço para resgatar a natureza hospitaleira dos gestores.

Na verdade, esse perfil de liderança é um velho conhecido do setor, mas que recentemente ganhou uma denominação, mesmo que ainda pouco difundida no mercado. Vamos explicar: o conceito de lobby leadership defende a ideia de que os gerentes gerais não devem se limitar às quatro linhas do seu escritório. Ou seja, precisam também circular pela operação, dar suporte às equipes e a cara a tapa aos hóspedes.

Com a evolução da hotelaria, gestores passaram a se afundar cada vez mais em relatórios e análises financeiras que, vale ressaltar, também são de suma importância para o negócio. Agora, o hotel não se trata apenas disso. A arte da hospitalidade acabou ficando em segundo plano, escondida atrás de mesas, planilhas e infinita papelada.

Roland Bonadona, CEO da Bonadona Hotel Consulting, compara o gerente geral a um maestro de uma grande orquestra, que conduz os músicos a criar um ritmo e tocar na mesma sintonia. “Dependendo da qualidade, será uma música boa ou ruim. No caso do hotel, é a mesma coisa. O gerente lidera, cria o espírito de equipe, assegura a qualidade e a experiência. É claro que ele também precisa lidar com processos administrativos, mas é o intangível que faz de um empreendimento atrativo ou apenas em funcionamento.”

Em linhas gerais, um gestor lobby leadership é presente e ativo na operação. Ele divide e equilibra seu tempo entre questões burocráticas, suporte a equipe e relacionamento com o hóspede. “Se trata de ter a preocupação em manter contato direto com os times de todos os departamentos. Sempre acreditei que essa presença é importante, pois é no olho no olho com o cliente que entendemos quais pontos precisam melhorar. E isso vale também para os colaboradores que fazem a operação acontecer”, continua o ex-CEO da Accor.

lobby leadership - roland bonadona

Gerente é como o maestro de uma orquestra, diz Bonadona

Nem 8 nem 80

Cada profissional conduzirá sua gestão de acordo com o seu perfil pessoal. É uma lógica natural. Gerentes mais analíticos e estratégicos tendem a dar maior atenção às questões administrativas e financeiras, por exemplo. Já os mais expansivos gostam de lidar com pessoas, circular pelos corredores e estar em constante contato com o cliente.

Para Lucila Quintino, sócia e fundadora da HotelConsult, encontrar um meio termo é o caminho ideal. “Para o gerente mais analítico, é preciso querer estar mais próximo à operação, criar reuniões, pedir feedbacks com as equipes e traçar rotinas que o tirem do escritório. É algo que só se desenvolve praticando. Não existe receita pronta”, avalia.

Outro ponto que pode pesar no estilo de liderança é o perfil de empresa em que o hotel está inserido. Grandes redes costumam demandar mais números, relatórios e repasses de informações aos investidores e diretores. Por outro lado, empreendimentos independentes são menos engessados, mas muitas vezes não contam com o suporte que companhias mais robustas oferecem para gerir os negócios.

“Gerentes de redes multinacionais, normalmente, estão 70% no escritório e 30% na operação. Empresas familiares, menores e independentes acabam dando maior liberdade para o profissional exercer esse perfil de liderança”, salienta Lucila.

As diferenças de gestão também são relatadas por Bonadona, que ressalta que alguns resultados só vêm de interações humanas. “Um gerente de rede acaba ficando preso em muitas tarefas, mas isso não pode ser usado como um escudo. De fato, ser lobby leadership em um hotel independente é mais fácil, mas todos podem se desenvolver. O líder precisa ter amor pela hospitalidade, normalmente são profissionais que galgaram muitas posições para estar onde estão e conhecem os degraus da operação. Quando você está na linha de frente, é exposto a reclamações, problemas e o escritório acaba sendo um refúgio”.

“Não dá pra ser 8 nem 80. É possível estar nos bastidores, ser bem-visto pela equipe e receber o cliente com um sorriso no rosto. Também é importante contar com o apoio de um gerente operacional na gestão do back office”, complementa Lucila.

lobby leadership - raphael martino

Martini busca feedbacks durante a estada

Relação com a equipe

Um dos principais atributos de um líder é inspirar. E é quase impossível servir de exemplo entre quatro paredes. Olhar de perto os problemas da operação ainda é um papel que muitos gerentes ainda não cumprem, mas que reflete na entrega e no comportamento da equipe como um todo.

“Não tem como tocar um negócio sem ter contato estreito com as equipes que fazem acontecer, com os investidores, que colocam dinheiro, e com os clientes, que são a razão da empresa existir. É importante não manter apenas reuniões no escritório, mas marcar presença com os times. Quando falamos de serviços, é preciso assegurar que toda a entrega vai ocorrer conforme o planejado. E isso não se vê do lado de dentro do escritório”, pontua Bonadona.

À frente do Novotel Morumbi, Raphael Martini é um gerente lobby leadership. Presente e ativo no dia a dia da propriedade, o profissional acredita que é a partir do exemplo que se constrói um time bem alinhado. “O impacto é grande quando as pessoas percebem que você está ali, junto a elas. E com certeza elas replicarão ao máximo isso. Não é garantia de sucesso, mas um bom exemplo faz diferença”, acredita.

Para Martini, estar atento ao que acontece na recepção, A&B (Alimentos & Bebidas), governança e eventos faz parte do seu dia a dia. “São grandes pontos de contato. Costumo circular pelos andares, observar como o cliente está sendo recebido e como estão os quartos. E não pensando apenas no hóspede, mas para o colaborador é importante que ele saiba que o trabalho dele é relevante em todo processo, que é visto.”

Em outubro de 2020, Dairon Grandi assumiu o posto de diretor de Operações do Malai Manso – nomenclatura utilizada pelo resort para a função de gerente geral. Até então gerente de RH (Recursos Humanos), sua formação profissional facilitou a relação com os colaboradores. “Procuro me reunir três vezes por semana com a equipe. Busco abrir diálogo e ouvir o que eles têm a dizer de seus respectivos departamentos. Também me reúno com os gerentes das grandes áreas e eles replicam para os times. O gestor precisa dar o tom, delego o que for possível para poder ter tempo de estar presente na operação”, conta.

lobby leadership - dairon grandi

Grandi com a mão na massa em ajustes no Malai

Chama o gerente!

Grande parte das vezes, o hóspede só conhece o gerente em situações controversas, problemas e reclamações. O famoso “chama o gerente”! Para um profissional lobby leadership, manter contato com o cliente, buscar entender seu grau de satisfação ainda durante a estada e manter contato para uma possível fidelização é lei.

“O gerente é o maior anfitrião do hotel. O cliente espera que você demonstre interesse, converse e proporcione o calor humano da hospitalidade. É reencontrar o prazer de atender e falar com o hóspede – algo que foi esquecido no setor”, diz Bonadona.

Após dois anos de pandemia, a necessidade de estreitar laços se mostra ainda mais latente, visto que o comportamento do consumidor passou por drásticas mudanças. “É um diferencial em um momento de competitividade acirrada. Hoje, o hóspede é mais consciente, exigente e entende melhor os seus direitos. Essa atenção é um detalhe que molda a experiência”, complementa Lucila.

Quem se hospeda no Novotel Morumbi facilmente encontrará Martini dando as caras no café da manhã. O gerente explica que se trata de um horário estratégico para absorver alguns feedbacks dos clientes antes que os reviews cheguem à internet. “Cerca de 80% dos hóspedes passam por ali. Costumo ficar na porta do café, dou bom dia e pergunto se está tudo bem na estada. No olho no olho, conseguimos pegar muitas coisas”, revela.

E a gestão de Martini vem dando bons resultados. Antes da pandemia, o hotel ocupava o 35º lugar no TripAdvisor, subindo para o segundo. “Encerramos 2021 com nota 90.6. É um indicador de que estamos no caminho certo e atingindo nossas metas. Temos um cuidado especial com o A&B, que tem peso relevante na avaliação. Também trabalhamos com clientes fidelizados do ALL, que quando chegam sempre peço para que me chamem para dar as boas-vindas pessoalmente. Você cria uma relação de confiança e liberdade para o hóspede dizer se houver algum problema, as pessoas gostam de saber quem é o responsável”, conta.

No Malai Manso, Grandi procura observar o tempo de check-in e permanência nas filas, além de estar constantemente circulando por diversas áreas do empreendimento. “É preciso saber ouvir críticas. Se você não der a cara a tapa, sua equipe não o fará. Essa postura afeta diretamente os times, os clientes e os resultados. Ali, você mostra qual o estilo da empresa, além de conquistar o carinho dos hóspedes, que são a nossa razão de existir. Nossa meta é sempre melhorar a experiência do cliente”.

E, vale lembrar, que um gerente lobby leadership faz sentido em qualquer categoria de empreendimento, independente do perfil de público. “Trabalhamos para duas pessoas: o cliente e a equipe. Precisamos ser facilitadores das duas pontas. Se puder dar uma dica para outros profissionais seria: fique na porta do café da manhã. Você vai ouvir muita coisa ali. Nem todos têm esse perfil, mas é possível desenvolvê-lo”, pontua Martini.

Grandi explica que busca manter uma gestão coerente, equilibrando pessoas e processos. “Tento dividir meu tempo em 50/50. Parte dedico aos processos, análises, controles e orçamentos. A outra metade, foco nas pessoas, sejam as equipes ou os clientes. Nem sempre funciona todos os dias, mas procuro dar o meu melhor”, finaliza.

(*) Crédito da foto: huntersrace/Unsplash

(**) Crédito das fotos: Divulgação