O falecido escritor, novelista e teatrólogo Nelson Rodrigues cunhou a expressão “complexo de vira-lata” para explicar a xenofobia às avessas que assolava, e sempre assolou, a nós brazucas. É baixa estima que como uma pandemia maltratava os bem e ou mal sucedidos. Sofremos então, desde a morte de Nelson Rodrigues, com o sentimento de que alguma coisa dará errado e de que somos culpados. E como temos visto que quase sempre dá errado, quase sempre somos mesmo os culpados! Somos nós os arautos de nossa infelicidade, promovendo nossos diversos equívocos por toda a terra – até por lugares onde os equívocos são barbaramente maiores do que os nossos. Interessante, não é?

Esta semana li uma matéria em um veículo setorial que me chamou muita atenção. O assunto principal da renomada revista era a nossa hotelaria de luxo e sua relevância na retomada dos negócios pós-pandemia, cá no Patropi. Um esforço comercial de tentar reverter nosso complexo de vira-lata. Algumas autoridades do assunto tem uma visão positiva sobre este segmento como vetor de crescimento. Já um outro demonstrou um certo conservadorismo que claro, cabe no seu belo terno. Li e re-li atentamente toda a matéria, esplêndida por sinal, e conclui que precisamos estudar mais como grupo empresarial. Precisamos saber mais sobre as expectativas do cliente de hotelaria luxo, sobre o luxo per se e também sobre as medidas para mitigar a insatisfação dele quando, afinal, falhamos e somos culpados. Parece-me que há um certo desencontro entre as expectativas deste cliente gastão, maravilhoso e de bolsos cheios, mas também sobre o que prometemos e entregamos para este hóspede. É claro que queremos em um país como o nosso, que as diárias e as receitas extras sejam obscenas de tão caras.

Vejamos então, meninos e meninas: A palavra luxo vem da corruptela multi-idiomática “lux”, qual seja “luz”, “iluminado”, “que emana luz”, “que ilumina”. Ao longo dos anos, o verbete emprestou seu significado para coisas que brilham como ouro e pedras preciosas, relógios, imóveis, e vai por aí. Hoje temos bem claro o que é um carro de luxo, o que seria um imóvel residencial de luxo, e quem sabe, um bravo hotel de luxo. Eu tive um professor que insistia (português…) que não tínhamos hotéis de luxo no Brasil, assim como também não tínhamos restaurantes de luxo. Seu objetivo, nos anos 1980 em Copacabana, era de criar entre nós o entendimento sobre luxo, na mesma medida do entendimento de nosso hóspede. Bom… os esses anos já passaram e muito foi desenvolvido no Brasil, ainda nada por serem chamadas mundialmente de luxo. Seriam exceções o Tangará? Ou o Rosewood? Quem sabe o exemplo do Quatro Estações? Este inclusive, através da vida de Isadore Sharp, nos ensina muito do que não sabemos sobre luxo.

Voltando ao pretenso luxo, orientar seus clientes por preço (o mais caro possível) já se tornou uma verdade fracassada para o varejo, serviços e bens de consumo mundialmente. A poltrona de R$100 mil ou o quadro do Romero Brito certamente estarão na casa do consumidor de luxo, eliminando a nossa artimanha de exclusividade. A experiência da hospitalidade meus caros, vale muito mais “dinheiros” do que pretensão.
O segmento de luxo é autotélico, algo que não serve para nada além do seu próprio sentido, tipo o preceito “Nitchzeano” da arte pela arte. Para produtos de luxo então, expor o valor reduz o sonho a praticidade, transforma o intangível em tangível, seja pela competição ou pela dimensão – neste caso, da sua carteira. Americanos tem uma expressão sobre isso: “If you have to ask, you cannot afford!” (Se você precisa perguntar o preço, é por que não pode pagar!). O consumidor compra um estilo de vida, uma história de marca, um sinônimo de qualidade, associação, refinamento e exclusividade. Nada disso tem preço.

O que o segmento de “lux” prega então, é que trazer o preço real romperia essa mágica. Afinal, comprar um item de luxo não é tido como uma opção lógica, mas emocional. Uma pesquisa da Deloitte reforça essa opinião, mostrando que entre o tal público millennial, os produtos de luxo são escolhidos, principalmente, por fazerem a pessoa se sentir bem consigo. Quanto vale viajar, hospedar-se e se sentir bem consigo?
Aquele cartão mais escuro do comercial, não é?

Lembre-se: preço não é referência de luxo, amiguinhos. Se fosse, a vida dos luxuosos seria muito mais fácil!

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Julio Gavinho é professor universitário, orientador de MBA, proprietário da consultoria Escritório de Julio Gavinho, ex-diretor de Rio Quente Resorts, Ex-diretor de desenvolvimento do Marriott e do Hyatt no Brasil, Fundador, Developer e ex-Presidente da doispontozero Hoteis, proprietária da marca Zii Hotel.

(*) Crédito da foto: arquivo pessoal/Julio Gavinho