Assim como outros setores, a hospitalidade é um universo de possibilidades. De cargos administrativos a operacionais, da gastronomia à consultoria, muitos leques se abrem aos jovens que estão descobrindo suas aptidões, sonhos e preferências. Diante de um mercado saturado, agredido e desvalorizado, a formação na hotelaria é uma carta na manga para aqueles que têm o bem-receber correndo nas veias. Com uma concorrência cada vez mais voraz e clientes exigentes, atuar com serviços é, sem dúvidas, para os fortes.

De nada adianta os empreendimentos oferecerem as melhores estruturas se, na essência, a hotelaria é pautada nas pessoas, no atendimento. Com o tradicionalismo tatuado em seu DNA, o mercado de hospedagens vem obrigatoriamente sendo empurrado rumo à digitalização, mesmo que muitos hoteleiros ainda se mostrem resistentes a isso.

Em um cenário de tantas transformações e crises, como os profissionais chegam atualmente ao mercado de trabalho? As grandes instituições estão modernizando seus cursos para formar pessoas aptas a atender às demandas ou ficaram estagnadas no tempo?

No balanço de 2019, o MEC (Ministério da Educação) contabilizou um total de 1.276 estudantes matriculados no curso de Hotelaria. O levantamento leva em consideração os dados do Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas) do último ano sem pandemia em universidades federais do país.

No mesmo período, das 576 vagas oferecidas, apenas 324 foram preenchidas, com taxa de evasão de 14,85% e apenas 117 concluintes. Entre as instituições federais, seis oferecem formação em hotelaria: UFF (Universidade Federal Fluminense); UFPB (Universidade Federal da Paraíba); UFPE (Universidade Federal de Pernambuco); UFPEL (Universidade Federal de Pelotas); UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro) e FURG (Universidade Federal do Rio Grande).

De acordo com a avaliação do Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes) de 2019, a UFF foi a universidade federal mais bem pontuada no curso de Hotelaria, com 5 pontos em uma escala de 1 a 5. Em termos de evasão por curso, a instituição com maior taxa em 2019 foi a UFRRJ (24,58%).


Formação na hotelaria - censo Inep


formação na hotelaria - Ana Marta Araujo

Ana Marta: grade do Senac vem ganhando novos moldes

Formação na hotelaria: modernização

Para entender como as grades curriculares acompanham o mercado, o Hotelier News conversou com duas instituições particulares líderes em formação de profissionais da hotelaria. Vale ressaltar que ambas não abriram o número de alunos matriculados no curso, muito menos o índice de evasão.

Uma das instituições mais tradicionais quando se trata da formação de hoteleiros, o Centro Universitário Senac foi a casa de profissionais com carreiras invejáveis. Apesar do êxito de muitos estudantes, a professora Ana Marta Araújo, coordenadora do curso de Bacharelado da instituição, garante que a grade vem ganhando novos moldes.

“A reformulação dos cursos de Hotelaria e a inserção da abordagem relacionada à transformação digital já vinha em discussão antes mesmo da pandemia, por estarmos atentos ao movimento que já se desenhava como uma tendência. Com a pandemia, essas mudanças foram catalisadas. Algo que já estava em pauta, passou a ser ainda mais presente enquanto abordagem transversal do curso”, explica.

Alinhado à grade curricular, o Senac também considera a percepção das competências socioemocionais demandadas pelo mercado. “Isso tornou nossa formação ainda mais relevante no cenário atual. Entendendo todo o contexto de transformação, o curso passa a intensificar suas estratégias para a aprendizagem por projetos reais, a vivência profissional próxima ao mercado e a flexibilidade curricular”, acrescenta.

Um exemplo é o Desafio Senac: Alunos no Comando, projeto implementado há 10 anos que permite que os alunos assumam a gestão de um dos hotéis-escola por um fim de semana para que os estudantes vivenciem na pele o dia a dia da profissão.

Na Anhembi Morumbi, a professora Paula Lucatto, coordenadora do curso de Hotelaria, ressalta que a formação é focada tanto na operação, quanto na gestão. “Todas as disciplinas são pautadas em prática e teoria. Realizamos pesquisas em hospitalidade e gestão em serviços, por exemplo, que complementam a dinâmica para compor o plano de ensino. Também implementamos matérias como Gestão Ambiental”.

Em 2018, a Escola Superior de Hotelaria Castelli encerrou atividades para a formação voltada a meios de hospedagens. Entretanto, o legado de Geraldo Castelli segue vivo na Castelli Escola de Chocolataria, atualmente tocada por sua filha, Silvana Castelli.

A gestora da instituição garante que o fim dos cursos de graduação em Hotelaria, mas por fins burocráticos do MEC. “Foram 40 anos formando profissionais. Nosso modelo sempre foi inspirado nas escolas europeias, com cursos de graduação, pós-graduação e outras formações que compõem a área. O MEC possui três categorias de ensino superior: universidades, centros universitários e faculdades isoladas com até 500 alunos. Esta última era a categoria que nos encaixávamos”.

Entretanto, as exigências do MEC para faculdades isoladas e a explosão do EAD, além de questões mercadológicas, obrigavam a Castelli a lançar outros cursos, expandindo sua expertise para outras áreas e assim se tornar um centro universitário. “Não estava em nossos planos e nunca quisemos isso. Nosso foco sempre foi hospitalidade e a nossa marca registrada na hotelaria, mas se tornou um modelo de negócios inviável”, lamenta Silvana.

No ano do encerramento das atividades, todos os estudantes matriculados concluíram seus cursos e os processos seletivos foram suspensos. “Ninguém ficou sem se formar. Nosso sistema de ensino era modular e imersivo. Os alunos compravam o semestre totalizando dois anos de bacharelado”.

formação na hotelaria - Paula Lucatto

Paula: Anhembi Morumbi foca em prática e teoria

O perfil do aluno

Independente da instituição escolhida, jovens que buscam os cursos de graduação em hotelaria possuem perfis semelhantes. São pessoas dinâmicas, multitarefas e que almejam projeção profissional no setor.

“Os alunos que procuram os cursos de nível superior na área de hotelaria apresentam um perfil diversificado: jovens egressos do ensino médio; profissionais que já atuam na área e buscam se desenvolver profissionalmente; e até estudantes cujas famílias já possuem ou estão desenvolvendo um empreendimento na área”, salienta a professora Márcia Akemi, coordenadora do curso de Tecnologia em Hotelaria do Centro Universitário Senac – Santo Amaro.

Segundo a coordenadora, todos têm em comum um grande interesse por uma atuação que permita a interação com pessoas em um ambiente de diversidade e com potencial de carreira internacional.

“Inicialmente eles costumam vislumbrar a carreira em meios de hospedagem, em empresas de alimentação e de organizações de eventos. Contudo, no decorrer do curso, percebem como a formação pautada nos conhecimentos de gestão de empresas, com foco em hospitalidade e experiência do cliente possibilita uma atuação muito mais abrangente, envolvendo a área de serviços e tecnologia, hotelaria hospitalar, gestão de facilities, entre outras”, complementa Márcia.

A coordenadora da Anhembi Morumbi ressalta que é visível a diferença entre o perfil do aluno que escolhe cursar Hotelaria daqueles que optam pelo Turismo. “O estudante de Hotelaria é mais centrado e busca excelência profissional. São alunos dinâmicos que estão atentos à entrega dos serviços”.

formação na hotelaira - Marcia Harumi

Márcia: alunos têm diferentes motivações

A relação com o mercado de trabalho

Para auxiliar a entrada dos jovens no mercado de trabalho, as instituições mantêm uma relação próxima com entidades, redes hoteleiras e empresas atuantes no setor. No caso do Senac, os cursos contam com a colaboração de profissionais da área como forma de enriquecer a formação dos alunos.

“O Centro Universitário Senac sempre teve uma atuação muito próxima do mercado. Nos cursos superiores de Hotelaria, apenas  durante o ano de 2020, recebemos mais de 25 profissionais C-Level, muitos deles ex-alunos do nosso curso, dos mais diversos segmentos e locais do mundo: Emirados Árabes, Estados Unidos, Londres, além de diversas regiões do Brasil”, explica Ana Marta. “Eles participaram de dinâmicas de interação direta com nossos alunos em diversas disciplinas do curso que promovem relacionamento com o mercado. Destaco aqui: Abrape, Accor, Azul Linhas Aéreas, Braztoa, Clia Abremar, Hotéis-Escola Senac, Grupo ALL, Hilton Hotel & Resorts, InterContinental Hotel Group, JLL, Loft, Loggi, Lookbox, Mandarina Consultoria, Mapie, MC&A, OTA Insight, Pmweb, Resorts Brasil, Worldpackers entre outros”.

A Anhembi Morumbi promove job days, além de divulgar vagas disponíveis em grandes redes hoteleiras como Accor, Atlantica Hotels e hospitais, como o São Luís e Santa Paula. “Temos muitos alunos atuando em setores como recepção e outros cargos operacionais”, destaca Paula.

Em contrapartida, grupos hoteleiros oferecem suas próprias formações, como é o caso do WAM Group. Com um braço de ensino, a rede conta com 70 cursos de graduação. “A WAM Ensino possui duas funções: comercializar os produtos educacionais e qualificar nossos profissionais, em parceria com o Centro Universitário Maurício de Nassau. Estimulamos nossos colaboradores a se formarem conosco ou em qualquer outra instituição”, explica Ana Paula Nunes, head de Pessoas e Cultura da empresa.

As graduações trazem temas como administração, gestão financeira e contabilidade, entre outras competências. “Oferecemos um portfólio de oportunidades para que o profissional entenda o que é melhor para a sua carreira. Quando falamos em gestão, ela pode ser aplicada a qualquer mercado, seja hoteleiro ou não”, acrescenta Ana Paula.

Atualmente, a graduação da WAM Ensino conta com mais de 350 matriculados em fase de formação. “Também oferecemos o Capacita, voltado para filhos de funcionários. Trazemos iniciativas a cada ano com foco em desenvolvimento pessoal. Vamos começar a ampliar a visibilidade do WAM Group em universidades no sentido de atratividade também”, complementa.

Além da graduação, a empresa ainda conta com cursos profissionalizantes e de pós-graduação. “Estamos atuando forte para trazer novos olhares para formas de trabalho, necessidades de negócio vinculando a educação como uma continuidade de carreira”, finaliza Ana Paula.

formação na hotelaria - ana paula

Ana Paula: WAM Group oferece 70 cursos de graduação

Um olhar de fora da academia

E atualmente? O mercado conta com profissionais qualificados e bem formados? Para Tricia Neves, sócia da Mapie, não existe uma resposta concreta para a pergunta. “As universidades contam com pessoas competentes dentro e existe uma busca por conhecimento no mercado. Vai muito além da grade curricular”, pontua.

Segundo a executiva, antes de pensar na formação, é preciso levar em conta a atratividade do setor. “É uma profissão com margens baixas, de remuneração desvalorizada quando comparada a outras indústrias de serviços. Demanda uma rotina de trabalho exaustiva, ainda mais para cargos operacionais. É preciso olhar o macro”.

Para a profissional, a velocidade da transformação do mercado puxa a academia e não é de hoje. Apesar da relevância dos cursos acompanharem as movimentações do setor, vale ressaltar que as soft skills devem ser consideradas também pelas instituições.

“As universidades devem formar pessoas com capacidade de tomar decisões, trabalhar de forma coletiva e construir um sistema coletivo. A academia precisa evoluir também nesse aspecto e não apenas em conhecimento técnico. Existe um grande movimento ainda por vir e não só no turismo”, finaliza Tricia.

(*) Crédito da capa: reprodução

(**) Crédito das fotos: Divulgação