Silêncio no lobby, corredores vazios e portas fechadas. Para um setor que atua 365 dias por ano, 24 horas e sete dias por semana, a pandemia foi brutal. Ainda que em um primeiro momento a paralisação das atividades hoteleiras tenha sido baseada em medos e inseguranças, para muitos empreendimentos a crise foi fatal. Baqueados pela escassez de demanda e caixas que não sustentaram o pior golpe já sofrido na história do segmento, muitos hotéis fechados agora aguardam um novo destino.

Em abril deste ano, a CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo) divulgou um balanço que apontava o fechamento definitivo de 3 mil hotéis, pousadas e hostels no Brasil em 2020. Ainda de acordo com a entidade, o saldo negativo no volume de negócios ligados ao turismo corresponde à maior perda anual desde 2016, quando o país ainda sentia os efeitos da recessão.

De acordo com a ABIH-RS (Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Rio Grande do Sul), apenas em Porto Alegre 15 empreendimentos tiveram que encerrar suas operações. Em uma pesquisa realizada pela Feasi Hospitality entre os dias 16 e 25 de março deste ano, foram levantados 51 hotéis independentes fechados (4.168 UHs) nas capitais do Sul e Sudeste.

Segundo a empresa, o número é mais que o dobro do identificado em um primeiro estudo, realizado em junho de 2020. No período, “apenas” 25 propriedades haviam fechado as portas sem previsão de reabertura. Com os resultados apresentados em 2021, a “taxa de mortalidade” da hotelaria independente chegou a 17% sobre a oferta total do segmento.

Para se ter uma ideia, a ABIH-Nacional identificou o fechamento de 90 hotéis nas cidades-sede em um período de quatro anos após a Copa do Mundo de 2014, ou seja 23 empreendimentos encerraram suas atividades por ano.

Ainda de acordo com a Feasi, a média de operação das propriedades independentes que fecharam as portas é de 35 anos. Do montante, apenas 11% haviam passado por reformas nos últimos 10 anos, tornando-os menos competitivos.

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Hotéis fechados: o fim

Aberto em 2004, o Matsubara Hotel foi um dos grandes que não aguentaram o baque da pandemia. O empreendimento encerrou suas atividades no dia 31 de março deste ano. Segundo Nelson Goes, até então gerente geral da propriedade, a crise econômica decorrente da pandemia levou os investidores a tomarem a decisão.

“Estipulamos um dia para finalizar as operações, que foi em 1º de abril. Fiquei até o dia 30 para fazer os cancelamentos com todos os fornecedores e OTAs. Foi um fim muito tranquilo. Comunicamos os funcionários, fizemos uma palestra de encerramento e disponibilizamos serviços de head hunter para auxiliar os colaboradores”, explica Goes.

Em Porto Alegre, o Hotel Lar Residence, com 40 anos de história, fechou as portas no último dia 30 de abril. Localizado no centro da capital gaúcha, o empreendimento contava com estrutura para longas estadas e um dos pioneiros do segmento de apart-hotéis da cidade.

Em matéria veiculada em maio pelo Hotelier News, Enio Golbspan, gestor do hotel composto por quatro sócios, explicou que a pandemia foi responsável por 90% do fechamento do Lar Residence. Com as restrições, as ocupações ficaram muito abaixo do necessário para cobrir as despesas.

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Matsubara Hotel encerrou as atividades em março

O futuro dos ativos

O ex-gerente do Matsubara afirma que não pode revelar os planos dos proprietários para o ativo, mas afirma que existem investidores em busca de edifícios para as mais diversas atividades como residências e hospitais.

“Acredito que muitos ativos têm potencial para se transformarem em hospitais e apartamentos. Estou no setor desde 1978 e, analisando o mercado, São Paulo é uma cidade que não vai parar, pois oferece muitos campos de atuação. Mesmo o setor tendo mudado bastante, a capital ainda receberá muitos eventos, feiras e congressos. O corporativo será pautado nisso”, prevê.

Golbspan revela que o destino do Lar Residence ainda não foi definido, pois os proprietários estão em fase de estudos das melhores possibilidades de negócios. Anteriormente, o gestor do empreendimento adiantou que o ativo pode ser comercializado em sua totalidade ou em apartamentos separadamente.

Segundo José Roberto Ritter, presidente da ABIH-RS, a venda total ou individual é uma dúvida recorrente. “Provavelmente os investidores venderão o hotel como um todo ou individualizar os apartamentos adaptados para comercialização”.

Para Roland Bonadona, ex-CEO da Accor e fundador da Bonadona Consulting, são muitas as possibilidades diante de um mercado em transformação. “Aqueles que fecharam podem reabrir como residencial, hospital, casas para seniors e short-term rental. É difícil dizer. Porém, acredito que todos serão convertidos”, pontua. “Precisamos chegar ao final da pandemia e observar a retomada e as demandas”.

Conversões e short-term rental

No levantamento de 2021 da Feasi, o short-term rental se destacou como tendência, principalmente para a transformação de flats. Em contrapartida, ao contrário do que muito se especulou, poucos empreendimentos independentes foram convertidos em bandeiras internacionais.

“O short-term rental tem sido muito considerado por grandes players como Atrio, Intercity e Atlantica. A opção dá a possibilidade do pool reduzir o custo. Essa tendência pode significar no futuro uma concorrência sim com a hotelaria tradicional, porém ainda não sabemos qual será o real impacto”, pontua André Matielo, diretor da Feasi.

A pandemia também impulsionou a transformação de hotéis fechados em prédios residenciais. O movimento ganhou força com o aquecimento do mercado imobiliário, catalisado por incorporadoras que enxergaram oportunidades de mudar o uso do imóvel a partir de readequações.

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Do total, 13 empreendimentos migraram para o short-term rental, totalizando 859 UHs. Em sua maioria, são flats antigos que deixaram de operar como hotéis, mas permaneceram no mercado de hospitalidade por meio de plataformas digitais. Com números de unidades restritas no pool, a operação hoteleira era pouco rentável e a transformação serviu como uma possibilidade de redução de custos.

Dentre os 51 hotéis fechados, nove viraram imóveis residenciais, ou seja 17% do total. Apenas três empreendimentos (462 UHs) passaram por conversões de bandeira, sendo duas nacionais e uma internacional. A necessidade de adequação da estrutura e custos relativos à marca foram os principais fatores apontados como inibidores da escolha.

Por fim, outros 10 hotéis sofreram a chamada “hibridização”, ou seja, passaram parte de seu inventário para outras atividades. Entre os destaques estão o short-term rental, coliving, student housing, studios mobiliados e day office. Os ativos estão em fase de adequação operacional e comercial, utilizando equipes remanescentes para prestar serviços.

“O importante é entender como são esses ativos, se são de proprietário único ou um grupo. Muitas vezes esses imóveis tendem a se tornarem residenciais puros para venda quando a legislação permite. Os proprietários enxergaram uma valorização imobiliária e avaliam a comercialização das unidades. As redes muitas vezes prometem muito, mas sem garantia de retorno e o proprietário independente já foi muito castigado pela pandemia”, comenta Matielo.

(*) Crédito da capa: Unplash

(**) Crédito das fotos e gráficos: Divulgação